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quarta-feira, 16 de julho de 2025

EXPOSIÇÃO: “O Arquipélago que Ressoa” | Fernando José Pereira



EXPOSIÇÃO: “O Arquipélago que Ressoa”,
de Fernando José Pereira
Curadoria | Andreia Magalhães
Centro de Arte Oliva
04 Jul > 12 Out 2025


Duas obras, separadas por 28 anos, balizam o intervalo temporal da exposição “O Arquipélago que Ressoa”. A mais antiga, de 1997, “A Utopia do Exílio”, foi realizada a partir de um facto: a permanência, há então 15 anos, no corredor da morte do militante negro Mumia Abu ‑Jamal (membro dos Black Panthers). Hoje, passados 28 anos, continua preso. Já são 43 anos. A mais recente, de Maio deste ano, “Os silêncios escondidos”, é especial já que o ano que estamos a viver confronta ‑nos, ao vivo e a cores, com algo com que nunca tínhamos presenciado: o genocídio de um povo. Do povo palestiniano. Daí que a obra se insinue como uma espécie de um marcador triste do tempo. Deste tempo da exposição; deste tempo quase sem tempo; deste tempo em que a instantaneidade nos permite assistir ao inimaginável. À indignidade com que convivemos diariamente, ao silêncio comprometido que carrega consigo a Nakba que não queremos ver. Um espectro que não nos deixará nunca.

No filme “O Olhar de Ulisses”, de Theo Angelopoulos, há uma cena fulcral em que o ecrã permanece completamente branco durante vários minutos, ouvindo ‑se apenas sons. As imagens revelam uma camada densa de nevoeiro sobre Sarajevo, durante o cerco na guerra dos anos 90 do século passado. Os sons que se escutam são de metralha, que, adivinhamos pelas cenas anteriores, correspondem a um fuzilamento colectivo. Mais à frente, ainda sob o manto de nevoeiro, ouvem ‑se os sons de uma orquestra a tocar. Diz um dos músicos que o nevoeiro assim o permite, pois os atiradores furtivos nada conseguem ver. Estas duas polaridades da realidade – a violência e a morte, mas também a esperança e a resistência – são eixos centrais da construção desta exposição. Os vapores brancos que sobem do interior da natureza islandesa num dos vídeos da exposição, confrontam‑se com o negro do carvão e da grafite dos muitos desenhos presentes. Uma dualidade que transcende o cromatismo da realidade: o branco e o negro como metáforas do presente.

Há já alguns anos foi lançado um álbum da compositora francesa Éliane Radigue. Intitula‑‑se “L’Île re‑sonante”. Também há algum tempo, o texto curatorial da Trienal de Londres afirmava que um arquipélago é um conjunto de ilhas unido por aquilo que as separa. Fragmentos, portanto. Esta exposição intitula ‑se, por isso, o arquipélago que ressoa. Trata‑se de uma mostra constituída por uma selecção de obras – também elas dispersas no tempo e no espaço – todas realizadas num determinado momento e em circunstâncias precisas. Um tríptico apresenta ‑se, no seu negro carregado pelo carvão que o compõe, como uma espécie de “statement”. Afirma: “No neutral options”. Tinha razão Nanni Moretti, no seu filme “Santiago, Itália”, quando, na única cena em que aparece, se dirige a um militar preso após a queda da ditadura de Pinochet – um homem que tenta agarrar‑se a ele para justificar a sua detenção. Moretti apenas diz: “Mas eu não sou imparcial” – e sai de cena. Fiquemos com o seu exemplo e com a força da sua frase. Parece pouco, mas não é. Nem sequer é um parecer. É.

[Extraído do texto de Fernando José Pereira que acompanha a Folha de Sala da exposição, em https://centrodearteoliva.pt/wp-content/uploads/2025/06/07-03-folha-de-sala-A4-digital.pdf]

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