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E AINDA...



CERTAME: Open House Porto 2018
Matosinhos, Porto e Vila Nova de Gaia
30 Jun > 01 Jul 2018

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Espalhado por 65 espaços das cidades de Matosinhos, Porto e Vila Nova de Gaia, o Open House Porto 2018 voltou a ser uma grande festa da arquitectura, atraindo, segundo os organizadores, quase 32.000 visitantes. Das grandes infraestruturas e fábricas em laboração à reputada arquitetura portuguesa moderna de Matosinhos, das reconversões de Caves de Vinho do Porto aos armazéns industriais históricos ao longo da marginal de Gaia ou das fábricas, casas de ilha, tipografias, oficinas, clubes, hotéis e palácios aos meios de transporte e comunicação, hospitais, quartéis, pontes ou cemitérios do Porto, o certame revelou uma abrangência incomum, com tudo para agradar a todos. Difícil foi mesmo escolher.

Com a minha disponibilidade limitada a um dia apenas, a opção passou por um critério de proximidade geográfica para que fosse possível abarcar o maior número de espaços a visitar, privilegiando as visitas comentadas. A única visita não comentada teve lugar no edifício da Câmara Municipal do Porto e nela destacaria a extraordinária obra de Guilherme Camarinha plasmada nas tapeçarias que forram as paredes da Sala das Sessões. No Clube Fenianos Portuenses, o Arquitecto Luis Aguiar Branco deu uma verdadeira lição de urbanismo, falando do projecto do edifício, com assinatura de Francisco Oliveira Ferreira e das vicissitudes por ele sofridas, ampliando essa discussão a vários outros espaços da cidade, muitos deles infelizmente desaparecidos.

No Museu Militar do Porto, foi possível fazer uma visita comentada por uma das técnicas daquela instituição, acompanhando o período negro deste edifício de finais do século XIX, quando aqui funcionou a delegação no Porto da PIDE/DGS. Não muito longe daqui, no Reservatório de Água Nova Sintra, um Técnico das Águas do Porto comentou a visita ao espaço, colocando particular ênfase no facto de ser esta a maior infraestrutura de armazenamento de água da cidade. O Arquitecto Carlos Machado e Moura comentou a visita ao Edifício Garagem Passos Manuel, um ícone da Art Deco na cidade, projectado por Mário Abreu, valorizando o seu carácter vanguardista e encontrando relações com o vizinho Coliseu. Finalmente, o grande momento do dia foi mesmo a visita ao Palácio do Bolhão, brilhantemente comentada pelo Arquitecto José Gigante e que mostrou, da forma mais simples, como a arquitectura é uma arte.




EXPOSIÇÃO: "Morte à morte! 150 anos da abolição da pena de morte em Portugal / 1867-2017"
Centro Português de Fotografia
07 Abr > 24 Jun 2018

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Apesar de ter encerrado ao público no passado domingo, fica aqui um apontamento sobre a exposição "Morte à morte! 150 anos da abolição da pena de morte em Portugal / 1867-2017" que ao longo de dois meses e meio esteve patente no Centro Português de Fotografia, no Porto. Comissariada pelo historiador Luís Farinha, a iniciativa resultou duma parceria da Assembleia da República com o Arquivo Nacional da Torre do Tombo e o Centro Português de Fotografia, através dela se assinalando a aprovação da carta de lei que consagrou a reforma penal das prisões e abolição da pena de morte para crimes comuns e de trabalhos públicos.

Como era Portugal na segunda metade do século XIX? Como se chegou à abolição desta pena? Como estamos hoje? Através dum conjunto significativo de textos, imagens e documentos, a mostra permitiu perceber os antecedentes jurídicos e políticos que levaram à abolição da pena de morte, as práticas anteriores de execução, as repercussões nacionais e internacionais da aprovação da carta de lei, os sucedâneos da pena de morte (pena celular perpétua e degredo para as colónias) e as tentativas de reposição da pena capital, fazendo-se ainda referência à situação actual no mundo.

A carta de lei, promulgada a 1 de Julho de 1867, foi um dos documentos seleccionados para fazer parte desta exposição. Proveniente do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, ocupou um lugar de destaque no início da sala onde se dispôs todo o material expositivo, distribuído por onze núcleos e tendo como suporte um conjunto de painéis que desenhavam tridimensionalmente o número 150. Três mapas do mundo, em três momentos distintos - 1880, 1980 e 2016 - permitiam ter uma visão da evolução dos países que ainda têm pena de morte. Da Amnistia Internacional vieram as imagens daqueles que passaram anos no corredor da morte, descobrindo-se que eram, afinal, inocentes.

A história dos últimos 150 anos contou-se em gravuras, pinturas - como a reprodução de Alegoria da Constituição, de Domingos Sequeira, cujo original se encontra no Museu Nacional de Arte Antiga - documentos e livros que se tornaram imprescindíveis quando se fala na abolição da pena capital. Uma dessas obras é “Dos Delitos e das Penas” (1764), do italiano Cesare Beccaria, fundamental entre os movimentos humanistas. Refira-se ainda que o título da exposição - "Morte à morte!" - foi retirado de uma carta de Victor Hugo ao director do Diário de Notícias, em Julho de 1867, felicitando Portugal pela abolição da pena de morte.




CIRCO CONTEMPORÂNEO: “La Cosa”
Direcção e Coreografia | Claudio Stellato
Interpretação | Claudio Stellato, Valentin Pythoud, Mathieu Delangle e Julian Blighy
Cenografia | Nathalie Mautroy
Produção | Nathalie De Backer
Centro de Arte de Ovar
15 Jun 2018 | sex | 22:00


Regressado ao Centro de Arte de Ovar para a sua quarta e última sessão, o “Circo ao Palco” trouxe-nos na noite de ontem Claudio Stellato e o espectáculo “La Cosa”, performance física e coreográfica que aborda a relação do homem com a matéria. Embora tenha nas artes plásticas o seu ponto de partida, “La Cosa” cedo se descarta deste vínculo para fazer do ensaio arquitectural um dos cernes da sua atenção. Ao mesmo tempo, mostra-nos como o manuseamento dos objectos redunda em puro malabarismo e revela-nos, nos movimentos a solo ou do conjunto, coreografias profundamente elaboradas. E apesar disso, “La Cosa” é um espectáculo totalmente inclassificável, que se funda no delicado equilíbrio entre Dança, Teatro e Circo e retira a sua força duma unicidade absoluta entre sujeitos e objectos.

A madeira é o suporte da proposta coreográfica, desempenhando um papel fundamental no desenrolar do espectáculo graças às suas características orgânicas, do odor que emana e perfuma o espaço à musicalidade dos pequenos troncos que se entrechocam ou ao pó que dela se desprende e que paira no ar ou se agarra aos fatos dos actores. Para além dos objectos e das distintas formas de os abordar, o equilibrio instável inerente aos blocos de madeira e a fragilidade das construções fazem com que uma permanente sensação de risco tome conta do espectáculo, mantendo o público em sobressalto constante. E depois há todo um trabalho de pesquisa por detrás de “La Cosa” que adequa os gestos do quotidiano ao ritmo e aos métodos da narrativa e que torna o espectáculo num objecto artístico fascinante.

Com uma carreira fortemente ligada às artes circenses, Claudio Stellato transporta para este espectáculo o gosto pelo perigo nessa tentativa de explorar os limites do corpo na sua relação com a matéria. Uma relação aqui profundamente caprichosa face à natureza dos próprios materiais donde resulta uma permanente reinvenção dos movimentos previamente desenhados, uma necessária reinterpretação coreográfica e um exercício de constante improviso. O resto ficará à imaginação do espectador, na certeza de que uns verão um telhado onde outros poderão ver a pilha de lenha pronta para receber os sentenciados da Santa Inquisição. Espectáculo surpreendente de quatro actores e da sua relação com duas toneladas de madeira - que se estenderá ao público no pós-espectáculo, dando um significado mais forte e vivo ao esforço colectivo -, “La Cosa” é um momento de palco absolutamente único, poderoso, emotivo, esteticamente surpreendente e duma exigência física brutal. Brilhante!

[Foto: © 2018 La Cosa / la-cosa.eu/fr/photos/]




CERTAME: Serralves em Festa 2018
Museu de Arte Contemporânea, Casa e Parque de Serralves
01 Jun > 03 Jun 2018


O Serralves em Festa regressou no passado fim de semana para celebrar 15 anos daquele que é hoje o maior evento da cultura contemporânea em Portugal e um dos maiores da Europa. Adoptando o tema “Transpor Fronteiras”, a edição deste ano voltou a oferecer 50 horas ininterruptas de festa, integrando propostas reveladoras da interacção entre as artes visuais e as artes performativas em áreas tão diversas como a Música, Dança, Performance, Circo Contemporâneo, Teatro, Cinema, Vídeo e Fotografia, entre outras. Visitas, exposições, inúmeros workshops, um mercado em Festa, uma feira da Festa, uma feira do livro e diversificados espaços de restauração, completaram a oferta dum fim-de-semana único no qual marcaram presença mais de 300.000 pessoas.

