“Escrever é usar as palavras que se guardaram: se tu falares demais, já não escreves, porque não te resta nada para dizer.”
Miguel Sousa Tavares
Quase a chegar ao fim a exposição de pintura “Pela Janela do Olhar”, da autoria de Mafalda Rocha, tempo ainda para algumas palavras sobre este magnífico conjunto de trabalhos, com a secreta esperança de que alguns daqueles que lerem esta mensagem possam encontrar a disponibilidade necessária a visitá-los no Museu Júlio Dinis - Uma Casa Ovarense. Começando pela autora, importa dizer que Mafalda Rocha é artista plástica e que a sua pintura habita um território contemporâneo e expressivo, cruzamento de emoções, matéria e consciência cívica. Entre paisagens interiores e exteriores, a obra da artista evoca atmosferas onde o olhar repousa e se demora, mas também convoca temas urgentes como a Paz, a condição da Mulher, a Literatura e a Democracia. Na pintura de Mafalda Rocha, cada obra é “um lugar habitável, onde quem vê possa parar, escutar e, talvez, encontrar-se”. A série “Pela Janela do Olhar” é um exemplo dessa fusão entre a arte e a palavra: rostos de escritores e escritoras cruzam-se com fragmentos das suas obras, num tributo à literatura e ao milagre da criação.
“Pela Janela do Olhar”, série surgida na sequência do Festival Literário ESCRITARIA e propriedade do Município de Penafiel, é disso um excelente exemplo. Através dela, Mafalda Rocha homenageia os autores e autoras de língua portuguesa celebrados pelo evento desde a sua génese, em 2008, interpretando os rostos e, sobretudo o olhar, dos sujeitos retratados. Com uma paleta minimal onde, num fundo de vermelhos, se destacam a prata, o estanho ou o cobre, Mafalda Rocha abre uma janela sobre a alma dos escritores, num exercício que resulta em memória viva, gesto performativo e homenagem colectiva. Na sua obra pictórica, o gesto nasce do silêncio — um silêncio denso, habitado, onde a emoção encontra forma e a matéria se torna linguagem. A artista trabalha num território íntimo e contemporâneo, onde luz, transparência e textura se entrelaçam numa busca subtil em territórios do visível e do invisível. A sua pintura é feita de escuta e de intenção, de intuição e consciência, exprimindo-se entre o gesto contido e a expressão crua, sem descurar a ética do olhar.
Entre paisagens interiores e exteriores, os rostos de Ana Luísa Amaral, Alice Vieira, Mia Couto, António Lobo Antunes, ou Mário de Carvalho cruzam-se com as suas palavras, num tributo à literatura e à dignidade da criação. E se o ESCRITARIA se afirma como ponto de encontro entre a literatura e as artes visuais graças à obra de Mafalda Rocha - e Penafiel é palco onde o olhar e a palavra dançam cúmplices -, as virtualidade da itinerância estendem o abraço a outra cidade e a outro Festival que tem na celebração da palavra um desígnio comum. Ovar é, desde 2015, palco de um evento literário que se consolida ano após ano e este “casamento”, intermediado pela pintura, acrescenta-lhe força e substância, enobrece-o. E, por isso, aqueles que tiveram a oportunidade de, neste mesmo local, escutar as palavras de Filipa Vera Jardim, Rita Tormenta, Vítor Gil Cardeira ou Vasco Prazeres, irão encontrar na pintura de Mafalda Rocha o espelho e o reverso da identidade literária que une todos os criadores. Para ver até ao dia 3 de Outubro.
Vou tentar visitar, agradeço o post.
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