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quarta-feira, 17 de abril de 2024

LIVRO: "País de Abril - Uma Antologia"



LIVRO: “País de Abril – Uma Antologia”,
de Manuel Alegre
Edição | Cecília Andrade
Ed. Publicações Dom Quixote, Março de 2014


“Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.”

Quarenta anos volvidos sobre a Revolução dos Cravos, Manuel Alegre reuniu numa antologia, à qual chamou “País de Abril”, um conjunto de 29 poemas, extraídos dos seus livros “Praça da Canção”, “O Canto e as Armas”, “Atlântico”, “Chegar Aqui” e “Livro do Português Errante”, e ainda dois poemas, um publicado na Nova Renascença e outro no JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias. São poemas de Abril, no país de Abril. Poemas que sabemos de cor, alguns deles mil vezes escutados na voz, sobretudo, de Adriano Correia de Oliveira. Poemas que têm na resistência o seu sentido e na defesa dos valores de Abril a sua linha de combate e de acção. Poemas que exaltam a igualdade, a solidariedade e a justiça, que se fazem sentir no sentido das palavras. Poemas que nos falam de gente que não sabe ler os avisos secretos do poema e que nos dizem quão triste pode ser Abril no País de Abril. Mas que não nos negam a esperança, em cravos acesos na boca e trovas a florir (“verdes folhas verdes mágoas”), crianças a rir na madrugada e mãos que são o canto e são as armas.

São inúmeros os aspectos a valorizar nesta Antologia, nomeadamente a força que emana de cada poema e que é um traço que os une de forma indelével. Mas aquilo que mais chama a atenção e, no meu caso, permanece fonte de admiração (e algum desconcerto), é o facto de encontrar aqui poemas que falam de Abril antes de Abril e de Maio antes de Maio. “Poemarma”, do livro “O Canto e as Armas”, anuncia, com sete anos de antecedência, os primeiros comunicados do Movimento dos Capitães: “Que o poema seja microfone e fale / uma destas noites de repente às três e tal / para que a lua estoire e o sono estale / e a gente acorde finalmente em Portugal.” Mais antigo ainda, o poema “Nós Voltaremos sempre em Maio”, antecipa em dez anos um momento de enorme felicidade, quando Manuel Alegre regressa ao nosso País, em Maio de 1974, após um longo período no exílio.

Saber ler os sinais do tempo é um dos mistérios do poema. Talvez por isso a poesia soe de uma maneira tão intensa e arrebatadora. Se dúvidas houvesse, “Vinte Anos Depois” estaria aí para as dissipar. Poema dedicado ao 25 de Abril e publicado na Primavera de 1994, vem-nos dizer: “Vinte anos depois a história escreve-se ao contrário / Abril é uma data do avesso e os tanques / estão a voltar em marcha-atrás a Santarém. / se por acaso alguém dissesse É a Hora / verias que ao redor ninguém ninguém.” Mais trinta anos passados e o desencanto não cessa de crescer. Termino com uma nota muito pessoal e que tem a ver com a circunstância de, pela primeira vez na vida, ter declamado poemas perante um público. Foi no Centro de Reabilitação do Norte na tarde de ontem, “a pedido de várias famílias”, e o facto de ter comigo esta Antologia fez com que dela escolhesse, para celebrar Abril e os 50 anos em liberdade, “Poemarma”, “Letra Para um Hino” e “As Mãos”. Uma de muitas escolhas possíveis de um todo intenso, vivo e livre.

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