Ainda os ecos da primeira noite se faziam sentir e já os catalães da companhia La Industrial Teatrera representavam “De Paso”, ante um público maioritariamente infantil, oferecendo um divertido e poético ensaio, em forma de teatro e circo, sobre a circularidade da vida. O circo, na sua versão mais clownesca, voltaria a estar em evidência ainda antes do almoço com a peça “The Melting Pot Pourri”, levada ao palco pela companhia “Los Excentricos”. Nela, Marceline, Sylvestre e Zaza formam um trio de palhaços atípicos e particularmente divertidos que, ora encarnam uma diva desafinada ou um homem de três pernas, ora se debatem com um aspirador de pó endoidecido ou transformam uma serra, uma vassoura ou uma luva em instrumentos musicais. Pelo meio, tempo para apreciar a Orquestra de Jazz de Espinho que, com o solista João Moreira, ofereceu “Horns Ahead” ao público presente na quadra de ténis, um excelente concerto de Jazz em torno desse instrumento maior que é o Trompete e sobre o qual falarei em detalhe noutro espaço deste Blogue.

Mais três concertos no período da tarde, o primeiro dos quais de Ballaké Sissoko, um virtuoso da kora, instrumento musical composto por 21 cordas e do qual se desprendem sonoridades suaves e envolventes. Em Serralves, o mestre apresentou-se em palco rodeado por cinco dos seus discípulos no naipe instrumental, acompanhados de quatro vozes, oferecendo ao público momentos que atestaram o seu talento de melodista e improvisador, bem como a riqueza e beleza da música do Mali. João Barradas, acordeonista e um nome de créditos firmados na cena jazzística nacional, trouxe-nos o projecto “Home”, um sexteto cuja música se desdobra entre o livre improviso e o rock e que se traduz por uma enorme força em palco. O grande momento desta jornada pessoal de 10 horas non-stop acabaria por surgir já no cair do pano, com o etíope Hailu Mergia a celebrar o jazz de raiz etíope com a apresentação de “Lala Belu”, o seu mais recente trabalho. Mas sobre isto falarei igualmente em detalhe noutro espaço do “Erros meus…”.




VISITA GUIADA: “Vista Alegre – Uma Questão de Urbanidade”
Orientada por | Sofia Senos
Organizada por | 23 Milhas, Talkie-Walkie
Laboratório das Artes Teatro da Vista Alegre
26 Mai 2018 | sab | 10:30 – 13:00


De regresso às visitas guiadas do ciclo “Olhar por Dentro”, iniciativa do projecto cultural do Município de Ílhavo, 23 Milhas, em parceria com a empresa Talkie-Walkie, espaço para a abordagem ao tema “Vista Alegre - Uma questão de Urbanidade” a preencher o programa de Maio. Orientada pela arquitecta Sofia Senos – co-responsável, entre outros, pelo aclamado projecto das instalações sanitárias do cemitério de Ílhavo – a visita pretendeu dar a ver, de um ponto de vista arquitectónico e urbanístico, o processo evolutivo da povoação idealizada e fixada em 1824 em torno da Real Fábrica de Porcelana até aos nossos dias, incidindo sobretudo nas intervenções por altura do centenário da fábrica e do seu envolvimento e reflexos em contexto urbano e no plano industrial europeu.

A Visita Guiada teve o seu início numa das dependências do Laboratório das Artes Teatro da Vista Alegre, com Sofia Senos a projectar um conjunto importante de imagens que permitiram contextualizar a urbanidade do lugar e enumerar os principais momentos evolutivos, relacionando-os com o contexto de modernidade das vanguardas europeias. Em destaque estiveram as intervenções por altura do centenário da fundação da fábrica, levadas a cabo na vigência de João Theodoro Pinto Basto, repensando a fábrica, recuperando-lhe o prestígio e devolvendo-lhe a excepcionalidade. É neste contexto que se assiste ao aumento e requalificação do bairro, à integração de novos operários (passando dos 224 em 1890, para os 400 em 1920 e chegando aos 600 quatro anos depois), à entrega de encomendas a artistas consagrados, ao relançamento das aulas de desenho ou à grande exposição no Museu Nacional de Arte Antiga, envolvendo nomes como Leitão de Barros, Simões de Almeida, João da Silva, Delfim Maia, Américo Gomes, Roque Gameiro, Raul Lino e outros.

Já no terreno, foi possível perceber a dimensão da obra, particularmente na sua vertente arquitectónica e urbanística coincidente com o momento da requalificação, a qual não se limitou à construção de casas, cuidando também dos espaços exteriores e comuns, bem como dos aspectos relacionados com a sua manutenção e limpeza, distribuição de água e luz, espaços verdes e proliferação de pequenos serviços. São mais de 70 habitações distribuídas ao longo de ruas desenhadas e arborizadas, ora de forma regular ou mais orgânica, com edifícios heterogéneos, de habitação colectiva ou isoladas, ou ainda em “correnteza”, a maioria delas com jardins e quintais. Perceber até que ponto a Vista Alegre é um dos poucos casos portugueses em que uma iniciativa totalmente privada e filantrópica dá origem a uma aldeia industrial desta escala, isolada de outros aglomerados urbanos e autossuficiente, acabou por ser um dos aspectos mais interessantes desta Visita.

A iniciativa permitiu ainda tomar contacto com algumas singularidades do espaço e da sua organização social, desde a existência dum edifício que abrigava o teatro e que pretendia incutir nos operários uma sensibilidade artística, à formação, em 1880, do Corpo de Bombeiros Privativo da Vista Alegre, o mais antigo do género no País, passando pelo Sport V. Alegre Club, fundado em 1921 e que dirigia a sua actividade, essencialmente, para o futebol, ainda pela Bela Sombra (Phytolacca dioica L.), árvore classificada de interesse público ou pela Capela da Nossa Senhora da Penha de França, mandada edificar em finais do século XVII pelo Bispo de Miranda, D. Manuel de Moura Manuel, e em cujo interior se destacam os azulejos seiscentistas de Gabriel del Barco, os retábulos em mármore e talha dourada, as abóbadas decoradas com belíssimos frescos e o imponente túmulo episcopal de D. Manuel de Moura Manuel, magnífico trabalho em pedra de Ançã, da autoria do artista Claude Laprade, e um dos elementos de maior relevo desta capela.

Mas esta Visita Guiada não ficaria completa sem uma menção ao Arquitecto Raul Lino e à influência do seu trabalho na urbanidade da Vista Alegre (importa lembrar que Raul Lino executou alguns projectos para porcelana na Fábrica da Vista Alegre, a partir de 1922, pouco antes das intervenções profundas no bairro social, embora não se conheça um único projecto com a sua assinatura referente ao bairro operário). Apesar de bastante heterogéneo, o bairro da Vista Alegre oferece, contudo, uma imagem coerente e harmoniosa, de casa portuguesa (conceito desenvolvido por Raul Lino, 1933), que unifica todo o bairro. Sofia Senos apontou alguns exemplos como a utilização de diagonais na composição de algumas plantas, na construção de alpendres, o cuidado com os espaços exteriores, funcionando como um denominador comum nestas diferentes abordagens e que vai bastante além do branco das paredes e do emolduramento dos vãos a amarelo característico do bairro. Há características formais dos edifícios, nas suas plantas ou em elementos construtivos, quer nas casas operárias, quer nas casas mais senhoriais, que remetem aos projectos, estudos e teorias de Raul Lino e, por isso é notória a sua influência na linguagem do bairro. Ainda que esta afirmação possa ser meramente teórica!

[Texto construído com recurso a passagens de “Vista Alegre – Um Espaço Urbano Industrial”, de Sofia Senos, em http://revistas.lis.ulusiada.pt/index.php/fa/article/viewFile/309/289]




DANÇA: “Doesdicon”,
Direção Artística grupo Dançando com a Diferença | Henrique Amoedo
Coreografia | Tânia Carvalho
Interpretação | Bernardo Graça, Diogo Freitas, Isabel Teixeira, Joana Caetano, Maria João Pereira, Nuno Borba, Sara Rebolo, Telmo Ferreira
Produção | Diogo Gonçalves e Natércia Kuprian
Centro de Arte de Ovar
25 Mai 2018 | sex | 22:00


A luz extingue-se, os actores alinham-se à frente do palco, o público ergue-se das cadeiras e reage com um aplauso prolongado, sentido, garganta apertada, olhos brilhantes. Entre os oito actores que agradecem (talvez seja mais correcto referir apenas sete, um deles, braços cruzados, parecendo incomodado com o momento), uma jovem é suportada pelos dois actores que a ladeiam, os movimentos involuntários que lhe percorrem o corpo e que a fizeram brilhar durante o espectáculo a serem os mesmos que a impedem, percebe-se agora, de se manter de pé e de sorrir. Há duas jovens com Síndrome de Down que parecem não caber em si de contentes. E há, também, actores que, não sendo daquele “clube”, estão ali a vincar a ideia subjacente a este fantástico projecto que se designa “Dançando com a Diferença” e que nasceu na Região Autónoma da Madeira em 2001: Juntar em palco pessoas com e sem deficiências unidas pela causa única de dançar!

