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sexta-feira, 20 de abril de 2018

CINEMA: "Na Síria"



CINEMA: “Na Síria” / “Insyriated
Realização | Philippe Van Leeuw
Argumento | Philippe Van Leeuw
Fotografia | Virginie Surdej
Montagem | Gladys Joujou
Interpretação | Hiam Abbass, Diamand Bou Abboud, Juliette Navis, Mohsen Abbas, Moustapha Al Kar, Alissar Kaghadou, Ninar Halabi, Jihad Sleik, Elias Khatter
Produção | Guillaume Malandrin, Serge Zeitoun
França, Bélgica, Líbano | 2017 | Drama, Guerra | 85 minutos
Cinema Dolce Espaço, Ovar
20 Abr 2018 | sex | 16:00


A primeira reflexão sobre o filme recai no título original, “Insyriated”, um neologismo da mesma família de “encurralado”, “enjaulado”, “encarcerado”, “sitiado”. “Insiriado” alberga uma complexa conotação de reclusão, donde não é possível fugir, ao mesmo tempo que remete para um lugar preciso, a Síria, cujo povo é vítima duma asfixiante opressão, mostrando-se incapaz de escapar à trágica situação que o seu país vive desde 2011. Com este recurso retórico aparentemente simples, o realizador contextualiza de forma brilhante o argumento de “Na Síria”, todo ele filmado no interior dum apartamento no qual duas famílias, únicos habitantes desse prédio bombardeado, se encontram encurraladas sem poder sair, quer por causa das bombas que não cessam de cair em redor, quer pelos franco-atiradores que disparam sobre tudo o que mexe.

É neste ambiente fechado e de grande tensão que o argumentista e realizador belga Philippe Van Leeuw desenvolve a acção, convidando o espectador a perceber de que forma um punhado de pessoas lida com a escassez de recursos – sobretudo de água – e com a ameaça real duma guerra violenta do lado de lá das suas próprias paredes. Agarrando-se à pele das personagens, Van Leeuw recusa-se a fazer política e a identificar quem agride quem. Uma opção que reforça a atmosfera ameaçadora que pesa sobre aquelas pessoas, que desconhecem de que lado poderá vir o perigo, se do regime em vigor, se dos seus oposicionistas ou, ainda, se de gente sem escrúpulos que, no meio da confusão e do caos instalado, age de forma ignominiosa, tirando partido da vulnerabilidade das pessoas e retirando-lhes o pouco que ainda lhes resta. E as perguntas acabam por se impor, com dilacerante naturalidade: “Como é que o ser humano é capaz deste género de coisas?” Ou, mais arrepiante ainda: “E se isto fosse connosco, aqui, em Portugal?

Transformado em prisão – que o ritual da abertura e fecho da porta acentua de forma pungente –, o apartamento é também um túmulo em potência e, nessa medida, um referencial daquilo que é a própria Síria. Desta forma, o realizador denuncia a situação do povo sírio feito refém no seu próprio país e convoca a reflexão sobre o sobressalto vital que leva os sírios a tomar o caminho da Europa, empreendendo a fuga apesar dos riscos que a situação acarreta, riscos esses, afinal, em nada diferentes dos que correm no momento em que decidem ficar. Verdadeira lição de coragem, este drama é uma chamada de atenção particularmente oportuna para o horror dum conflito que parece não ter fim à vista, obrigando todos e cada um de nós a considerarmos de forma mais próxima, fraterna e solidária os exilados que fogem dessa guerra e que terminam a sua dolorosa jornada nos campos de refugiados da Grécia, junto às cercas de arame farpado da Hungria, numa estação de Metro da Alemanha, nas nossas próprias ruas... Ou nesse cemitério a céu aberto que é o Mediterrâneo!

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