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sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

CINEMA: "J'accuse - O Oficial e o Espião"



CINEMA: “J’accuse – O Oficial e o Espião” / “J’accuse”
Realização | Roman Polanski
Argumento | Robert Harris, Roman Polanski
Fotografia | Pawel Edelman
Montagem | Hervé de Luze
Interpretação | Jean Dujardin, Louis Garrel, Emmanuelle Seigner, Grégory Gadebois, Hervé Pierre, Wladimir Yordanoff, Didier Sandre, Melvil Poupaud, Eric Ruf, Mathieu Amalric, Vincent Perez, Denis Podalydès
Produção | Alain Goldman
França, Itália | 2019 | Drama, História, Thriller | 132 Minutos | M/12
Cinema Dolce Espaço
31 Jan 2020 | sex | 16:00

“Les Romains jetaient des Chrétiens aux lions, nous on leur donne des Juifs: c’est ça le Progrès!”

Ao longo dos 12 anos de duração do processo, o Caso Dreyfus – a condenação ao degredo de um oficial francês, sob acusação de alta traição – abalou profundamente a França, as ondas de choque a fazerem-se sentir no mundo inteiro. Nesse imenso escândalo, seguramente o mais impactante dos finais do século XIX, as aberrações do sistema judiciário misturam-se com a chicana política, os fortes poderes militares e um profundo anti-semitismo. É disto que trata o novo filme de Roman Polanski, a história narrada do ponto de vista do Coronel Georges Picquart que, uma vez nomeado chefe da polícia secreta, descobrirá que as evidências contra o capitão Alfred Dreyfus foram fabricadas. A partir desse momento – e mesmo pondo em risco a sua carreira e a própria vida -, não mais deixará de procurar identificar os verdadeiros culpados e de tentar reabilitar Dreyfus.

Galardoado com o Grande Prémio do Júri da Mostra de Veneza, “J’accuse – O Oficial e o Espião” não se resume à grande reconstrução histórica nem é de um filme de denúncia que se trata (ou mesmo o relato de uma grande amizade). Aquilo que Polanski nos dá a ver é antes a encenação de um rigoroso processo de investigação através das salas do poder, as omissões, falsificações e intrigas reveladas na poeira dos arquivos militares, as inconsistências e inverdades a emergiram gradualmente por entre as dobras de diálogos cerrados. Não há vestígios de inépcia neste filme de Polanski, o seu fluxo incessante revelando passo a passo, sala após sala, rosto após rosto, a lucidez da estrutura narrativa que o sustenta e a sábia orquestração de cada uma das personagens.

À medida que os anos vão passando, Polanski parece reforçar em si o dom da subtileza, como alguém que, em presença de uma estátua supostamente grega, soubesse perceber a diferença fundamental entre uma cópia e uma falsificação. Quão bem incorporada a metáfora é através das imagens desbotadas que separam cada entrada de Picquart nas salas do poder e que, retrospectivamente, nada têm de “clássico”: a imagem dissolve-se, deixando a tela em branco por mais tempo do que o esperado, apenas para que um ciclo se feche e tudo recomece. Cego em plena luz, a única coisa que o espectador pode fazer é esperar novos fragmentos esfarrapados, falsificações e mentiras a acrescentar a um quebra-cabeças cada vez mais imbrincado, consciente de que os ciclos da História sempre acabarão por se repetir. Filme da verdade e pela verdade (o que até parece irónico face às acusações que não cessam de cair sobre o realizador), “J’accuse – O Oficial e o Espião” é um hino aos mais altos valores da nossa sociedade, tão vilipendiados nos dias que correm.

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