Estreado há precisamente um ano, “Doesdicon” foi o espectáculo que os Dançando com a Diferença trouxeram na noite de ontem ao Centro de Arte de Ovar. Explorando vários territórios de expressão artística – a dança, desde logo, mas também a música, o teatro ou a memória do cinema – o espectáculo mergulha o espectador num ambiente onírico, povoado de personagens cujas reacções automatizadas remetem para a infância, ilusão e encantamento passeando de mãos dadas com medos e fantasmas. Sente-se como que uma estranheza, reforçada pelo extraordinário trabalho de luz sobre o palco e por uma música ritmada por sons metálicos, como se ponteiros de relógio a marcarem o tempo, o coelho da “Alice no País das Maravilhas” a espreitar por detrás da cortina, acompanhado de um exército de soldadinhos de chumbo.

Sobretudo, este é um espectáculo que nos interroga sobre nós próprios e a nossa condição de espectadores face ao lugar do palco e àqueles que o percorrem. Quem acha que sabe ao que vai, uma boa dose de condescendência de reserva, verá seguramente a sua má consciência posta a nu. Os    Dançando com a Diferença são, todos eles, grandes actores e bailarinos, tornados pedras preciosas nas mãos da coreógrafa Tânia Carvalho. Como ninguém, ela soube retirar o melhor de cada um dos actores para, em palco, dar a ver um espectáculo notável de rigor e contenção, pleno de emoção, vibrante, inesquecível. Não é fácil recordar um espectáculo de dança tão forte e inspirador como este. Em momento algum a vida e o palco estiveram tão próximos. Em momento algum nos sentimos tão próximos do palco, tão cheios de vida.




CIRCO CONTEMPORÂNEO: “inTarsi”
Direcção | Compañia de Circo “eia” e Jordi Aspa
Interpretação | Armando Rabanera Muro, Fabio Nicolini, Fabrizio Giannini, Manel Rosés Moretó
Direcção Musical | Cristiano Della Monica
Coreografia | Michelle Man
Cenografia | Compañia de Circo “eia” e El Taller del Lagarto
Produção | Compañia de Circo “eia” e La Destil-leria
Centro de Arte de Ovar
18 Mai 2018 | sex | 22:00


Num estrado circular – palco em cima do palco (!) - o actor #1 (chamemos-lhe assim) exercita-se, pondo uma pose de superioridade como que a dizer que é ele o dono e senhor do singular reduto. Um pouco abaixo, junto ao público, o actor #2 sobrepõe cuidadosamente estreitos prismas, três a três, até formar uma construção em forma de torre. Mas quando o actor #2 vai mostrar a sua construção ao actor #1, este, com um pontapé certeiro, deita por terra todo o seu trabalho. Surgem então o actor #3 e o actor #4 que, juntando-se ao actor #2, irão desapossar o actor #1 do seu palco. Agora em pé de igualdade, os quatro actores irão aprender a viver uns com os outros, a partilhar alegrias e tristezas, a ultrapassar as dificuldades e, finalmente, no mais elevado dos palcos, a serem um só, unos e indivisíveis, torre sólida e indestrutível.

No palco da vida, trazendo consigo uma mensagem de grande actualidade e alcance, “inTarsi” é um espectáculo que se vê com entusiasmo do princípio ao fim. Vivendo muito da mobilidade e plasticidade dos objectos em palco – um estrado circular que se desdobra em plintos e trampolins, escadas e armários, rampas e passereles –, o espectáculo conta, sobretudo, com um desempenho notável dos quatro actores, exímios em aliar às capacidades técnicas e físicas uma mímica extraordinária e um sentido de humor requintado. A forma como actores e objectos se articulam entre si propicia a criação de situações díspares, ora fazendo apelo às emoções mais primárias, o “frisson” num equilibrio instável ou no risco duma acrobacia, ora convocando gargalhadas e aplausos nos momentos de maior tensão ou nos mais hilariantes.

Depois de “Mundo Interior”, da Companhia de João Garcia Miguel e de “Smashed”, dos britânicos Gandini Juggling, foi agora a vez da Compañia de Circo “eia” visitar o Centro de Arte de Ovar na terceira das quatro sessões do “Circo ao Palco”. Galardoada com o Premio MAX das Artes Cénicas 2017 na categoria de “Melhor Espetáculo Revelação” e também nomeado para o mesmo prémio em duas outras categorias, o espectáculo “inTarsi” arrecadou ainda o Premio Especial do Júri nos Prémios Zirkolika da Catalunha em 2016. Na noite da passada sexta feira os catalães provaram a sua enorme qualidade, oferecendo um momento performativo completo que combinou as artes circenses, o teatro e a dança e proporcionou ao pouco público presente uma noite deveras especial.




VISITA GUIADA: “Passado o Painel”
Orientada por | Paulo Paiva Fonseca
Organizada por | Câmara Municipal de Ovar, Serviço de Turismo
05 Mai 2018 | sab | 15:00 – 17:30


Realizada na tarde do passado sábado, a segunda Visita Guiada no âmbito do programa Maio do Azulejo levou os participantes ao encontro de casas que contam histórias. Orientada pelo Arquitecto Paulo Paiva Fonseca, a visita enquadrou-se numa vertente de Urbanismo e Arquitectura e pretendeu evidenciar a forte relação entre o exterior das habitações e o seu interior, entre a fachada e aquilo que, “passado o painel”, encerra uma identidade própria, expressa na organização funcional do espaço interior, nos materiais e técnicas construtivas, no carácter dos ornamentos e, dum modo mais lato, no próprio contexto urbano.

Com ponto de partida em plena Praça da República, junto ao cruzamento dos dois grandes eixos da cidade – a “Estrada da Ria” e a “Estrada do Mar”  -, os participantes na Visita Guiada dirigiram-se à Rua Padre Férrer onde, no número 86, puderam visitar uma casa que é um verdadeiro ícone da arquitectura ovarense. Com uma tipologia estreita e comprida e uma função exclusivamente doméstica, este tipo de casas têm no longo corredor que liga a entrada principal à porta que dá para o quintal o seu eixo principal, a sala e a cozinha a ocuparem os dois extremos da habitação, os quartos e o acesso ao sótão dispostos no meio. Já no número 59 da Rua Cândido dos Reis, a casa visitada teve até há bem pouco tempo uma função comercial, com loja no piso inferior e o piso superior destinado à habitação. De enorme beleza são as pinturas nas paredes, procurando imitar pedras ornamentais e os estuques dos tectos das salas. Os evidentes sinais de degradação que tanto esta casa como a anterior evidenciam serviram de pretexto ao Arquitecto Paulo Paiva Fonseca para assumir, do seu ponto de vista, o assunto da reabilitação de imóveis como uma oportunidade e um desafio que se coloca, não apenas aos proprietários, como à sociedade em geral, convidada a colaborar na preservação dum património que é de todos.

O último exemplar visitado, situado no número 37 da Rua Alexandre Herculano, é um edifício propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Ovar e onde funciona o Centro Comunitário Espaço Aberto. Trata-se duma casa cuja construção remonta ao Século XVIII e que sofreu várias remodelações até aos nossos dias, cujas marcas podem ser facilmente observadas. Também aqui o piso superior era destinado a habitação, servindo o piso inferior para albergar alguns serviços (estábulos? armazenamento de alimentos?). Ricamente decorada – nicho com figura de culto no exterior, espaço para oratório, salões do piso superior com tectos apainelados em madeira, belos painéis de azulejo nalgumas dependências, nomeadamente nas cozinhas -, a habitação esteve na posse de ilustres médicos ovarenses, sendo ainda possível observar no tecto da divisão que funcionou como Consultório o símbolo da Medicina. A visita terminou com uma deslocação ao sótão da casa, onde foi possível perceber a dimensão das principais intervenções sofridas ao longo dos quase três séculos de existência.




ARTES CIRCENSES: “Plaina”
Interpretação | Ariana Silva, Douglas Melo, Fábio Constantino, Mauricio Jara e Telma Pinto
Direcção Artística | Jorge Lix
Cenografia | Arnold Von Rossum
Música Original | Luca Argel
Produção | Cia Umpor1
Cine-Teatro de Estarreja
06 Mai 2018 | dom | 17:00


Encerrando um fim de semana recheado de propostas inovadoras e de enorme qualidade, as Artes Circenses subiram ao palco do Cine-Teatro de Estarreja com o espectáculo “Plaina”, da Companhia Umpor1. Inserida na Programação Cultural em Rede da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro, a peça foi construída num pressuposto de relação entre território, identidade e património, conjugando pessoas, saberes e tradições e permitindo, desta forma, a construção de novas memórias sob perspectivas artísticas contemporâneas.

Partindo das histórias e memórias ligadas à ria e aos seus esteiros, Jorge Lix, o Director Artístico da Cia Umpor1, constrói um espectáculo cuja linha dramatúrgica persegue a construção naval como arte em vias de extinção, encontrando no desaparecimento do moliço a razão para a morte dos estaleiros. Neste trabalho de reconstrução da memória – a remeter para os ambientes dum velho estaleiro nas margens da ria -, “Plaina” serve-se dum dispositivo cénico versátil e dum desenvolvimento inteligente para deixar uma mensagem de cariz marcadamente ecológico, evocativa da importância da preservação da natureza.

