TEATRO: “José Afonso, ao vivo nos Coliseus, 1983”
Encenação | Gonçalo Amorim
Coordenação dramatúrgica | Rui Pina Coelho
Textos | Lígia Soares, Marta Figueiredo, Miguel Cardoso, Rui Pina Coelho, Susana Moreira Marques
Cenografia | Catarina Barros
Figurinos | Cátia Barros
Interpretação | Catarina Chora, Catarina Carvalho Gomes, Inês Salvado, Mariana Leite Soares, Pedro João, Xosé Lois Romero, Hugo Inácio, Abigail Raposo, Beatriz Mendes
Direção musical | Mariana Leite Soares, Pedro João
Produção | Teatro Experimental do Porto
165 Minutos (com intervalo) | Maiores de 12 Anos
Teatro Rivoli
07 Nov 2025 | sex | 19:30
O concerto de José Afonso nos Coliseus, em 1983, marcou o epílogo de uma das mais luminosas trajectórias da música portuguesa. Doente, mas ainda dono de uma voz interior intacta, Zeca despediu-se do palco com a mesma simplicidade e intensidade de sempre, oferecendo ao público um testemunho vivo da força da música como gesto de liberdade. A sua obra, enraizada nas modas e cantigas do povo, soube reinventar a tradição através de harmonias ousadas, ritmos do mundo e uma poesia de rara densidade moral e estética. Entre o coro anónimo da rua e a sofisticação de arranjos que bebiam tanto do jazz como da música erudita, Zeca Afonso construiu uma linguagem única, onde o compromisso político nunca sufocou a beleza. Naquele derradeiro concerto, ecoaram não só as vozes de um país recém-desperto, mas também a consciência de que sem a sua música - e a de tantos companheiros de utopia -, a Revolução dos Cravos talvez não tivesse encontrado o mesmo pulso, nem o mesmo canto capaz de transformar a esperança em acção.
Foi sobre o legado de Zeca Afonso, sobre a forma como soube transformar a canção popular em instrumento de consciência e liberdade, que o encenador Gonçalo Amorim e um conjunto de personalidades artísticas que com ele trabalharam se debruçaram, assumindo os concertos nos Coliseus como o culminar de uma carreira que uniu arte, povo e revolução numa mesma voz intemporal. Gravemente debilitado pela doença que o conduziria à morte quatro anos depois, José Afonso subiu aos palcos dos Coliseus de Lisboa e do Porto em 1983 para os seus últimos concertos. O concerto de Lisboa, registado pela RTP, tornou-se um marco na memória colectiva portuguesa e foi perpetuado em álbum, filme-concerto e, mais recentemente, numa edição restaurada que recupera quase integralmente o espetáculo. “José Afonso, ao vivo nos Coliseus, 1983” faz-se de histórias e memórias onde se entrelaçam a música e o teatro, a performance e a poesia. Longe de querer assumir-se como uma cópia do concerto original, o espectáculo reinventa-o à luz de uma abordagem contemporânea inspirada no Gig Theatre, uma forma híbrida que funde a energia dos concertos ao vivo com a narrativa teatral.
O resultado desta reinterpretação do legado de Zeca Afonso, feita de liberdade criativa e profunda ressonância emocional, afigura-se díspar. Há um lado revivalista intenso e vivo que leva o espectador ao encontro das emoções de um momento único. É um dizer “presente” num concerto ao qual, presumo, muitas das pessoas na sala não assistiu… mas gostaria de ter assistido. Desse ponto de vista talvez tenha sabido a pouco, mas o momento final da “Grândola” terá valido por tudo o resto (para mim, pelo menos, valeu). Há momentos lindíssimos nos textos interpretados de forma original por actores misturados no meio do público, público que também são. As mensagens, actuais, remetem para o momento social, económico e político que se vive hoje em dia, momento de desconfiança em que o individual abafa o colectivo e em relação ao qual a música de Zeca Afonso é farol cada vez mais distante, já só - mas ainda - “uma pequenina luz bruxuleante”. Embora reduzido, o naipe de músicos mostra-se precioso, tanto na dinâmica de palco como na sua qualidade interpretativa. Há, enfim, um fio condutor do espectáculo errático, confuso nos seus propósitos, e ainda um erro de “casting” tremendo na opção pela actriz que assume a presença e a voz de Zeca Afonso. Se em relação à presença pouco haverá a apontar, já em matéria de voz só me ocorre dizer que o Zeca merecia melhor.
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