Páginas

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

CONCERTO: Orquestra de Jazz do Douro & Júlio Pereira



CONCERTO: Orquestra de Jazz do Douro
Com | Júlio Pereira
Direcção musical | Paulo Martins
Festival Internacional Douro Jazz 2025
Teatro Municipal de Vila Real
03 Out 2025 | sex | 21:30


Júlio Pereira não precisa de apresentações… Figura incontornável no panorama musical português, destaca-se enquanto compositor, instrumentista, investigador e produtor. O seu trabalho tem sido determinante para a valorização e redescoberta dos instrumentos de corda tradicionais e estende-se à criação de escolas e instrumentistas, verificada em Portugal a partir dos anos 80. No seu percurso, destaca-se também a íntima ligação à carreira de José Afonso, a partir de finais dos anos 70, bem como a sua participação em trabalhos conjuntos com Pete Seeger, Kepa Junkera e The Chieftains. A partir da década de 1980, a sua obra assumiu um papel crucial na reabilitação do cavaquinho, instrumento que elevou a novos horizontes estéticos através do álbum homónimo, onde tradição e inovação se conjugam com uma notável sensibilidade artística. A sua acção tem contribuído de forma significativa para o reconhecimento institucional e académico de um conjunto particular de cordofones, afirmando-os como elementos centrais da identidade musical portuguesa. É num duplo eixo que se inscreve o seu legado: preservação e revitalização da tradição, aliadas a um impulso criativo que permite a sua reinterpretação e permanência no presente e no futuro.

Foi com estes pergaminhos que Júlio Pereira se apresentou no Teatro Municipal de Vila Real, na noite inaugural da 20.º edição do Festival Internacional Douro Jazz 2025. Ao seu lado esteve a Orquestra de Jazz do Douro, sob a direcção do maestro Paulo Martins, estabelecendo uma tão forte quanto insuspeita ponte entre a música de raiz tradicional e as virtualidade do jazz no que pode ter de inovação e improviso. Foi uma noite ao encontro de novas possibilidades tímbricas, formais e expressivas, que teve no álbum “Rasgar” a sua âncora e nos arranjos para orquestra o lastro de uma noite de sonho. “Rasgar”, tema que dá nome ao mais recente trabalho de Júlio Pereira, abriu o concerto, trazendo com ele a essência de uma música que soube afirmar-se ao longo dos tempos no que tem de inspiração, pureza e liberdade. Nela, cada acorde é um sopro de essência, um fio invisível que tece o silêncio em melodia viva. Seguiu-se “Pulga Saltitante” e, com este novo tema, uma viagem pela história ao tempo da emigração madeirense para o Havai, na bagagem a braguinha, o machete e o rajão, instrumentos que viriam a estar na origem do ukelele (no idioma havaiano, “ukulele” quer dizer “pulga saltitante”, por causa do movimento frenético das mãos do tocador).

O público começa a entrar na festa e ouvem-se as primeiras palmas a compasso. Os acordes que abrem o tema seguinte fazem lembrar o avançar dos ponteiros de um relógio. “Ler Devagar” é uma homenagem àquela que viria a ser considerada uma das vinte livrarias mais belas do mundo. Seguem-se incursões em universos menos explorados por Júlio Pereira, com “Museu do Fado” e “Noitada Extravagante”, este último dedicado ao Alentejo e que viria a receber a mais prolongada ovação da noite. Celebra-se a boa música e não podia faltar Zeca Afonso, com quem Júlio Pereira colaborou a partir de 1979, vindo mesmo a acompanhá-lo no último concerto da sua carreira, em 1983, no Coliseu do Porto. “Os Índios da Meia-Praia” foi o tema escolhido e nele o público teve uma acção importante, chamado a afinar as gargantas e a trautear o estribilho. Também Sara Tavares foi lembrada em “Malhão Morno”, bem como a galega Uxía, com o tema “Laranxa”. Num momento só seu, a Orquestra interpretou “Escrever o Sol”, um tema do álbum “Janelas Verdes”, mostrando a harmonia e o rigor que foram seu apanágio ao longo do concerto. Faltou apenas o rasgo de um ou outro solista a colocar a sempre desejada nota de irreverência num todo certinho, mas apenas isso. Um belo serão, a mostrar que Júlio Pereira continua a “rasgar” os melhores caminhos da melhor música.

[Foto: Teatro Municipal de Vila Real | https://www.facebook.com/teatrovilareal]

Sem comentários:

Enviar um comentário