Fundindo as Artes Circenses com o Teatro e a Dança, o espectáculo vive muito da enorme plasticidade dos elementos cénicos – o contraste entre o “rijo” da madeira e o “mole” do moliço proporciona momentos de grande beleza -, mas vive sobretudo das prestações de cinco jovens em palco que interpretam, de forma tocante, os dilemas, frustrações e contradições daqueles que viram a vida no imenso manto de água extinguir-se a cada dia, o mundo a desabar à sua volta, o futuro carregado de incertezas. De todos eles, permito-me destacar Ariana Silva numa estreia auspiciosa, rosto fechado sob um barrete de lã, uma teatralidade invulgar, o palco cheio com a sua presença.

Adereços dum estaleiro que se desmorona, varas, cordas, tábuas e redes voltam a ganhar vida através do olhar e do gesto dos actores. São eles os arautos da mudança. Saibamos nós – todos nós (!) - ser dignos depositários da sua mensagem de esperança e agentes interventivos na reposição dum mundo mais justo e equilibrado, mais digno e melhor!




VISITA GUIADA: “Rota das Padeiras”
Orientada por | Paulo Morgado
Organizada por | 23 Milhas e Talkie-Walkie
Casa da Cultura de Ílhavo
28 Abr 2018 | sab | 10:30 – 13:00


Depois dum primeiro ano de enorme sucesso ao encontro dos edifícios, narrativas e percursos ilhavenses, prossegue o ciclo de visitas guiadas “Olhar Por Dentro – Os Percursos da Arquitectura de Ílhavo” e que levou, na manhã de ontem, duas dezenas de participantes ao Vale de Ílhavo e à “Rota das Padeiras”. Organizado pelo projecto cultural do Município de Ílhavo, 23 Milhas, e pela Talkie-Walkie, neste caso na pessoa da Arquitecta Matilde Seabra, a Visita Guiada teve o seu enfoque menos nas características sociais ou antropológicas ligadas à moagem e à confecção de broas, padas ou folares e mais numa vertente arqueológica e geológica, acrescentando valor a um momento que se revelou extraordinariamente intenso e enriquecedor.

Orientada pelo engenheiro geólogo Paulo Morgado, esta “Rota das Padeiras” teve o seu início no interior da Casa da Cultura de Ílhavo, ao encontro do que é natural ou transformado pela mão do homem e das condições fornecidas pela paisagem geológica e que contribuíram para a sua fixação. Foi então a vez de se entrar em aspectos mais técnicos relacionados com a composição dos solos, da argila às areias, estas últimas depósitos de praias antigas e de terraços fluviais, numa altura em que o mar cobria ainda toda esta região. Com o recuo das águas do mar, surgiram as condições ideais à formação de aquíferos livres, com capacidade de reter as águas da chuva e alimentar as linhas de água existentes. A abundância de água, associada à riqueza dos solos, está na origem do povoamento desta região e das actividades de subsistência inerentes, onde se insere o aparecimento de moinhos - de água e de vento - em grande número. Esta dinâmica acaba por ser profundamente alterada ao longo dos tempos, quer pela regularização dos leitos dos rios e ribeiros e pela modificação do seu curso, quer pela captação das águas a montante para a criação de redes de abastecimento, por exemplo. E é assim que um modo de vida com raízes milenares, que moldou comunidades e se tornou relevante dum ponto de vista sócio-económico e cultural, quase desaparece de um dia para o outro, dele restando apenas vestígios que, à custa duma enorme resiliência, vão sobrevivendo à voragem dos tempos.

Foi isto que, já no terreno, os participantes na Visita Guiada puderam escutar da boca de Urbino Grave, um homem que conheceu a dura vida dos moinhos e que tem um milhão de histórias para contar. Foi com ele que percebemos o impacto que a construção das minas e a canalização da água para alimentar a cidade de Aveiro nos anos 40 criou nestas pequenas comunidades. Da revolta travada a tiro pela brutalidade da GNR às indemnizações aos moleiros e aos surtos de emigração que se lhe seguiram, sobretudo para França, é todo um desfiar de recordações, as mais das vezes amargas, que o Sr. Urbino partilha com os presentes. Feito moleiro aos 12 anos, Urbino recorda o ruído tremendo das mós que embalavam o sono e que acordavam o moleiro quando se silenciavam, em contra-ciclo com aquilo que seria o mais natural. Esfacelos tratados com folhas de nogueira cozidas, dedos arrancados pela força das mós, uma campainha a soar inadvertidamente num momento intenso de leitura do Livro de S. Cipriano, um Cristo decepado no meio da farinha, a “invasão das abóboras” ou as enguias que se apanhavam durante a limpeza das valas foram, igualmente, recordados, sem que nas palavras de Urbino Grave se sentisse lamento ou tristeza por esses tempos, mesmo que difíceis.

A visita estendeu-se a duas outras antigas azenhas, onde foi possível ver o que resta dos tempos áureos da actividade moageira nesta região e que, no Tombo das Águas de Ílhavo, datado de 1772, regista a existência de 38 moinhos de água em todo o concelho de Ílhavo, nos quais se incluem as muitas azenhas situadas no Vale de Ílhavo. Como um ciclo que se fecha, a Visita Guiada terá o seu ponto final na antiga azenha da Dona Dulce ou na Padaria da Dona Celeste, com a prova do pão doce que fez a delícia dos presentes ou a compra de padas, para mais tarde saborear. Restará referir que as actividades em torno dos Percursos da Arquitectura de Ílhavo não se esgotam nesta visita, estando já agendada para o próximo dia 26 de Maio uma incursão na urbanidade da Vista Alegre, um processo que tem o seu início em 1824 e se centra nos edifícios e equipamentos surgidos para albergar os operários da Real Fábrica de Porcelanas, fixando-se neste local com as suas famílias. Raul Lino não será esquecido!




VISITA GUIADA: “Percurso da Rua do Azulejo”
Orientada por | Tânia Guimarães
Organizada por | Câmara Municipal de Ovar
25 Abr 2018 | qua | 10:00 – 13:00

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Entre outros traços distintivos da sua identidade territorial e patrimonial, Ovar é conhecida como “a Cidade-Museu Vivo de Azulejos”. Foi o museólogo Professor Rafael Salinas Calado, primeiro director do Museu Nacional do Azulejo, quem atribuiu esta expressão a Ovar, a qual está bem patente por toda a cidade e pode perceber-se não apenas nos extraordinários exemplares que cobrem as fachadas das casas e remontam a períodos bem distintos da sua história, como na própria dinâmica em torno do azulejo, desde as intervenções de conservação e restauro às inúmeras actividades de âmbito educativo e lúdico levados a cabo pela Câmara Municipal de Ovar. Isto mesmo vivenciou um grupo de profissionais de saúde do Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga (Santa Maria da Feira, S. João da Madeira e Oliveira de Azeméis) que, na manhã de ontem, demandaram Ovar e que, orientados por Tânia Guimarães, dos Serviços de Turismo, desfrutaram do “Percurso da Rua do Azulejo”.

A visita guiada pelo centro da cidade começou com uma breve introdução onde se vincou a enome concentração de fachadas recobertas por azulejos, predominantemente do século XIX e início do século XX. Os primeiros azulejos apresentavam um padrão pouco variado, a cor predominante era o azul e a sua dimensão não variava dos 13 cm. É no final do século XIX que o azulejo “cresce” para os 14 ou 15 cm e a paleta de cores se torna mais variada, atingindo o seu esplendor com o movimento Arte Nova, no início do século XX, onde os motivos predominantemente florais tomam cores mais vivas e o tamanho padrão se fixa nos 20 cm. Tânia Guimarães explicou ainda que se podem ver exemplares trabalhados de acordo com a técnica da estampilhagem, da estampagem ou do relevo, estes últimos podendo ser em alto relevo, semi-relevo ou biselados. Embora a procedência dos azulejos seja maioritariamente das fábricas de Aveiro, Vila Nova de Gaia e Porto, é possível encontrar azulejos provenientes de Valência. Uma referência ainda ao facto desta forte presença de azulejos poder ter sido incrementada pelos fluxos migratórios, sobretudo para o Brasil, com as fachadas das casas a evidenciarem o estatuto económico e social dos seus habitantes. A verdade é que o azulejo, revelando extraordinárias propriedades isolantes, acabou por se “democratizar” e ser o material de revestimento da preferência dos ovarenses.

Das fachadas multicoloridas com dois milhares de azulejos, onde cada peça é única e, nas suas imperfeições, revela a beleza da estampilhagem, à singeleza dum padrão muito antigo, todo ele em nuances de azul correspondentes a defeitos de cozedura, é todo um manancial de histórias que Tânia Guimarães vai desfiando à medida que progredimos pelas ruas de Ovar. Numa das casas intervencionadas recupera-se a beleza do “crochet”, o padrão de influência francesa; noutra casa é o azulejo de inspiração pombalina que se oferece ao olhar do visitante, não no seu interior, como seria suposto, mas na própria fachada. Aqui são os motivos religiosos que recobrem a Capela de Santo António, além o padrão com um toque mudéjar que reveste a Ouriversaria Carvalho, depois o azulejo em alto-relevo na impressionante fachada do Museu de Ovar e ainda as telhas pintadas do edifício que alberga hoje a Conservatória do Registo Civil de Ovar. Isto sem esquecer os seis painéis de azulejos do período modernista, da autoria de Jorge Barradas, que podem ser apreciados no edifício do Tribunal de Ovar.

