Páginas

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

CONCERTO: "Contar Cantigas" | Paulo de Carvalho



CONCERTO: “Contar Cantigas”
Com | Paulo de Carvalho (voz), Victor Zamora (piano)
Teatro Aveirense
09 Fev 2025 | dom | 2025


Quando, em 1971, alcançou o segundo lugar no Festival RTP da Canção com “Flor Sem Tempo”, música de José Calvário e letra de José Sottomayor, Paulo de Carvalho era um quase estreante nas andanças televisivas: “Foi a segunda vez que eu apareci, mas foi a primeira vez que as pessoas repararam em mim”, recordou. “Contar Cantigas”, o espectáculo que, com o pianista Victor Zamora, levou ao palco do Teatro Aveirense na noite do passado domingo, trouxe precisamente essas memórias de “tempos muito lá para trás, mas onde se fizeram coisas muito boas”. De fora desses primórdios de há mais de seis décadas ficaram os “Sheiks”, que fundaria em 1963 juntamente com  Carlos Mendes, Fernando Chaby e Jorge Barreto, bem como uma passagem fugaz pelos juniores do Benfica, mas outras e boas memórias estavam prestes a serem partilhadas. Assim foi ao longo de mais de hora e meia, o cantor e compositor a mostrar-se um bom contador de histórias e a oferecer ao público a música que gosta de cantar e que continua a encantar, mesmo que a idade não perdoe, a voz já não seja o que era e “uma anca ande para aqui a chatear”.

“Viva a alegria, viva a vida, viva o amor!” O concerto não poderia ter começado da melhor forma, com uma canção “oferecida” há uns anos largos por um conterrâneo, natural do Alentejo e emigrado em França. Foi com ela, cantada “à Capella”, que Paulo de Carvalho abriu um conjunto de 15 + 1 canções, com as quais preencheu um alinhamento que, para além de recuperar um conjunto de temas intemporais, serviu de homenagem a alguns dos maiores poetas e músicos da nossa língua, de José Carlos Ary dos Santos a José Niza, de Fernando Assis Pacheco a Agostinho da Silva. Sob os ritmos do Caribe escutou-se “O Cacilheiro”, já que “ninguém é perfeito” falou-se de “Lisboa, Menina e Moça”, com “Balada para uma Boneca de Capelista” percebeu-se que o azar de uns pode ser a sorte de outros, “O Meu Mundo Inteiro” mostrou que isto das cantigas também é, ou pode ser, negócio de família e “Um Beijo à Lua” lembrou que há diferenças a separar a noite do dia, a mulher do homem. Fazendo um interregno nestas cantigas contadas, Paulo de Carvalho deu o protagonismo ao público e este não se fez rogado, gargantas ao rubro, num abraço às Américas e a Consuelo Velásquez com“Besame Mucho”.

“Maria Vida Fria” e “Calé” levaram os presentes numa viagem pelos mais acolhedores lugares da alma, a qual se prolongou com “E Posto que Viver me é Excelente” e “Caminho Para São Tomé (Sodade)”, no primeiro caso o tampo do piano a fazer de adufe e no segundo o suporte do microfone a servir de tambor. A viagem prosseguiu pela imensidão da África e da América do Sul com a poesia de Rui Mingas, Alda Lara e Sílvio Rodriguez, em temas como “Prelúdio (Mãe Negra)”, “Os Meninos de Huambo” e “Pequeña Serenata Diurna”. Com o concerto a entrar na recta final, “Gostava de vos ver aqui” foi, na verdade do poema, um abraço ao público por “aquele que vos diz que a canção sou eu”, enquanto “Nini dos Meus Quinze Anos” constituiu mais um momento sublime de partilha, com espaço para bailarico de aldeia e um polvo à galega. Como não podia deixar de ser, “E Depois do Adeus”, fechou o serão em beleza, os quatro primeiros versos do poema extraídos “de quatro princípios de quatro cartas de África escritas pelo José Niza para a mulher”, a imporem a sua força, tal como se do começo desse dia inicial inteiro e limpo se tratasse. Foi bonita a festa, Paulo.

Sem comentários:

Enviar um comentário