Páginas

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

CONCERTO: "The Gift Coral"



CONCERTO: The Gift Coral
Teatro Aveirense
21 Jan 2023 | sab | 21:30


Tudo o que possa ser dito sobre “The Gift Coral”, o concerto que a banda de Alcobaça trouxe ao palco do Aveirense, corre o risco de soar redundante. Digo isto a pensar não apenas nos fãs incondicionais, aqueles que seguem fielmente um trabalho de quase três décadas, mas em todos os que, como eu, numa fria noite de sábado, sem saberem muito bem ao que iam, viveram o concerto de forma completamente rendida ao momento, à voz, à música, à performance. Assente num magnífico coro de vinte vozes, o trabalho em torno deste “Coral” vive da qualidade indesmentível do tridente “voz-poema-melodia”, resultando numa experiência sensorial ímpar, emocionante, arrepiante, a elevar a música a patamares de grandeza superior. Com Jóhann Jóhannsson e os Sétima Legião, Fausto e Björk em pano de fundo, foi num turbilhão de emoções que me vi metido, apanhado de surpresa e completamente subjugado por uma experiência do domínio do sublime. De repente, foi como se toda a música que há no universo se condensasse num lugar único e mágico, ali mesmo à minha frente. E eu, entre a vertigem e o assombro, mais não tive que abrir o coração e aceitar a dádiva.

Como num requiem, o som angelical projecta-se em uníssono das gargantas e penetra-nos no corpo até ao seu mais fundo. Do clamor uma voz emerge, poderosa: “Sigo um instinto não me arrependo / Só quis viver sem mal no frio fatal / ser normal.” “Noir”, o tema que abriu este concerto dos The Gift, aponta caminhos contrastantes, nessa combinação feliz entre “o veludo da parte humana” e o “áspero da electrónica”. Isto torna-se mais evidente no tema seguinte, “Dissonante”, e atinge o auge com “Única”, as vozes como armas que se entrechocam num duelo de morte. Mas, entretanto, “7 Vezes” fez-se ouvir e o céu abriu-se mais ainda. Da melodia desprende-se a magia de um Danny Elfman de braço dado com a energia dos Galandum Galundaina, num tema que se nos cola ao corpo e nos diz: “Mão em mão sigo-te a sina / Sete vezes mal amada / E há tanto tempo que vinha pela raiz acorrentada”. “O Regresso” carrega nas palavras, tal como “Adágio”, o único tema que não é dos The Gift, antes foi escrito por José Carlos Ary dos Santos e, nos anos 70, surgiu na voz de Teresa Silva Carvalho. Albinoni faz-se ouvir, o lado clássico mistura-se com a portugalidade que se desprende do poema e a maravilhosa voz de Sónia Tavares encarrega-se do resto.

Entre o planalto mirandês, a planície alentejana, os escarpados beirões e o basalto das ilhas, o concerto prossegue e o espanto é cada vez maior. Bernat Vivancos, compositor catalão com uma obra coral vasta e riquíssima, assina o arranjo do tema seguinte e “Um Lamento” ergue-se em força e beleza, suportado pelo extraordinário trabalho do coro. O intervalo entre as músicas é preenchido por Sónia Tavares e Nuno Gonçalves com uma infinidade de pormenores pitorescos, de um casal de Madrid que perdeu a boleia a um CD-R para assinar “com fotocópia da capa e tudo”, de uma carta armadilha com Antrax a uma corrida de carrinhos de choque. “The Girl Next Door” surge numa altura em que o coração começa a acusar tanta emoção e constitui um momento, vá, mais relaxado. O concerto aproxima-se do final mas há tempo ainda para escutar “Passa-se o Tempo”, um momento de intensidade máxima com um final asfixiante, e “Infinita”, espécie de homenagem às influências dos anos 80, com um lado saudoso particularmente vincado. “Cancun” preencheu o encore e a festa prolongou-se para fora do palco, com uma fila interminável de fãs para cumprimentarem a banda e assinarem o disco. E continua ainda, muitas dias depois, com a promessa de que está para durar.

Sem comentários:

Enviar um comentário