A segunda parte da visita teve como alvo a Escola de Artes e Ofícios e contemplou uma experiência de pintura sobre azulejo na qual foram respeitados integralmente os passos que presidem à técnica da estampilhagem. Foi um momento de saboroso convívio, onde miúdos e graúdos puderam por à prova os seus dotes artísticos e perceber o resultado da sua mestria. O programa viria a terminar com a visita à Igreja de Válega que tem a particularidade de se encontrar revestida, tanto no seu exterior como no interior, por azulejos policromáticos, produzidos na fábrica Aleluia, de Aveiro. Esta Igreja começou a ser construída em 1746 e só mais de um século depois os trabalhos foram dados por concluídos. A colocação dos painéis de azulejos, com desenhos de Guilherme Ferreira Thedim, remonta a 1960 e foram uma oferta do Comendador António Augusto da Silva, o qual definiu os motivos eucarísticos que gostaria de ver apresentados e se fez, inclusivamente, representar em dois vitrais que podem ser apreciados no interior da Igreja. Se este apontamento despertou a curiosidade do leitor, saiba que, por Ovar, Maio é mês do Azulejo e as propostas são muitas e variadas. O programa completo pode ser visto AQUI.




VISITA GUIADA: “Fora da Cidade, mas a contemplá-la”
Orientada por | Professor Joel Cleto
Organizada por | Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos
08 Abr 2018 | dom | 10:00

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A Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos promoveu mais uma Visita Guiada orientada pelo Professor Joel Cleto, intitulada “Fora da Cidade, mas a contemplá-la”. Pretexto para cruzar o rio e fazer um percurso pelas margens de Gaia, na (re)descoberta da lenda do Rei Ramiro e do Castelo de Gaia. Foram duas horas e meia de caminhada, conhecimento e convivência extraordinários para as perto de duas centenas de participantes, com muito de efabulado, maravilhoso, inventado, mas também com alguma coisa de verdade.

A primeira parte da visita passou ao lado da História, decorrendo nos trilhos da lenda e tendo como ponto de partida aquela figura exótica, de trombeta na mão, que encima as armas de Vila Nova de Gaia: Ramiro, precisamente. Tudo se passa no século X, numa altura em que o Douro era uma fronteira natural entre domínios cristãos, a norte, e mouros, a sul. Alboazer, senhor das terras que correspondem hoje a Gaia, e Ramiro, o Rei das Astúrias, mantinham uma trégua há já algum tempo quando o mouro, informado da ausência de Ramiro em terras da Gália, decide romper a trégua, arrasar o castelo de Ramiro e raptar-lhe a esposa, Gaia. Disposto a vingar a ofensa, Ramiro vai usar dum estratagema engenhoso para conquistar o castelo do mouro, até então inexpugnável, e resgatar Gaia. Mas nada disto é assim tão linear quanto parece e as coisas complicam-se, com uma lindíssima moura, um “Síndrome de Estocolmo” e uma cabeça decepada à mistura. São precisamente os deliciosos meandros da lenda - e das suas extensões, na origem dos topónimos Miragaia e Vila Praia de Âncora -, narrados de forma entusiástica nos locais onde (supostamente) a acção decorreu, que fizeram desta uma Visita Guiada inesquecível, de fruição e deleite.

Cruzando a lenda com a História, Joel Cleto ora evoca o cavaleiro D. Álvaro de Cernache, porta-estandarte da “Ala dos Namorados” em plena Batalha de Aljubarrota, ora recua a 820, quando em “campus stellae” é descoberto o sepulcro de Tiago, um dos discípulos de Cristo, para justificar um Ramiro disfarçado de peregrino. Ora lembra a criação dum “off-shore” para fugir aos impostos do Bispo do Porto, Vila Nova do Rei (mais tarde Vila Nova de Gaia), ora situa o morro do Castelo de Gaia como um lugar terrível em pleno cerco do Porto, aí se encontrando o principal canhão das tropas absolutistas a bombardear constantemente a cidade Invicta... e a ser bombardeado. Tempo ainda para se falar da Boa Passagem, local ideal para cruzar o Douro numa altura em que o edifício da Alfândega não era sequer projecto, das terríveis cheias em vésperas de Natal de 1909 e do castelo de Gaia, do qual não se encontraram vestígios nas muitas campanhas arqueológicas levadas a cabo até aos nossos dias.

Por vezes, a realidade consegue ser mais surpreendente do que a ficção e é precisamente isso que Joel Cleto faz questão de evidenciar, já na parte final desta visita. Futuro Ramiro II, rei das Astúrias, Ramiro é um jovem príncipe e um valoroso guerreiro quando se afirma como o primeiro líder cristão a estabelecer-se a sul do Douro, mais precisamente em Viseu, corre o ano de 926. Tal como em Gaia, a lenda de Ramiro está associada à história da cidade de Viseu e a tal figura exótica, com a trombeta, está igualmente presente no brazão da cidade beirã. Aquilo que é extraordinário é que Viseu tem, no seu território, a chamada Cava de Viriato, o maior monumento do género na Península, um imenso octógono de 32 hectares sobre o qual já se disse muita coisa – com lusitanos, romanos e muçulmanos à mistura. É aqui que surge Ramiro - e agora já não estamos no domínio da lenda.

Ramiro chega a Viseu, como se disse, aí se estabelecendo com a sua corte. Todavia, ele não sabe (nem pode saber) que, dentro de apenas cinco anos, o seu irmão abdicará da coroa e será ele o novo Rei das Astúrias. Para Ramiro, é um dado adquirido que a sua permanência em Viseu será longa e, portanto, há que investir na sua segurança, criando uma fortificação tão inexpugnável quanto possível, que o possa manter a salvo das investidas dos seus inimigos. Para um grande senhor, um príncipe de enorme prestígio, alguém que a si mesmo se designa por “Rex Portucalensis” (e note-se que, só mais de dois séculos depois, em 25 de Julho de 1139, nascia o Reino de Portugal e a sua 1ª Dinastia, com El-Rei Dom Afonso Henriques de Borgonha), é plausível a encomenda de tão grande empresa a quem detinha conhecimentos e meios adequados para a levar por diante: os árabes. É uma mera hipótese nos caminhos da História, mas uma hipótese, convenhamos, bastante tentadora!




EXPOSIÇÃO DE ARQUITECTURA: “Poder Arquitectura”
Casa da Arquitectura, Matosinhos
17 Nov 2017 > 18 Mar 2018

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Pela primeira vez aqui no Blogue falamos especificamente de Arquitectura. Isto a propósito duma magnífica exposição que inaugurou a Casa da Arquitectura, em Matosinhos, e que esteve patente ao público até ao passado domingo. Com curadoria de Jorge Carvalho, Pedro Bandeira e Ricardo Carvalho, “Poder Arquitectura” pretendeu evidenciar de que forma o poder da sociedade é, em si mesmo, um desafio ao arquitecto, em que medida condiciona o seu trabalho e, por outro lado, quais as soluções encontradas para ultrapassar os obstáculos. Interrogando de forma sistemática o visitante, levando-o o reflectir sobre o óbvio e o menos óbvio, esta exposição relevou o papel determinante da arquitectura e a sua importância na construção das cidades, dos territórios e das sociedades actuais.

Outrora armazém da Real Companhia Vinícola, a imensa galeria com cerca de 800 metros quadrados foi transformada num extraordinário espaço expositivo, reunindo dezenas de projectos e traçando um mapa da arquitectura mundial de finais dos anos 90 do século passado até aos nossos dias. Imagens, maquetes, desenhos, textos e objectos conviveram num espaço delimitado por uma rede metálica, formando três camadas de informação: uma mais “superficial”, mais vizinha do público, maioritariamente constituída por imagens; uma camada intermédia onde se acrescentou informação e se relacionaram diferentes abordagens; finalmente uma camada mais “profunda”, onde o visitante mais interessado pode beber a informação completa sobre cada projecto, relacionando-o com um particular tipo de poder.

Colectivo, regulador, tecnológico, económico, doméstico, cultural, mediático, ritual – são estes os oito poderes seleccionados pelos curadores e respigados um pouco por todo o mundo: da Holanda ao Bangladesh, do Sri Lanka ao Brasil, dos Estados Unidos à Bélgica… sem esquecer Portugal, representado em oito obras dentro de fronteiras e três de arquitectos portugueses na Europa. Da sua análise, com base nos exemplos apresentados, se percebe que a Arquitectura não é apenas a expressão de um único poder, havendo uma enorme articulação entre eles: “Um poder não é em si negativo ou positivo. Por vezes os poderes anulam-se, por vezes criam sinergias, por vezes dão origens a contrapoderes”, lê-se no texto de apresentação do catálogo da exposição. Extraordinariamente bem arquitectada, esta exposição exerce uma natural atracção no visitante, desafiando-o a compreender a importância e o impacto da Arquitectura nos dias de hoje e a perceber melhor este fascinante mundo. Sem dúvida, uma das grandes exposições que foi possível apreciar nos últimos tempos.




