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domingo, 16 de maio de 2021

LIVRO: "Regresso a Casa"



LIVRO: “Regresso a Casa”,
de José Luís Peixoto
Ed. Quetzal Editores, Agosto de 2020


“(...) Porque demorei tanto a fazer este caminho?
Perguntas como esta são para se responder
a pouco e pouco. Afinal, havia muitas estradas
para chegar aqui, havia dias seguidos num diário,
páginas para traduzir palavra a palavra. Afinal,
havia amigos. Havia toda esta família que me olha
e que olho. Aqui estou de novo. (...)”

Comecei a leitura deste livro no início de uma semana de “escapadinha” num dos meus locais de eleição, a Herdade da Almojanda, a meia dúzia de passos de Portalegre e a dúzia e meia de Galveias, terra natal de José Luís Peixoto. As suas primeiras linhas tomaram conta de mim: “Repara na manhã que nos rodeia. / Saúda essa claridade, é um sopro / a correr-nos nas veias (...).” À beleza das palavras juntava-se a beleza do local, a beleza da imensa vida em volta – o bezerro junto da mãe, as crias de cegonha no ninho, o canto incessante das rolas, o voar “pingado” dos abelharucos, o “grito vermelho” de um canteiro de papoilas. Li o resto do poema em voz alta e senti-me vivo. Li em voz alta os seguintes, enquanto caminhava pelo meio dos campos. Dia após dia voltei a eles, sempre em voz alta, sempre de mansinho, por entre mil flores de mil cores. Fiz de cada poema “uma trégua secreta”. E fiz deles a minha companhia diária, até ao fim das férias, até ao almoço de domingo.

Dividido em dez capítulos, “Regresso a Casa” é uma janela aberta sobre a vida [de José Luís Peixoto], das memórias dos tempos da infância – “a minha mãe nova, o meu pai vivo” –, até aos tempos de hoje, tempos de distanciamento e de isolamento, de quarentena, de poemas “contaminados” pela palavra “medo”. Sincero, transparente, dele se derrama a verdade das coisas simples, que ora nos enchem o peito num fundo suspiro de felicidade, “amor, como uma romã, sem til, lido ao contrário”, ora nos angustiam com “o número de infectados e de mortos, 295 até ao momento”. Na sua enorme generosidade e dádiva, “Regresso a Casa” é um livro que se nos oferece por inteiro, que nos irmana a todos nesta casa a que chamamos mundo, que escorre para dentro de nós palavra a palavra, poema a poema, num gota-a-gota de frasco de soro que depura e revivifica.

Dentro de poucas horas regressaremos a casa. À nossa casa e a outras casas que também são nossas. Como esta Herdade da Almojanda é nossa. O derradeiro passeio pela colina, as últimas braçadas na piscina e até o almoço de domingo terão ficado para trás. Também o bezerro e a mãe, as cegonhas, as rolas e os abelharucos. As papoilas murcharam no canteiro e são agora como flores de papel crepe pisadas por milhares de pessoas nas Festas do Povo de Campo Maior. “Sabemos por fim que aquilo que importa é pouco e raro.” Diremos adeus aos gatos (“não é um gato, é uma gata”), diremos adeus à Teresa e ao Hugo com promessas de voltar. Não uma semana, mas duas. Nunca menos de duas. Na companhia da Maya Angelou, do Ta-Nehisi Coates, da Wisława Szymborska, da Maria do Rosário Pedreira e do Rodrigo Guedes de Carvalho, o José Luís Peixoto regressa connosco a casa. “Felizmente, não temos de despedir-nos deste aqui e deste agora, são nossos para sempre.”

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