Antecipando o cinquentenário da morte de Alvar Aalto, o Museu de Arte Contemporânea de Serralves apresenta uma exposição monográfica que vai muito além da celebração de um nome consagrado. “Aalto” oferece uma leitura emocional e crítica da arquitectura moderna através de uma das suas vozes mais sensíveis. O texto curatorial de António Choupina, que guia o visitante, sublinha o carácter colectivo da criação - a tríade formada por Alvar e pelas suas duas esposas, Aino e Elissa Aalto - e o modo como o seu trabalho redefiniu a vertente humanista do modernismo. O percurso, estruturado cronologicamente e impregnado de simbolismo, revela uma obra que nasce do diálogo com a natureza e com o corpo humano. O gesto inaugural - atravessar a “medalha” de Aalto, reinterpretada como portal expositivo - traduz essa dimensão íntima e táctil, evocando a Casa Experimental de Muuratsalo, onde o arquitecto deixou a sua impressão digital. Esta abertura é mais do que um dispositivo cénico: é a metáfora perfeita para um criador que via na Arquitectura não um estilo, mas uma forma de vida.
Entre as décadas de 1920 e 1960, a narrativa expositiva acompanha a transformação da Finlândia em nação moderna, uma epopeia cultural em que a arquitectura se tornou instrumento de identidade. Aalto foi influenciado pelo funcionalismo e pelo diálogo com os modernistas europeus e o círculo da Bauhaus, mas a sua obra transcendeu rótulos. Onde outros viam uniformidade, ele via complexidade e emoção; onde o racionalismo impunha rigidez, ele introduziu organicidade. Obras como a Biblioteca de Viipuri, hoje na Rússia, a Villa Mairea, na Finlândia, a Baker House, nos Estados Unidos, a Maison Carré, em França, ou o Sanatório de Paimio, testemunham essa fusão entre técnica e poesia — edifícios que respiram, acolhem e curam. Este último, projectado no advento da antibioterapia, é exemplar na forma como o espaço se converte em cuidado: a luz, o ar, o som e até o silêncio constituem matéria de projecto. É por isso que o Sanatório figura entre os treze edifícios de Aalto nomeados a Património Mundial da UNESCO, e que o seu nome continua a definir a ideia de “arquitectura humanizada” que hoje tanto se reivindica.
A exposição culmina com Elissa Aalto, encerrando um ciclo criativo e biográfico, mas também lançando um olhar sobre o futuro da Arquitectura enquanto arte de cuidado e crença. A organização em torno de referências bíblicas - um gesto invulgar no contexto moderno - reforça a leitura espiritual de uma obra que dialoga com a fé luterana e, mais amplamente, com a fé no humano. Ao mesmo tempo, estabelecem-se pontes com a contemporaneidade, recordando a influência de Alvar Aalto em arquitectos como Álvaro Siza, laureado com a Medalha Alvar Aalto em 1988. A relação entre ambos - o mestre distante e o discípulo que transforma o legado em nova sensibilidade - confere à mostra uma densidade rara: não é apenas um arquivo, mas uma meditação sobre a continuidade da modernidade. “Aalto”, em Serralves, é menos uma retrospectiva e mais uma revelação: a de que, entre o concreto e a luz, ainda pulsa a possibilidade de uma arquitectura que respira como um ser vivo.
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