VISITA GUIADA: “O Rei Carlos Alberto e o Porto
Orientada por | Professor César Santos Silva
Organizada por | Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos

17 Mar 2017 | sab | 10:00

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Em nova iniciativa da Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos, decorreu esta manhã uma Visita Guiada orientada pelo Professor César Santos Silva ao encontro dos pontos que unem a cidade do Porto à figura do Rei Carlos Alberto. Num percurso que ligou a Praça de Carlos Alberto à Capela com o mesmo nome, nos Jardins do Palácio de Cristal, foi passada em revista a história do monarca, nascido em Turim, em 02 de Outubro de 1798 e que viria a terminar os seus dias no Porto, em 28 de Julho de 1849, após um curto exílio de 100 dias.

Afinal, quem foi Carlos Alberto? Como é que alguém que aqui viveu pouco mais de três meses conseguiu ficar tão intimamente ligado à história e ao património da cidade? Porque é que “caiu no gôto” dos portuenses? Ao encontro das respostas a estas e outras questões, o Professor César Santos Silva começou por relatar os factos históricos que fazem de Carlos Alberto – Carlo Alberto Emanuele Vittorio Maria Clemente Saverio di Savoia-Carignano, de seu nome completo –, Rei do Piemonte e da Sabóia, um homem na mó de baixo à sua chegada ao Porto. Tendo aderido às ideias inspiradas por uma Itália federada e livre dos Habsburgos, Carlos Alberto liderou as forças que levaram à primeira Guerra da Independência contra o Império Austro-Húngaro, acabando derrotado em Novara e abdicando do trono em favor do seu filho, Vittorio Emanuele. Obrigado a fugir do seu país, elege o Porto – cidade que personificava os ideais do liberalismo - como local de exílio, onde chega em 19 de Abril de 1849.

A sua presença na cidade torna-se num acontecimento de enorme relevância e o monarca é aclamado quase em histeria pelas multidões que o aguardam. Mas vem cansado, depois duma viagem ininterrupta de 29 dias, com início em Novara e que irá atravessar, sucessivamente, Vercelli, Ventimiglia, a francesa Côte d'Azur, Toulouse, Tarbes, Hendaye, Burgos, Valladolid e, finalmente, Portugal, onde entra pelo Norte do País. Mais do que cansado, vem doente e “a medicina da época não tem melhor remédio para lhe oferecer do que leite de cabra”. Hospedado no Palacete Visconde de Balsemão, na então hospedaria que pertencia ao espanhol Pexe, na Praça dos Ferradores (actual Praça de Carlos Alberto), podia dizer-se que Carlos Alberto vivia no “inferno”. À azáfama deste concorrido e ruidoso ponto de partida e chegada dos fluxos de viajantes e carga de e para o Norte, juntavam-se os sucessivos pedidos das elites para audiências, privando-o do tão necessário repouso. Daí que, ao cabo de 19 dias, Carlos Alberto se veja obrigado a encontrar novo poiso, quiçá mais tranquilo.

É ao encontro duma pequena casa na Rua do Triunfo – actual Rua D. Manuel II – que os participantes na visita guiada se dirigem entretanto. E porque, em história, “tudo tem a ver com tudo”, pelo caminho vão sendo feitas referências de ordem vária: ora se “visita” o Hospital de Santo António e o seu projecto de construção megalómano com assinatura do arquitecto inglês John Carr, ora se tecem considerações sobre o Palacete do Visconde de Vilarinho de S. Romão e a sua capela quinhentista, transformada hoje em bar da noite. Há referências a Abel Salazar - para o Professor César Santos Silva, “o mais completo homem do seu tempo” -, a Manuel Rosário, tio de Almeida Garrett e do qual a Rua do Rosário vai herdar o nome, ou ainda a Arthur Wellesley, o Duque de Wellington (“não confundir com Duke Ellington”), cuja estátua “é quase o mesmo que erigir uma estátua a Angela Merkel a agradecer a troika”. E não ficam para trás o Palacete do Visconde de S. João da Pesqueira, futuro Marquês de Távora (“esse mesmo, o do Marquês de Pombal e dos azares”), ou o Palácio dos Carrancas, actual Museu Nacional de Soares dos Reis, depois de inicialmente proposto para albergar um Hospital de Crianças.

Mas voltemos à Rua do Triunfo e à casa que Carlos Alberto virá entretanto a ocupar e na qual ficará alojado pouco mais de um mês. Porquê? Primeiro, porque tem apenas três divisões e se mostra exígua para o monarca e seu séquito; e, depois, porque a barulheira contínua, graças à chiadeira dos carros de bois a caminho de Matosinhos, o impede de repousar. É então que a família Pinto Basto, proprietária da Vista Alegre e com interesses em Inglaterra – de onde irá importar para o nosso país, em 1889, essa “excentricidade” chamada Foot-ball –, oferece ao monarca no exílio a sua quinta de recreio, a Quinta da Macieirinha (actual Museu Romântico), a troco da módica renda mensal de 600.000 reis. Carlos Alberto acaba por se instalar neste reduto de tranquilidade nas encostas do Douro, onde virá a falecer, como dissemos, em 28 de Julho de 1949. A título de curiosidade saiba-se que todo o mobiliário da Casa, ao tempo de Carlos Alberto, está agora no Museo Nazionale del Risorgimento Italiano, sediado no Palazzo Carignano, em Turim, sendo o mobiliário que se pode apreciar no Museu Romântico uma cópia exacta do original.

Após a morte do monarca, o seu corpo foi transladado para o Panteão dos Sabóia, em Itália. A sua meia-irmã, a princesa Frederica Augusta de Montheart, contudo, não esqueceu a cidade que acolheu Carlos Alberto nos seus últimos tempos de vida. Deslocando-se ao Porto, em 1854, mandou erigir uma capela em sua memória nos Jardins do Palácio de Cristal, evocativa de S. Carlos Borromeu, a qual ficou concluída em 1861 e é hoje local de culto da Igreja Luterana. Antes disso, em 1852, o Porto oferecia o nome de Carlos Alberto à Praça dos Ferradores, o qual se mantém (e manterá) vivo na toponímia da cidade. Fica assim concluída esta visita guiada de enorme interesse e valor histórico, restando apenas o conselho para ficarem atentos às iniciativas da Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos, a próxima das quais, já no dia 08 de Abril, orientada pelo Professor Joel Cleto, levará os participantes num percurso pelas margens de Gaia, na (re)descoberta da lenda do Rei Ramiro e do castelo de Gaia. A não perder!




EXPOSIÇÃO: “Tensão & Conflito. Arte em Vídeo após 2008”,
de Patrícia Almeida, Halil Altindere, Marilá Dardot, Bofa da Cara, Burak Delier, Melanie Gilligan, Lola Gonzàlez, Hiwa K, Silvia Kolbowski, Nikolaj Bendix Skyum Larsen, Marc Larré, Jorge Macchi, Paulo Mendes, Mario Pfeifer, Francisco Queirós, Anatoly Shuravlev, Federico Solmi, Pilvi Takala, Maria Trabulo, Dragana Zarevac, Artur Zmijewski, Yorgos Zois
Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia, Lisboa
13 Set 2017 > 19 Mar 2018


Nos últimos 10 anos, o vídeo revelou-se um recurso cada vez mais incontornável para a arte nos oferecer uma expressão única das tensões e inquietações que marcam a sociedade atual. A aptidão deste suporte para a criação e circulação de imagens, vozes e histórias tornaram-no uma ferramenta fundamental para os artistas contemporâneos analisarem os impactos socio-económicos dos acontecimentos do quotidiano. “Tensão & Conflito. Arte em vídeo após 2008” foca-se precisamente numa excepcional selecção de representações artísticas que, com rara eloquência, recorreram ao vídeo para registar os impactos e as consequências da crise financeira global de 2008.

Ocupando a Galeria Principal e a Video Room do MAAT, a exposição reúne obras de 22 artistas que, dos Estados Unidos e América Latina à Europa e ao Médio Oriente, filmaram visões pessoais sobre os efeitos da grande recessão, a agitação política a ela associada e os aspetos sociais menos óbvios que emergiram desses eventos. Numa mostra que transforma o museu numa sucessão de espaços fílmicos, as obras destes artistas tanto apropriam protestos, manifestações e notícias do dia, como apresentam visões poéticas que nos fazem ler a História recente — e as transformações do presente — de modos frequentemente inesperados.

A imagem que ilustra este texto permite antever o que está em causa com esta mostra. Nela, a brasileira Marilá Dardot, depois de seleccionar notícias relevantes dos jornais, reescreve-as com água no muro de betão da casa. Como a água se evapora, sempre que ela acaba de escrever uma notícia, já não se pode ler o seu início. A artista enfatiza a efemeridade de notícias sem impacto para além da sua comunicação imediata. Falo de Dardot, como poderia falar da finlandesa Pilvi Takala, performer, que no papel de estagiária testa os códigos e exigências presentes no contexto duma produtividade impositiva, do curdo Hiwa K., que vai agregando à sua volta manifestantes, enquanto toca numa harmónica “Once Upon a Time in the West”, de Ennio Morricone, do polaco Artur Zmijewski, que confronta expressões de manifestações políticas em espaço público por todo o mundo ou da portuguesa Patrícia Almeida, que refaz, através duma narrativa linear, os 23 segundos da invasão duma conferência de imprensa do Banco Central Europeu pela activista política Josephine Witt. Em suma, uma excelente exposição num espaço de excelência!




