A exposição “Nadir Afonso: Território de Absoluta Liberdade” inscreve-se numa lógica de valorização da Arte Contemporânea em Portugal, promovida no âmbito da candidatura “Paisagens Visuais”, à Rede Portuguesa de Arte Contemporânea, numa parceria realizada entre o Museu do Côa, o Museu Amadeu de Souza Cardoso, a Sociedade Nacional de Belas Artes e a Galeria Ogiva. A escolha de Nadir Afonso como figura central desta mostra não é acidental, antes reflecte um justo reconhecimento da relevância e singularidade do seu percurso artístico. Nascido em Chaves, cidade periférica no contexto artístico nacional, Nadir projetou-se internacionalmente com uma obra que alia um rigor científico a uma sensibilidade plástica invulgar. Mais do que um artista isolado, ele representa um ponto de confluência entre pensamento, arte e ciência, e esta exposição propõe um reencontro com essa complexa teia de influências, percursos e visões que marcam a sua produção. “Território de Absoluta Liberdade” é, pois, uma expressão precisa daquilo que define o legado de Nadir Afonso: a busca incessante por uma linguagem própria, liberta de convenções, mas fundada numa matriz de ordem universal.
Formado em Arquitetura pela Universidade do Porto, Nadir Afonso teve contacto com grandes nomes da arquitectura modernista, como Le Corbusier e Oscar Niemeyer, colaborando activamente com o primeiro em Paris. No entanto, a sua relação com a arquitectura foi sempre tensa e ambivalente. Nadir negava-lhe o estatuto de arte, pois considerava que a arte se funda na percepção directa e na intuição estética, enquanto a arquitectura obedece a condicionantes práticas e funcionais. Essa cisão marca uma viragem fundamental na sua vida: a entrega plena à pintura, território onde a sua visão filosófica e estética poderia expandir-se livremente. Influenciado pelas vanguardas europeias — nomeadamente o abstracionismo geométrico, o cinetismo e o surrealismo — o artista português construiu um corpus teórico e plástico notável, no qual a cidade surge como tema recorrente. Para Nadir, a cidade não é uma realidade construída, mas antes uma estrutura formal de pensamento, uma entidade estética sujeita a leis matemáticas e universais. A sua obra é, nesse sentido, tanto uma investigação sobre a beleza quanto um exercício de decifração da ordem do cosmos.
Ao longo da sua vasta carreira, Nadir Afonso desenvolveu múltiplas fases — do surrealismo ao realismo geométrico, passando por etapas como a organicista, antropomórfica ou a dos “Espacillimités” —, mas sempre fiel à ideia de que a arte resulta da descoberta de leis objetivas que regem a beleza. Esta visão, próxima da tradição pitagórica e platónica, afasta-o de uma leitura meramente subjectiva ou expressiva da criação artística. A presente exposição, ao reunir trinta e duas obras — incluindo vinte e cinco pinturas sobre tela, das quais sete de grande formato realizadas nos seus últimos anos, e doze desenhos — oferece um panorama representativo dessa coerência e evolução estética. A curadoria de Alexandra Silvano incita o público a entrar num “diálogo sensorial, absoluto e rigoroso”, em perfeita consonância com a exigência formal que o próprio Nadir Afonso impunha à sua produção. Mais do que uma retrospectiva, esta mostra é uma celebração da liberdade criativa, do pensamento estruturado e da eterna procura pela beleza essencial que definem uma figura ímpar da arte portuguesa do século XX.
Sem comentários:
Enviar um comentário