Após um período de merecidas férias, as “Conversas às 5” regressaram ao Centro de Reabilitação do Norte para uma hora de boa conversa à roda dos livros. Vítor Pinto Basto foi o convidado da 24.ª sessão de uma série de tertúlias literárias que tiveram o seu início em Abril de 2021 e, a propósito de duas das suas obras - “O Rapaz que Queria Aprender a Olhar” e “A Arte de Ser Boa Pessoa” - teceu um conjunto de reflexões que cruzaram os temas fortes da memória e da liberdade. “Nunca pensei em vir a apresentar os meus livros num lugar fantástico como este”, começou por afirmar o autor, perante uma plateia numerosa e ávida de escutar as palavras de quem diz que “aprender a olhar é também aprender a questionar”. Dirigindo-se ao público, referiu estarmos num sítio “onde não falta quem nos cubra com o manto da ciência e da ternura”, abrindo espaço àquilo que designou por “boas pessoas”, aquelas que fazem “do cuidado, da ternura e da empatia uma forma de resistência e de preservação da dignidade”. Reforçando a ideia de que “um ser humano nunca deve abandonar a sua humanidade”, Vítor Pinto Basto lembrou que “todos temos dentro de nós esse fermento fabuloso de criar meios para podermos ser felizes numa vida que nos foi dada”, nesse labor residindo “a arte de ser boa pessoa”.
Olhando à nossa volta um mundo que se desmorona a cada dia que passa, que despreza o colectivo em nome do individual, que separa em vez de unir, que cerra fileiras contra os princípios e valores de Abril, Vítor Pinto Basto apontou o dedo “àqueles que destilam ódio”, afirmando que têm um problema: “Têm pela frente as boas pessoas, aquelas que estão aqui para enfrentar as más pessoas. Sem armas, sem ódio, apenas com ternura.” Para o convidado, “todo o ser humano tem direito a ser feliz e nós temos o direito de não deixar que nos destruam esse direito”. Olhando nos olhos os presentes, deixou um repto: “Não apoiem quem destila o ódio e a desumanização nos seus discursos políticos. Apoiem e apoiem-se em quem dignifica a vida.” Entrando no pequeno-grande mundo da escrita, Vítor Pinto Basto concordou com a ideia transmitida pelo moderador de que “o olhar, nos seus livros, mais do que um sentido é uma responsabilidade” e aproveitou para falar do papel da literatura em ensinar a olhar o mundo, usando o jornalismo como contraponto. A este propósito, referiu que “as notícias caminham não no sentido de um mundo melhor, mas no de nos atirar uns contra os outros. Ao invés, o escritor não tem de se submeter a uma linha editorial”, vincando a ideia de liberdade associada à literatura e que existe cada vez menos no jornalismo.
Conhecido e reconhecido pela correcção da sua postura ética e deontológica, Vítor Pinto Basto é um bom exemplo do escritor que busca, através da literatura, reforçar o que de bom existe em cada um de nós. “Preocupo-me em contar histórias que têm uma base real, histórias que possam tocar as pessoas, na medida em que se revêem nos factos e nas personagens”, diz. Mas adverte que “A Arte de Ser Boa Pessoa” é um livro incómodo: “Não vale a pena a literatura se não for para inquietar, para apoquentar”. Implícita em ambos os livros, a memória foi um tema forte da conversa, com o escritor a denunciar os movimentos fascistas e aquilo que diz ser “uma tentativa de apagar a memória colectiva”. “O Rapaz Que Queria Aprender a Olhar” surge como um meio de lembrar o que de bom se fez em democracia: “Quando se diz que nestes cinquenta anos só houve corrupção, essa é das mentiras mais torpes e imundas que podem existir (…). No tempo da ditadura a corrupção era muito pior, só que era silenciada”. Ser boa pessoa volta a surgir no debate como imperativo moral, uma escolha individual que se repercute no colectivo. Instado a deixar uma mensagem simples mas duradoura no espírito dos presentes, Vítor Pinto Basto encerrou a sessão com um significativo: “Não desistam!”
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