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terça-feira, 8 de julho de 2025

CINEMA: "Estou Aqui" | Zsófi Paczolay, Dorian Rivière



CINEMA: “Estou Aqui”
Realização | Zsófi Paczolay, Dorian Rivière
Fotografia | Dorian Rivière
Montagem | Joana Góis, Dorian Rivière, Zsófi Paczolay
Interpretação | Plácido, Maria Teresa Bispo, Tiago
Produção | Terratreme Filmes
Portugal | 2024 | Documentário | 79 Minutos | Maiores de 14 Anos
Vida Ovar – Castello Lopes
07 Jul 2025 | seg | 13:55


Em março de 2020, sob a pressão da emergência da pandemia de COVID-19, o maior complexo desportivo de Lisboa, o Casal Vistoso, viu-se transformado numa estrutura multifuncional temporária com capacidade para cem pessoas em situação de sem-abrigo. Sob a liderança de Maria Teresa Bispo e com uma filosofia única baseada na comunicação, inclusão e empoderamento, os residentes foram capazes de restaurar uma cultura de cuidado e apoio mútuo e de encontrar uma voz e um sentido de pertença neste lugar de soluções, apesar do desprezo da vizinhança e do alheamento de uma sociedade à beira do colapso. Pese embora as muitas dificuldades, o centro revelou-se um lugar seguro, graças a uma escolha estratégica de proporcionar a maior equidade possível entre todos e devolver a confiança a um conjunto de pessoas a viver há demasiado tempo nas ruas. Foi lá que Zsófi Paczolay e Dorian Rivière, realizadores de “Estou Aqui”, começaram a fazer voluntariado, distribuindo cafés, comida e cigarros, comendo com os outros técnicos, funcionários de limpeza e voluntários, conhecendo muitas pessoas que aceitaram partilhar as suas histórias e tornando-se lentamente parte desta comunidade em crescimento.

Quando chegaram ao Casal Vistoso, os dois realizadores perceberam imediatamente a singularidade e o poder de um projecto inovador. Contrariando a lógica do “cada um por si” como resposta ao evoluir da situação sanitária e ao alarme social crescente, o centro propunha uma abordagem oposta, incentivando a inclusão e o cuidado aos mais excluídos, encorajando-os a participar, a dar a sua opinião e a construir uma organização evolutiva e democrática. Após algumas semanas no abrigo, Zsófi Paczolay e Dorian Rivière perceberam haver dois residentes que se destacavam dos restantes, revelando-se muito sociais e ativos dentro da comunidade. Com naturalidade, Tiago e Plácido tornaram-se os protagonistas deste documentário, guiando o espectador através das suas rotinas diárias, mas também dos seus momentos mais íntimos, já que o centro assumiu o lugar de uma nova “casa” para todos. Aceitando o desafio de filmar num lugar assim, com todos os cuidados em relação ao bem-estar e à aprovação das pessoas, bem como às questões éticas implicadas no processo, a dupla de cineastas soube combinar na perfeição o cuidar e o filmar, contando para tal com a aceitação e o reconhecimento de todos.

Construído com enorme sensibilidade, o documentário mostra como é possível estabelecer um sistema onde os mais carenciados se possam sentir seguros, obter comida e uma cama, num mesmo sítio que lhes possibilita o acesso a diferentes organizações de apoio, com soluções ao nível da saúde, alojamento permanente e possibilidades de trabalho, dependendo da situação de cada um. Ao contrário de outros abrigos, aqui qualquer pessoa necessitada era bem acolhida: casais, jovens ou idosos, locais ou estrangeiros, pessoas LGBTQ+, pessoas com animais de estimação, problemas de adição, saúde mental ou com passado criminal. O que era tão especial naquele lugar era que não estava apenas focado numa resposta a curto prazo para a falta de habitação, mas realmente desenvolveu-se numa iniciativa a longo prazo para encontrar trabalho e casas para os residentes, com apoio personalizado. E, sim, o filme mostra que as pessoas começaram a acreditar que desta vez poderia ser diferente, que teriam hipótese de construir uma nova vida. Mas também põe a nu a fragilidade e as incertezas dos programas de reintegração sustentável sem o cuidado e os recursos adequados. Infelizmente, devido às mudanças políticas, o programa deixou de ter apoio e já não existe nestes moldes. Para ver e reflectir!

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