RECITAL POÉTICO MUSICADO: “20 Dizer”
Encenação e declamação | José Rui Martins
Voz, flautas, m'bira | Luisa Vieira
Produção | Marta Costa
Trigo Limpo Teatro ACERT
Cine-Teatro Estarreja | 13 jan | sab | 22:00


(…) Assim como o poeta só é grande se sofrer”. A noite foi de poesia, na intimidade do Café-Concerto do Cine-Teatro de Estarreja. José Rui Martins, actor e director artístico da Trigo Limpo Teatro ACERT, de Tondela, declamou e teatralizou poemas e textos, tornando o dizer em poesia num acto de comunicação que tocou profundamente o público presente. Contou, para tal, com a extraodinária parceria de Luisa Vieira, que com uma voz sublime e tirando o melhor partido das flautas e da m'bira, serviu de contraponto às competências do actor na Arte de Declamar.

Desta simbiose perfeita nasceram “casamentos” improváveis de nomes grandes da música, com outros, enormes, das letras. José Mário Branco, Leonard Cohen, José Afonso, Vinicius de Moraes, Bobby Darin, Caetano Veloso, por um lado, Sophia de Mello Breyner, Luis Bernardo Honwana, Arnaldo Antunes, José Carlos Ary dos Santos, Mia Couto, por outro, foram, juntamente com alguns outros, o corpo e a alma de momentos verdadeiramente orgânicos e de enorme intensidade. Para gozo e gáudio de todos quantos, na plateia, viveram e sentiram a raiva ou a dor, o riso, a ironia ou o desdém nas palavras gritadas ou apenas sussuradas.

Recriando a realidade através da linguagem, do ritmo e da melodia, “20 Dizer” tem essa magnífica virtude de despertar sentimentos, reavivar emoções e sensibilizar para o valor da palavra dita. Ao prazer de declamar, junta-se o de escutar. E, em perfeita comunhão, escutamos o velho sertanejo cortejando a morena mais bonita, com fúria e raiva acusamos o demagogo, pensamos que nunca tinhamos visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido e vemos Abril abrir as portas da claridade. Sensível e único!

[Foto: https://www.penacovactual.pt/2017/05/iniciativa-20-dizer-palavra-com-cor.html]




VISITA GUIADA: “Lojas Históricas do Porto”
Orientada por | Manuel de Sousa
Organização | Gbliss
16 Dez 2017 | sab | 10:00

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Onde poderemos encontrar um crocodilo embalsamado, com 5 metros de comprido, suspenso do teto duma casa comercial? Em que Café do Porto surgiu a primeira televisão? E qual o Restaurante onde foi servida a primeira, a original, “Francesinha”? As respostas a estas e muitas outras questões vão sendo desvendadas ao longo da Visita Guiada intitulada “Lojas Históricas do Porto”, conduzida pelo historiador Manuel de Sousa, numa organização Gbliss. Ao longo de três horas, a vocação comercial da segunda cidade do País é revelada nas suas inúmeras facetas, dos momentos históricos que se estendem da fundação da nacionalidade até aos nossos dias, passando pelas histórias de sucesso, das quais a mais recente dá pelo nome de Livraria Lello.

A crónica duma manhã de descobertas não caberá em três breves parágrafos, mas importa registar o pó a cobrir as garrafas de Porto de muitas décadas na Favorita do Bolhão, esse verdadeiro tesouro escondido que é a cafetaria da Bernardino Francisco Guimarães, o perfume das iguarias na Casa Januário ou o fascínio que milhares de livros antiquíssimos exercem sobre os privilegiados que têm a felicidade de visitar as “catacumbas” da Moreira da Costa Alfarrabistas. Ao mesmo tempo, damos asas à imaginação e entramos no Café Majestic ao lado de Gago Coutinho no dia da inauguração, com Aurélio da Paz dos Reis filmamos a saída das operárias da Fábrica Confiança, damos vivas a D. Pedro II no Grande Hotel do Porto, “indignamo-nos” com os escandalosos bonecos “com pilinha” do Bazar Paris ou tomamos um “cimbalino” no Café Âncora d'Ouro, o popular “Piolho”, o primeiro estabelecimento da cidade a adquirir uma máquina de café expresso “La Cimbali”.

Esta foi, como se disse, uma iniciativa da Gbliss, com direito a seguro de acidentes pessoais incluído no valor da inscrição, para além duma garrafa de água, sistema de auscultadores com excelente captação, bolinhos e café delicioso a meio do percurso e – não menos importante - a simpatia dos organizadores e do historiador Manuel de Sousa. De menos positivo (ou talvez não), a azáfama duma cidade em vésperas de Natal, tornando difícil a circulação do grupo, sobretudo no interior das mercearias. Também a expectativa de que se iria visitar um número considerável de lojas se revelou frustrada, porquanto esse número se limitou a seis. Há, certamente, aspetos a afinar mas, no essencial, a aposta nas “Lojas Históricas do Porto” está ganha. Trata-se dum percurso com um potencial incrível, fácil de palmilhar e do qual se retira um grande conhecimento e um inegável prazer.




EXPOSIÇÃO: “Entre pinhais ao ar da maresia”
Centro de Reabilitação do Norte, Valadares
Inauguração em 11 Dez 2017 | seg | 18:00

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Volvidos cem anos sobre a inauguração da primeira Enfermaria do Sanatório Marítimo do Norte, a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, em parceria com a Santa Casa da Misericórdia do Porto, assinalam a efeméride com uma exposição que se encontra patente no espaço do Centro de Reabilitação do Norte, em Valadares. Trata-se dum conjunto de painéis e de objetos documentais extraídos do espólio doado pela família de Joaquim Ferreira Alves à edilidade gaiense e que narram a história do edifício, da atividade assistencial aí prestada ao longo de mais de meio século e das muitas individualidades que estão na sua génese ou que por lá passaram. Uma história onde avulta o nome do Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves, médico visionário e benemérito, nascido no Porto a 9 de Abril de 1883, e que dedicou toda a sua vida às teses helioterapeuticas e à assistência a doentes que padeciam de tuberculose óssea.

Entre as muitas curiosidades patentes na exposição, importa destacar o projeto do edifício, assinado pelo Arquiteto Francisco de Oliveira Ferreira e que foi alvo duma dissertação subordinada ao tema “Medicina Ortogonal”, a cargo do Arquitecto Professor Doutor André Tavares, aí se colocando em evidência o valor da arquitectura funcional em detrimento de qualquer propósito meramente estético. Do Livro de Honra do Sanatório Marítimo do Norte extraem-se apontamentos de pacientes e de visitantes ilustres, da violoncelista Guilhermina Suggia ao escultor António Teixeira Lopes, dos actores Vasco Santana ou Lucília Simões, aos médicos Alfredo de Magalhães, Eduardo Santos Silva, Francisco Gentil ou Domingos Braga da Cruz, ou aos políticos João Craveiro Lopes, Tomás de Mello Breyner, Sidónio Pais ou Marie Louise de Bourbon, avó do Rei Juan Carlos I de Espanha.

Uma referência para as iniciativas levadas a cabo pelos responsáveis do Sanatório Marítimo do Norte em busca de financiamento para o regular funcionamento da instituição, onde avulta o desafio “Celta de Vigo, contra Foot-Ball Club do Porto”, levado a cabo no Campo da Constituição em Abril de 1924, que os galegos venceram por três bolas a duas. Também a publicação “O Girassol – Folha Literária dos Internados do Sanatório Marítimo do Norte”, um projeto pessoal de um doente da instituição, Manuel de Oliveira Guerra, e que conheceu a edição de cinquenta e seis números ao longo de mais de três décadas de publicação, distribuídos por três séries de periodicidade variável. E ainda uma “Saudação”, o Hino do Sanatório Marítimo do Norte, que no ato da inauguração desta Exposição foi brilhantemente interpretado pelo Coro do 2º e 3º ciclos da Academia de Música de Vilar do Paraíso. Esta Exposição irá estar patente até finais de Setembro do próximo ano e merece, seguramente, uma visita.




VISITA GUIADA: “Porto de Natal”
Orientada por | Professor César Santos Silva
Organizada por | Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos
09 Dez 2017 | sab | 18:00

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A Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos promoveu mais uma Visita Guiada orientada pelo Professor César Santos Silva e dedicada, desta vez, ao Natal de outrora na cidade do Porto. Da Praça de Carlos Alberto ao Largo dos Lóios, passaram-se a pente-fino os costumes e tradições ligados à festa da família, escutou-se o que dela disseram homens das letras e “provaram-se” as guloseimas de outrora e que subsistem até aos nossos dias.

