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PINTURA




EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “Murmúrios”,
de Rosa Bela Cruz
Auditório Municipal de Gondomar - Sala Júlio Resende
22 Jun > 28 Jul 2018

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Não se nasce mulher, torna-se...”. As palavras são de Simone de Beauvoir e encerram um grito de revolta contra a existência de uma construção e uma imposição social em relação ao que é ser mulher e que nada tem a ver com o simples determinismo biológico. Deixada assim em suspenso, a frase é todo um libelo contra uma suposta construção do feminino que se afirma antes mesmo do nascimento e que exige que a mulher se enquadre na sociedade, à luz do que dela é suposto esperar. É por ser esta uma realidade tão actual e porque vivemos num mundo onde o preconceito continua a distorcer a luta pela igualdade de género, que escutar estes “Murmúrios” se torna imperioso, independentemente do que de cruel ou trágico possam encerrar.

“Eterno retorno” às “suas” mulheres, as mais de meia centena de obras de Rosa Bela Cruz expostas nos dois pisos da Sala Júlio Resende, no Auditório Municipal de Gondomar, exprimem a demanda interior da artista em busca do significado e alcance da figura feminina. Na linha de mostras anteriores, os trabalhos agora apresentados têm um cunho marcadamente intimista, neles sendo visível a importância que a artista confere aos sentidos, dando voz àquelas que sempre calaram, erguendo as cabeças das que sempre curvaram, devolvendo ao olhar o alcance que as lágrimas sempre turvaram.

Autêntico paradigma duma pintura interventiva e vibrante, a série “Murmúrios” - conjunto de quinze telas de pequeno formato – resume de forma brilhante a mensagem da pintora. Mulheres sem rosto ou sem olhos, em segundo plano, na contra-luz, meras silhuetas ou esboços apenas são, ainda assim, mulheres, com a emoção da sua presença, com a intensidade da sua mensagem. “Os teus murmúrios são os gritos são os uivos / Os teus olhares gritam a dor dos corpos a dor do mundo / São estes os murmúrios que eu sinto na pele”, clama a poetisa Aurora Gaia para os murmúrios de Rosa Bela Cruz, condensando nesse clamor o sentir perante a força destes trabalhos. Mostra de enorme significado e alcance, “Murmúrios” abre uma oportunidade única de fruir a enorme beleza, na forma e no gesto, do conjunto aqui apresentado e sentir a força da voz de protesto e denúncia da artista, juntando-se a tantas outras, de Chimamanda Ngozi Adichie a Grada Kilomba, de Roxane Gay a Marielle Franco. Imperdível!




EXPOSIÇÃO DE PINTURA: Homenagem a António Joaquim
Biblioteca Municipal de Gaia
01 Jun > 01 Jul 2018


Entra-se na Sala de Exposições da Biblioteca Municipal de Gaia e é-se como que invadido por um deslumbramento, tão viva a forma como as obras se abrem ao olhar do espectador, tanta a sua beleza e justeza no traço, tão intensa a sua força e dinamismo, tamanha a formidável luz que delas emana. Em ano de interregno da Bienal de Gaia, a Cooperativa Cultural Artistas de Gaia não perdeu tempo e, no esforço de contribuir para a afirmação do Município de Gaia como a “Cidade das Artes”, levou por diante, entre outros, este projecto de homenagem a António Joaquim, uma exposição de pintura cuja inauguração teve lugar na tarde do passado dia 01 de Junho, na Biblioteca Municipal de Gaia, precisamente no dia em que se assinalou a passagem do 93º aniversário do nascimento do pintor.

Embora o conjunto de trabalhos agora expostos constitua uma pequena parcela do acervo do artista, nele se percebe o essencial da vida e obra de António Joaquim. São, ao todo, quase três dezenas de trabalhos que percorrem várias fases da sua carreira artística, entre os quais se destacam oito obras em acrílico que integraram a exposição “25 vezes o Porto”, levada a cabo pela Fundação Engenheiro António de Almeida por altura do 85º aniversário do artista e que datam de 2009 e 2010. A Ponte D. Luis, a Avenida dos Aliados, o Casario do Porto, a Calçada da Corticeira ou a Vista da Muralha Fernandina, são exemplos duma fase já tardia da obra do pintor, onde é patente um relativo distanciamento da sua faceta realista ligada ao paisagismo e uma incursão despojada, quase coloquial, no abstraccionismo, a espontaneidade do gesto a invadir territórios formais.

