Foi no Verão de 2020, em plena crise pandémica, que o Ovar Expande soltou amarras e juntou esforços, decidido a “desconfinar” a nova música portuguesa e a dar palco às suas vozes singulares e projectos inovadores. Ao mesmo tempo, assumia com veemência a ideia de transformar espectadores em protagonistas de uma experiência cultural única, de valorização do talento nacional e de celebração da força da canção enquanto arte viva. Cinco anos decorridos, o certame mostra-se imparável. Ano após ano, tem sabido repensar-se e reinventar-se – estendeu-se a novos espaços, cativou e consolidou um público apaixonado e afirmou-se como uma forte marca identitária da cultura em Ovar e uma referência incontornável no panorama musical do nosso País. Celebrando os cantautores, esta sexta edição traz à Escola de Artes e Ofícios nomes como os de Manel Cruz, Afonso Cabral, The Legendary Tigerman, Mazela, Bia Maria, Ela Li, Lana Gasparøtti e IBSXJAUR, apostada em fazer de cada concerto um encontro emotivo e intimista entre a dádiva da música e o abraço do público.
Natural de Castelo Branco, Maria Roque abriu a série de concertos da presente edição do Ovar Expande, trazendo consigo o projecto Mazela, através do qual lança um olhar sobre as imperfeições humanas, mas também sobre o acto de cuidar e curar. Acompanhada pela produção atenta de Alexandre Mendes, igualmente encarregue do acompanhamento com a guitarra, a voz suave e introspectiva de Maria Roque impôs-se ao longo do concerto em temas como “Naveguei”, “Luz no Escuro” e “Entre Amor e Ódio”, extraídos do seu primeiro EP, intitulado “Desgostos em Canções de Colo” (2024). O destaque vai para a riqueza poética de Mazela, para a sua capacidade de devolver um olhar delicado sobre temas como a dor, a perda ou a esperança, e de o fazer com uma sensibilidade que ressoa profundamente no público. Introspectivas e carregadas de emoção, as letras convidam à reflexão pessoal e à empatia. Consiga ela soltar-se de constrangimentos – mais acústica e menos eco, mais naturalidade e menos eletrónica - e cantar da forma límpida como fez em “Canção sem Final”, e rapidamente se afirmará como uma das gratas certezas da nova música portuguesa.
O final do primeiro dia de concertos do Ovar Expande foi assegurado por Manel Cruz. E que final! Em dia de aniversário, aquele que é um dos mais geniais músicos portugueses brindou o público com um leque vasto de canções, respigadas de um repertório pouco conhecido, em grande parte não editado em disco e apenas à disposição dos sortudos que têm a possibilidade de o escutar em palco. “Onde Estou Eu” e “Beija Flor”, do álbum “Vida Nova” (2019) foram os primeiros temas da noite, abrindo espaço a uma hora e um quarto da mais pura sedução. Estabelecendo um ponto de equilíbrio entre a sofisticação musical e a crueza emocional, o cantor prendeu o público de forma intensa (quase apetece dizer que o amordaçou), induzindo nele uma escuta quase reverencial. Tratando como ninguém os seus poemas, carregou-os de intimismo e de uma expressiva sensibilidade emocional em temas universais como o amor e a dor, a melancolia e a nostalgia, mas também a natureza e o quotidiano. Seria redutor destacar esta ou aquela canção, de tal forma cada uma delas se mostrou como um "ramo" diferente da experiência humana, nessa "árvore" maior da existência e do conhecimento, da dádiva e da partilha. Um concerto inesquecível, revelador do porquê de ser Manel Cruz um dos maiores cantautores portugueses de hoje e de sempre.
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