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terça-feira, 7 de setembro de 2021

LIVRO: "Lisboa, chão sagrado"



LIVRO: “Lisboa, chão sagrado”,
de Ana Bárbara Pedrosa
Ed. Bertrand Editora, Setembro de 2019


“Acho que se passaram apenas dias até teres rebentado tudo e teres tido o topete de dizer ‘Que coração enorme’, como se não soubesses que dentro do tórax já só havia estilhaços, ‘Só a melhor pessoa do mundo para dizer isso no dia de hoje’, como se não soubesses que aquele cadáver que se iria arrastar por muito tempo já não era uma pessoa, ‘a sortuda que ficar contigo’, como se não soubesses que eu tinha esgotado a luz em ti.”

Um livro em promoção e uma autora que promete marcar presença no Festival Literário de Ovar que está mesmo aí à porta, tal foi o bastante para encomendar “Lisboa, chão sagrado” e mergulhar de cabeça neste que é o romance de estreia de Ana Bárbara Pedrosa. Compreender-se-á que me tenha entregado ao livro sem saber ao que ia e que daí adviesse um não pequeno choque, espécie de mergulho sem preparação em bacia de água gelada. É que este é um livro que se abre, sem decoro, aos amores e desamores de cinco personagens em rota de colisão umas com as outras e consigo próprias, que aborda o sexo sem rodeios nem tabus e que usa e abusa de uma linguagem que faria corar de vergonha o mais atrevido dos gunas da Pasteleira. “Love me or leave me”, pareceu segredar-me o livro desde o início. Achei, mesmo assim, que merecia uma oportunidade. Não o amei. Mas também não o pus de parte.

À medida que a leitura avança, cresce a certeza de estarmos perante uma escritora que não se limita a alinhar palavras umas à frente das outras. Ana Bárbara Pedrosa constrói o enredo de “Lisboa, chão sagrado” com firmeza e inteligência, tornando credíveis as personagens e aquilo que suporta a sua relação umas com as outras, essa espécie de fado que parece assomar no título do livro. Esmerado e sensível, o desenho de Mariana, um farrapo só urze e lama, prova a qualidade da escrita da autora. Mas porquê, então, aquela linguagem tão gratuita, tão cheia de nada, como um fogo-fátuo? Olho para Mariana, essa menina-mulher que se move na margem, que se arrasta de certa maneira, e comovo-me com a sua profunda solidão, com o amargo do seu desgosto ante a perda. Logo de seguida, porém, um chorrilho de obscenidades abate-se sobre mim com o peso das Torres Gémeas. Abro de espanto a boca, encolho-me no meu canto e a compreensão e cumplicidade com Mariana desfaz-se em pó.

Ziguezagueando entre certezas e dúvidas, dou comigo a hesitar perante a “verdade” destas histórias e das figuras sobre as quais assentam. Mais do que a intenção de mostrar que existem, é a forma como existem que parece interessar Ana Bárbara Pedrosa. O importante é saltar para o centro da pista, os holofotes todos em cima, ainda que os “conseguintes” se passem na sombra, de pé contra um muro ou de quatro na cama. Se Dulcineia transa com Noé que é amado por Matias e tem uma fixação por Eduarda que é amada por Mariana, se todos pisam o mesmo chão sagrado, se tudo isto existe… Afinal, talvez tudo se resuma a uma mera questão de estilo. O segundo livro - que já se encontra por aí -, encarregar-se-á de mostrar de que massa é feita a autora. Para já, fica a sensação de que Ana Bárbara Pedrosa quis entrar com tudo neste seu livro de estreia, quis arriscar tudo. Esticou a corda ao máximo e a corda cedeu.

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