TEATRO: “O Resto Já Devem
Conhecer do Cinema”,
de Martin Crimp, a partir de
“Fenícias”, de Eurípedes
Encenação | Nuno Carinhas e
Fernando Mora Ramos
Figurinos e cenografia | Nuno
Carinhas
Interpretação | Isabel Lopes, João
Cardoso, Sara Barros Leitão, António Parra, Fábio Costa,
Fernando Mora Ramos, Jorge Mota, Joana Carvalho, Manuel Petiz, Ana Cunha, Pedro Frias, Carlos Borges e Mafalda Taveira, Maria Luis Cardoso, Marta Taveira, Sofia Guimarães
Produção | TNSJ
120 Minutos | M/12
Teatro Nacional de S. João
03 Abr 2019 | qua | 19:00
“Que filme é que vocês projectam
incessantemente no cinema deserto da minha mente?”
“Fenícias”, de Eurípedes, é o
ponto de partida para “O Resto Já Devem Conhecer do Cinema”,
peça escrita em 2012 por Martin Crimp e que pode ser vista por estes
dias no Teatro Nacional de S. João, numa encenação de Nuno
Carinhas e Fernando Mora Ramos. A peça situa-se numa parte da
história de Édipo, na altura em que se trava a luta pela cidade de
Tebas. Sabendo-se amaldiçoados por Édipo, os seus dois filhos, Etéocles e
Polinices, fazem um pacto para governarem Tebas alternadamente e,
assim, escaparem à morte que lhes está prometida. Mas Etéocles rompe o pacto e dá-se
início a uma terrível guerra que culminará com a morte dos dois
irmãos, ante os olhos da mãe, Jocasta, que em seguida se suicida.
Entra-se então no território mais familiar de Édipo e Antígona,
mas “o resto já devem conhecer do cinema”.
Quando um texto se desdobra de
sentidos, por camadas e planos horizontais e transversais, explícitos
e ocultos, imersos na massa textual, torna-se impossível fixá-lo
numa fórmula. Aqui, esse desdobrar é logo reflexo de um jogo com os
tempos, de uma aposta na heterocronia que, comparando de modo audível
/ visível / legível tempos e sentidos, vê a marcha da história
como o contrário de uma narrativa de progresso. Caminhamos para o
fim, como tudo na vida, isso parece ser claro. O que significa que
caminhamos para a hipótese de um novo começo, de novos começos,
provavelmente depois de nova catástrofe global.
Em “O Resto Já Devem Conhecer do Cinema”, a grande pergunta (a peça é na forma um longo enigma) é
sobre a natureza do humano entre a resposta da genética e os
acontecimentos da história, entre o animal que se quer libertar da
fera em direcção à racionalidade que supostamente determina o
humano e os feitos sistémicos das guerras associadas à economia, à
pilhagem de recursos, aos modos de escravizar o outro.
Misturando o mito antigo com a necessidade de mediar a nossa
realidade, o mundo global em que vivemos, Crimp assume um permanente
diálogo entre o arcaico e o agora. E o agora tem muito que ver com a
frase final da peça, uma pergunta, o que não é inocente: “Que
filme é que vocês projectam incessantemente no cinema deserto da
minha mente?” Talvez a resposta se encontre na forma como a peça
consegue envolver o espectador naquilo que acabou de ver.
[Foto: Paulo Pimenta / publico.pt]
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