Tempo de festa e de harmonia, o Natal é, com propriedade, denunciado como o tempo do consumo. E foi precisamente por aí que a Visita Guiada começou, numa espécie de preâmbulo, onde se lembrou Assis Carvalho e a sua afirmação, de 1907, de que “o Natal está a transformar-se numa festa consumista”. Esta associação entre Natal e consumo levou-nos ao primeiro ponto de paragem, em plena Rua de Cedofeita, uma das catedrais do consumo natalício do Porto de outros tempos. É precisamente aí, em frente ao já desaparecido Bazar dos Três Vinténs, hoje uma loja da cadeia Lefties, que se pode apreciar ainda o belíssimo painel de azulejo, desenhado em 1954 por Fernando Gonçalves e saído dos fornos da Fábrica Carvalhinho, em Vila Nova de Gaia. Prosseguindo pela Travessa de Cedofeita, antiga Viela do Açougue, lugar a uma breve paragem para recordar a extinta Casa do Pão de Ló de Margaride, marca registada de Leonor Rosa da Silva, Sucr., casa fundada em 1730 e “fornecedora da Casa Real e da Real e Ducal Casa de Bragança”. Pouco depois, já na antiga Praça de Santa Teresa (desde 1915, Praça Guilherme Gomes Fernandes), ficarmos a conhecer que era aqui que tinha lugar “a maior feira dedicada ao pão e ao centeio que o Porto conheceu” e para onde afluíam as regueifeiras de Valongo, as padeiras de Avintes ou as doceiras de Paranhos. Aqui também, António Ribeiro, neto dumas dessas mulheres de outrora ligadas ao pão e à doçaria, abriu a Padaria Ribeiro, a qual se mantém até aos dias de hoje.

Ainda no capítulo do pão e dos doces, um olhar sobre os Bolinhos de Jerimu, os formigos ou as rabanadas do Porto - pelas quais Ramalho Ortigão suspirava, considerando-as “uma verdadeira instituição portuense”; sobre “barrigas de freira”, “papos de anjo” ou “toucinho do céu”, designações com o seu quê de polémico numa cidade onde abundavam os Conventos; sobre o mel, cuja Feira Tradicional se realizava paredes-meias com a Igreja dos Clérigos e onde aquele produto era apregoado como “mel virgem para as paridas”, assegurando-se que fazia bem às parturientes; mas também sobre o Bolo Rei, nascido em França sob o nome de Galette des Rois, popularizado pela Confeitaria Nacional, em Lisboa e que chegou ao Porto em 1882, através da Confeitaria Cascais, mas “somente para a festa de Reis”, esclarece o Professor César Santos Silva. Importa porém dizer que os primeiros passos do Bolo Rei foram tudo menos fáceis, de tal maneira a tradição do Pão de Ló se encontrava enraizada na Invicta. Entre as várias peripécias está uma que merece ser contada: Após a implantação da República, o Bolo Rei chegou a ser alvo duma petição para que o seu nome mudasse para Bolo Presidente. Hoje, este doce tradicional é uma instituição na cidade (e não só!), graças a Confeitarias como a Petúlia, Cunha, Costa Moreira, Nandinha ou a conceituada Tavi, na Foz do Douro.

Não menos importante que as doçarias será, porventura, o bacalhau e, a prová-lo, estão os números: Na Noite de Consoada, o mundo português come mais bacalhau que aquele que é consumido pelos restantes habitantes do planeta. Também aqui, a curiosidade de que o Bacalhau Cozido com Todos, típico da ceia de Natal, é uma “moda” relativamente recente, já que no tempo dos nossos bisavós se usava comê-lo assado ou guizado. Com tantas iguarias na noite de Natal, não espanta que Alberto Pimentel se referisse a ela como “uma noite pantagruélica”

Abreviando, esta foi também uma Visita Guiada onde se falou da ligação do Pai Natal (Santa Claus) ao original S. Nicolau, nascido em Patara, Anatólia, por volta do ano 270 d.C; de como a sua imagem actual radica nos contos de Washington Irving (o mesmo da “Lenda do Cavaleiro sem Cabeça”) ou na “falta de imaginação” dum publicitário da Coca-Cola que resolveu “vesti-lo” de vermelho; da majestosa árvore de Natal no interior do Palácio de Cristal, há precisamente cento e cinquenta anos; da novidade, no dealbar do século passado, que foram os brindes no Bolo Rei da Confeitaria Oliveira e cujo valor era de meia-libra em ouro; dos alquilhadores e de Ruben A.; dos primeiros néons de Natal no Porto, corria o ano de 1956; dos postais de Natal, trazidos para Portugal, como sucedeu com tantas outras coisas, pela Colónia Britânica do Porto; da loja Flora Portuense e do seu proprietário, Aurélio da Paz dos Reis, realizador do primeiro filme português, “A Saída das Operárias da Fábrica Confiança”; da Capela dos Três Reis Magos, na extinta Rua de D. Pedro, comprada pela quantia de quatrocentos escudos e deslocada para a Pocariça, Cantanhede; ou de como Camilo Castelo Branco não gostava da forma como se cantavam as Janeiras. O final da visita, no Largo dos Lóios, foi como que um regresso ao ponto de partida e ao Natal como um tempo de consumismo. As últimas palavras lembrarão João Araújo Correia, um médico da Régua, “médico dos pobres”, que terá dito: “Muito come no Natal aquela cidade. Os comboios e os barcos levam tudo para lá.




VISITA GUIADA: “Júlio Dinis e o Porto”
Orientada por | Professor César Santos Silva
Organizada por | Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos
04 Nov 2017 | sab | 10:00

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Se Dublin tem um percurso literário em torno da personagem Molly Bloom, do “Ulisses” de James Joyce ou se Oxford tem igualmente um percurso baseado nas personagens de “Harry Potter”, de J. K. Rowling, porque não o Porto ter o seu próprio percurso literário, ao encontro do escritor e médico (ou médico e escritor) Joaquim Guilherme Gomes Coelho (1839 – 1871), mais conhecido pelo seu pseudónimo Júlio Dinis? Foi este o desafio que o Professor César Santos Silva terá colocado a si próprio, elegendo o romance “Uma Família Inglesa” (1868) para melhor ilustrar o seu propósito e “acompanhando” a figura de Manuel Quintino no seu passeio semanal pela cidade. É com base, pois, no trajeto que este guarda-livros do escritório Whitestone fazia, “sempre o mesmo, semana após semana”, que é lançado o convite aos participantes a que saibam um pouco mais de “Júlio Dinis e o Porto”, numa iniciativa da Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos.

A visita poderia começar naquilo que foi antes a Rua do Reguinho, ali para Miragaia, onde Júlio Dinis nasceu no dia 14 de Novembro de 1839. Antes, teve o seu início em plena Rotunda da Boavista, onde desemboca a Rua que leva o nome do escritor, em frente ao Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular. O belíssimo conjunto, da autoria do arquiteto Marques da Silva e do escultor Alves de Sousa, abre a César Santos Silva a oportunidade para nos situar num Porto a viver ainda os reflexos da luta e sofrimento contra os exércitos Franceses Napoleónicos e entretanto a braços com uma guerra civil entre Cartistas e Setembristas, que duraria oito meses, numa altura em que Júlio Dinis tinha sete anos de idade. Tempos duros, tempos de muita fome e miséria aos quais se juntará a tuberculose, que virá a dizimar a família, levando a mãe e os oito irmãos de Júlio Dinis, levando-o a ele próprio a 12 de Setembro de 1871.

Dado o mote para a visita guiada, é todo um manancial de informação e de conhecimento que vai sendo transmitido nas muitas paragens efetuadas ao longo do percurso, ao encontro de nomes plasmados na toponímia da cidade – Carvalhosa, Torrinha, Mirante -, de edifícios emblemáticos – o Liceu de Rodrigues de Freitas, a Igreja de São Martinho de Cedofeita, a Faculdade de Farmácia, o Centro de Trabalho do Partido Comunista Português, o Colégio Von Hafe -, de figuras ilustres – dos arquitetos José Marques da Silva, Rogério dos Santos Azevedo ou Baltazar Castro aos políticos Rodrigues de Freitas, Aníbal Cunha ou Cândido dos Reis, passando por Miguel Bombarda, Carlos Alberto e muitos, muitos outros. Mas não só. Aliando um vasto conhecimento a um sentido de humor requintado, César Santos Silva revela-se um notável comunicador e fala-nos da (hipotética) origem do nome “Cedofeita”, da ironia do nome dado à “Rua dos Bragas”, da “coragem” de D. João VI ou duma “Fábrica dos Asneiros”, assim mesmo, no masculino. E lembra, para além da Rua Júlio Dinis, a Maternidade Júlio Dinis e o Cinema Júlio Dinis.

E quanto a Júlio Dinis e à personagem de Manuel Quintino? O historiador revelou-se magnânimo e quis poupar os presentes a uma longa caminhada, “desistindo” de acompanhar o guarda-livros no percurso que desceria para a Ribeira e depois seguiria até Freixo, ao longo da marginal, para um regresso pela Rua do Heroísmo e Praça do Marquês, na altura Largo da Aguardente. Imagina-se, pois, o quanto terá ficado por dizer e que não caberia num programa de duas horas. Mas o que se disse foi muito. Disse-se, sobretudo, que, sem a intensidade de um Camilo ou a vivência política de um Eça, Júlio Dinis marca um tempo e um estilo, deixando um legado literário importante que, de certa forma, dá a conhecer a realidade do século XIX português. Será ele, para César Santos Silva, o inventor dos “romances cor de rosa”, sem qualquer sentido depreciativo. Vítima de tuberculose, Júlio Dinis deixou-nos com apenas 31 anos de idade. Foi um homem que, segundo Eça de Queirós, “viveu leve, escreveu de leve, morreu de leve”. Um homem e um tempo que hoje ficámos a conhecer melhor!

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