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sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

CINEMA: "Uma Vida Escondida"



CINEMA: “Uma Vida Escondida” / “A Hidden Life”
Realização | Terrence Malick
Argumento | Terrence Malick
Fotografia | Jörg Widmer
Montagem | Rehman Nizar Ali, Joe Gleason, Sebastian Jones
Interpretação | August Diehl, Valerie Pachner, Maria Simon, Karin Neuhäuser, Tobias Moretti, Ulrich Matthes, Matthias Schoenaerts, Franz Rogowski, Karl Markovics, Bruno Ganz, Michael Nyqvist
Produção | Elisabeth Bentley, Dario Bergesio, Grant Hill, Josh Jeter
Alemanha, Estados Unidos | 2019 | Biografia, Drama, Romance | 174 Minutos | M/14
UCI Arrábida 20 - Sala 12
24 Jan 2020 | sex | 13:30

“But the effect of her being on those around her was incalculably diffusive: for the growing good of the world is partly dependent on unhistoric acts; and that things are not so ill with you and me as they might have been, is half owing to the number who lived faithfully a hidden life, and rest in unvisited tombs.”
George Eliot, in “Middlemarch”

Na carreira de Terrence Mallick, talvez este seja o filme onde a narrativa é mais directa, aproximando-o de um certo grande público. A sua estética cinematográfica, porém – se descontados esporádicos avanços e recuos –, permanece a mesma, quer pela maneira de filmar os lugares e os espaços, pondo em evidência a amplitude dos momentos, quer pelo seu apego às personagens simples, colocadas geralmente perante situações extraordinárias. A forma como o cineasta transmite a sua visão do mundo e das pessoas, o olhar que derrama sobre a vida e sobre a morte, sobre a redenção e o sacrifício, é único. Há algo de bíblico que emana do seu cinema e que é muito evidente neste filme, donde derivam inúmeras proposições filosóficas remetendo para o conceito de fé. Não esse tipo de crença organizada, apanágio das religiões, mas aquele que se recolhe no mais fundo da alma, espiritual.

Nos inícios de 1939, em Sankt Radegund, nas montanhas austríacas, a maioria dos aldeãos acaba de votar favoravelmente o “Anschluss”, a anexação do seu país à Alemanha nazi. Entre eles, porém, Franz Jägerstätter recusa-se, obstinadamente, a vergar-se aos pés de Hitler e a dedicar a sua lealdade a uma causa que tem por base grandes injustiças e que acarretará o sofrimento e a morte a milhares de pessoas. Franz não cede e, encarcerado na prisão de Tegel, em Berlim, aguardará um longo que acabará na sua condenação à morte, sob a acusação de traição. Enquanto isso, a mulher e as suas três filhas são ostracizadas por todos, tentando sobreviver desesperadamente ao maior e mais trágico conflito da História.

Embora simples, o argumento de “Uma Vida Escondida” é perfeitamente claro, revelando-se sólido o suficiente para que a sua mensagem adquira a cor da universalidade. O conflito estabelece-se entre o Bem e o Mal, entre a consciência que resiste e a inconsciência cobarde, alheia às consequências da sua inacção sobre a marcha dos acontecimentos. Malick mostra essas sensações, esses paradoxos, transcendendo a realidade através do lirismo dos sons, com uma banda sonora quase litúrgica, a palavra em segundo plano a dar a primazia ao silencio e aos murmúrios, e das imagens, esse quase “trompe l’oeil” que, em vez de distorcer os elementos – os campos, o céu, a lama, os horizontes -, lhes confere uma significância elegíaca e melancólica, não de fim do mundo, mas de aniquilação de um mundo. Mas há ainda August Diehl, o herói-mártir desta grande epopeia visual e um actor de excepção. É ele que nos devolve esta personagem inteira, retirada do mundo, carregando um desígnio da Humanidade ao qual não quer escapar. Uma figura crística, entre a vida na Terra e o dever do sacrifício. Mais do que um grande filme, “Uma Vida Escondida” é uma grande lição sobre o homem e a sua consciência.

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