Da mostra fazem igualmente parte treze aguarelas executadas já depois dos 90 anos de idade e nas quais se condensa a maturidade, a beleza e a lucidez de toda uma obra de busca incessante pela essência da vida, de formas e de cores feita. Dos Caminhos de S. Bento da Porta Aberta ao Largo do Terreiro, da Igreja do Carmo ao Castelo da Feira, há todo um pulsar de vida, um fulgor e uma felicidade, reveladores da obstinação e determinação do pintor em prosseguir com o desígnio absoluto de criar. Finalmente, é possível ver ainda um exemplar da série “Portas” e alguns retratos notáveis, pertencentes a colecções particulares e ao acervo do Museu Convento dos Lóios, detentor das obras que o pintor doou ao Município de Santa Maria da Feira, de onde é natural.

Mas este foi também o momento de apresentação do livro “António Joaquim, Uma Vida, Uma Obra”, da autoria do Professor Doutor António Quadros Ferreira, filho do pintor, e editado pela Afrontamento. Não se tratando duma obra exaustiva do ponto de vista antológico, o livro compila, numa perspectiva bastante completa, o percurso artístico do pintor. No voltar das suas páginas percebe-se que a pictorialidade, em António Joaquim, foi um processo em constante evolução e que não se esgotou, antes se renovou, com a aprendizagem adquirida, sempre em ambiente do mais puro autodidactismo. Pelo singular exemplo de vida e pela magnífica obra que continuamente nos vai legando, resta agradecer ao pintor e deixar um apelo a que se visite esta exposição. Mas que se faça rapidamente, já que ela estará patente apenas até ao próximo dia 01 de Julho.




EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “Retratos de Autores Portugueses”,
de Do Carmo Vieira
Biblioteca Municipal de Ovar
18 Mai > 23 Jun 2018


Espraiamos o olhar por estes “retratos” como quem folheia com desvelo um livro querido, voltando pausadamente cada uma das páginas, as linhas impressas no papel a encontrarem correspondência na tela, nas linhas dos rostos dos retratados, marcas de vida intensa, imensa, plena. Na aparente serenidade da pose, Natália Correia esconde a vontade de gritar bem alto que “a desordem é necessária”, enquanto as rugas de Miguel Torga nos dizem “que belo é ter um amigo!”. E se o olhar de Zeca Afonso clama que “venham mais cinco”, a bondade no olhar de Sophia de Mello Breyner faz-nos sorrir ao lembrar que “mesmo que eu morra o poema encontrará uma praia onde quebrar as suas ondas”. Eugénio de Andrade, esse, diz-nos com veemência que “é urgente o amor”.

No realismo com que Maria do Carmo Vieira retrata cada um destes vultos da cultura portuguesa – pessoas que a acompanharam no seu percurso, que a influenciaram, que a inspiraram – reside a chave para que cada um possa ver para lá da simples composição pictórica. Fazendo uso das palavras da artista, aquilo que se evidencia em cada um destes oito retratos é a tentativa de “restituir à imagem visível, o invisível duma personalidade, num complexo conjunto de sinais como a força de um olhar, a passagem de um tempo que contém vivências, afectos... memórias”. Isso sente-se de forma clara na força com que aqueles olhos – todos os olhos (!) -, fitando-nos, convocam a emoção dum poema guardado num recanto querido da memória, dum concerto para sempre adiado ou dum encontro fugaz numa sala de teatro, as imponentes esculturas da “Yerma” a crescerem do palco e a invadirem os nossos corações.

