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domingo, 19 de agosto de 2018

CONCERTO: Surma



CONCERTO: Surma
Parque João de Deus, Espinho
Festival Oito24
18 Ago 2018 | sab | 17:00


Um piparote vigoroso numa caixa de ritmos e logo um som se abre, como uma onda, juntando-se ao restolhar das folhas das árvores batidas pela nortada fresca do final de tarde em Espinho. Espalhados sobre a relva, os espectadores aguardam, atentos, os desenvolvimentos daquele som ao qual se vão somando, sucessivamente, outros sons que emanam dos sintetizadores, da guitarra, do baixo, duns pequenos sinos coloridos ou da própria voz da artista. De súbito, sem sequer darmos por isso, embarcámos já numa viagem de cores e sons únicos, ao encontro de paisagens interiores feitas de lagos gelados ou de areias quentes que se esfumam no alto de dunas de vento batidas, de florestas sombrias povoadas por seres misteriosos ou de campos de flores coloridas e vivas que se abrem em alegres Primaveras. E pensamos que isto não está a acontecer!...

Falo de Débora Umbelino e do seu projecto, Surma, nome de ponta do panorama da nova música portuguesa e que ontem se apresentou em Espinho, no derradeiro dia da edição de 2018 do Festival Oito24. Uma apresentação que constituiu, na verdade, uma deliciosa surpresa, de tal maneira aquele corpo franzino e aquela voz de desenho animado impressionam pela harmonia e talento das suas composições. Mas para além da música – forte, densa, penetrante -, é impossível não nos deixarmos levar pela presença física da cantora, pela sua doçura num sorriso que se abre franco, pelo seu “malta, obrigada”, por um coração que se adivinha enorme e pela inocência contida onde cabe a materialização de muitos sonhos acumulados desde que, com cinco anos de idade, desejou ser baterista.

Seguindo um alinhamento que privilegiou o seu disco de estreia - “Antwerpen”, lançado a 13 de Outubro de 2017, considerado um dos melhores do ano pela grande maioria dos meios de comunicação social nacionais e nomeado para melhor disco europeu independente do ano -, a “one-woman-band” juntou ao pulsar delirante de “Hemma”, “Kisnet”, “Voyager” ou “Nyika”, a força de composições mais antigas, casos de “Wanna Be Basquiat”, “Lo-Fi” ou do iniciático “Maasai”. Temas que fazem recuar, desde logo, aos anos 70 e 80 e a referenciais incontornáveis como os Doors, Jimi Hendrix Experience, Jefferson Airplane ou aos inefáveis Pink Floyd, para depois nos mergulharem em sonoridades mais actuais, muito nórdicas, os islandeses Amiina à cabeça – curiosamente escutados também em Espinho, há seis meses atrás -, ainda Heilung Krigsgaldr ou Björk a espreitarem por detrás da cortina.

Duma rapariga que se afirma pessimista, que nunca pensou sair da cave da sua casa de aldeia perto de Leiria e muito menos tocar onde já tocou, o menos que se pode dizer é que um projecto como “Surma” é obra. Nesta viagem agora iniciada, é difícil prever o quando e o onde do ponto de chegada, tal o potencial desta música, tal a energia, vontade e entrega de Débora Umbelino à sua “causa”. Entretanto, aproveitem-se os portos de escala. Espinho foi um desses portos, da visita sobrando a vontade de saber mais, de escutar mais, de sentir mais.

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