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sexta-feira, 7 de novembro de 2025

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Pós Tipo: Clichés da Diáspora” | José A. Chambel



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Pós Tipo: Clichés da Diáspora”,
de José A. Chambel
Investigação | Magdalena Chambel
Cenários | Ismael Sequeira e Nezó
Produção | Manga-Manga
Centro de Arte de São João da Madeira
18 Out > 12 Nov 2025


O Centro de Arte de São João da Madeira volta a surpreender o visitante com uma exposição de fotografia verdadeiramente imperdível. Da autoria de José A. Chambel e intitulada “Pós Tipo: Clichés da Diáspora”, a mostra começa por remeter para as séries de selos e postais ilustrados que guardo nas memórias de infância e juventude, as quais eram dedicadas aos “tipos e raças” das antigas colónias portuguesas, constituindo hoje documentos de grande valor histórico. Mas elas são também espelhos de um tempo profundamente marcado por hierarquias raciais e desigualdades estruturais, celebrando a diversidade étnica e cultural do Império e apresentando-a como símbolo da suposta vocação “civilizadora” de Portugal. Por detrás dessa aparência de exotismo e curiosidade etnográfica, revelava-se uma ideologia colonial que normalizava a dominação e inferiorizava os povos colonizados. Corpos negros e mestiços eram, assim, convertidos em objectos de contemplação, classificados e etiquetados como espécimes de um catálogo humano. A fotografia e a ilustração funcionavam, assim, como instrumentos de poder — legitimando a visão do colonizador e fixando uma narrativa de subordinação, onde o “nativo” era retratado como simples elemento de cor ou símbolo de retrocesso, contraposto à figura do europeu civilizado.

Neste trabalho, o que José A. Chambel faz é descolonizar os arquivos e, com recurso à fotografia, reflectir sobre o colonialismo moderno e os modos de representação e heranças visuais deste tempo. O que mudou após o período colonial? As comunidades libertaram-se desse “olhar tipo” com que foram classificadas? Persistem sinais desses antigos clichés? Como os próprios veem o olhar do colonizador? E de que modo a nação santomense contemporânea, em constante construção e transformação, se posiciona perante essas imagens do passado? A investigação partiu de pesquisas realizadas em arquivos de Portugal e de São Tomé e Príncipe, com o objectivo de identificar padrões de representação das populações locais e dos trabalhadores contratados provenientes de Angola, Cabo Verde e Moçambique. O trabalho nos arquivos permitiu compreender as matrizes visuais e simbólicas que moldaram a representação dos diferentes grupos sociais durante o período colonial e levou a questionar se ainda é possível reconhecer, na atualidade, resquícios desses “tipos” socio-culturais na diáspora santomense em Portugal. Como resultado, o projeto recriou doze imagens representativas, inspiradas nos resultados da pesquisa. Essas novas fotografias reinterpretam, de forma ficcionada, os antigos clichés coloniais - ora através de um olhar distópico e crítico sobre os retratos “tipo”, ora por meio de uma reflexão estética e política que confronta o passado com as realidades e identidades da diáspora actual.

Concluímos que as marcas simbólicas desse passado persistem, mesmo que sob formas subtis. A herança visual e discursiva do colonialismo continua a influenciar percepções sociais, narrativas mediáticas e representações culturais, persistindo os estigmas raciais, os estereótipos e as desigualdades que têm raízes profundas nesse olhar colonial. O exotismo das figuras femininas, os trajes tradicionais, os cenários tropicais e a pose submissa dos retratados que serviam para reforçar a autoridade moral do colonizador e a pretensa benevolência da sua missão é o mesmo de hoje, subsistindo uma pedagogia visual do domínio que reforça a ideia de racismo estrutural, sustentado numa lógica de diferença e desigualdade. Nas sociedades contemporâneas, o desafio é, portanto, duplo: reconhecer criticamente o peso desse legado e, simultaneamente, reconstruir uma memória colectiva mais justa e plural. A descolonização do imaginário passa por revisitar as imagens de um passado que nos deve envergonhar a todos, não para as apagar, mas para as contextualizar, problematizar e reapropriar. Só assim é possível romper com o discurso que ainda tende ao exotismo do “outro” e afirmar uma identidade pós-colonial baseada na igualdade, na diversidade e no respeito pela humanidade comum.

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