Refira-se, enfim, que esta é a exposição certa no sítio certo. Locais inclusivos por definição, as Bibliotecas são pólos centralizadores das comunidades, espaços abertos à diversidade, fontes do saber por excelência. Ali se cultivam valores humanos fundamentais, se trocam experiências, se adquirem competências. Nesta homenagem que Maria do Carmo Vieira rende a estes grandes nomes das nossas artes e das letras (que podiam ser mais, que podiam ser outros), há uma homenagem implícita a todas as sedes do conhecimento e do desenvolvimento humano. Aqueles rostos ali retratados envolvem-nos com a força duma presença quase física, com a emoção do seu enorme humanismo, lembrando-nos o quão importante é o saber. Em fundo, a guitarra de Carlos Paredes tudo embala, estreitando público e artista(s) num abraço fraterno, emotivo, caloroso. Um abraço de agradecimento, também, a Maria do Carmo Vieira, pela sua arte e inspiração, pela dádiva da partilha. A ver, absolutamente, até 23 de Junho, na Biblioteca Municipal de Ovar!




EXPOSIÇÃO DE CERÂMICA: “Figurado de Estremoz”,
de Jorge da Conceição
Museu de Ovar
12 Mai > 02 Jun 2018


Patente numa das salas do Museu de Ovar, a exposição “Figurado de Estremoz “, do ceramista Jorge da Conceição, proporciona ao visitante momentos únicos de fruição e deleite por vários motivos. Desde logo, pelo próprio tema da mostra, o “Figurado de Estremoz”, cuja produção está classificada pela UNESCO como Património Imaterial da Humanidade, o que constitui um motivo de orgulho mais a acrescentar ao nosso vasto e riquíssimo património. Depois, pela técnica inerente à feitura de cada uma das peças – modeladas à mão, em barro vermelho, cozido e policromado -, um processo minucioso e que se prolonga no tempo por largos dias. Mas sobretudo pela paixão que o artista coloca em cada uma das peças que produz, peças únicas, de expressões únicas, umas vezes mais alegres, outras vezes mais sérias, circunspectas, mas sempre diferentes, como diferentes são os homens entre si.

É esta a base do trabalho de Jorge da Conceição e do qual uma parte nos rende agora visita, numa mostra constituída por 65 figuras de diferentes tipologias. Contrariando a ideia feita de que o Figurado de Estremoz são só “Primaveras” e “O Amor é Cego”, Jorge da Conceição traz-nos igualmente presépios, imagens de Santo António, de Nossa Senhora e da vida e paixão de Cristo, figuras alegóricas e contemporâneas, ofícios rurais e tradicionais, quotidiano doméstico, portugalidades e mesmo assobios. Extasiados, demoramo-nos em cada uma das peças, atentamos nos pequenos detalhes, admiramos a riqueza de pormenores, a delicadeza dos elementos compositivos de cada um dos quadros, a simplicidade e pureza que se derramam dumas mãos postas, duns joelhos em terra, duns braços que se estendem e se dão. E percebemos que não é todos os dias que temos a oportunidade única de ver quanta beleza se derrama duma superior inspiração e... dum par de mãos!

Admirável e tocante, o trabalho de Jorge da Conceição vem das mãos – as suas! - que modelam o barro e que, com o pincel, desenham delicadas linhas e formas de cores subtis. Mas vem, sobretudo, do coração. E isso sente-se. Há nele muito do que havia já no seu avô, Mestre Mariano da Conceição, um homem que na década de 30 do século passado contribuiu decisivamente para recuperar a arte, nessa época quase perdida, de produzir os “Bonecos de Estremoz”. E que se prolongou depois na avó Liberdade (que nome delicioso para quem trabalha estas peças, e não só), mas também na sua tia Sabina Santos e na sua mãe, Maria Luísa da Conceição. Embora S. Tomé não integre o lote de peças patentes ao público, apetece dizer que esta exposição de “Figurado de Estremoz” é “ver para crer”. Mas porque o tempo voa e três semanas passam a correr, o melhor é não deixar para amanhã o que pode ver e crer (ou querer) ainda hoje. Vá ao Museu de Ovar, admire o trabalho de Jorge da Conceição e confirme que há coisas neste mundo que valem verdadeiramente a pena!




TERTÚLIA: “Conversas Úteis”,
com Rodrigo Costa
Museu de Ovar
28 Abr 2018 | sab | 15:00


Em mais um momento de “Conversas Úteis”, a tertúlia que teve lugar na tarde de hoje trouxe ao encontro do público o pintor Rodrigo Costa, cuja exposição “Entre a Síntese e o Detalhe” pode ser presentemente apreciada na Sala dos Fundadores do Museu de Ovar. Ainda que o artista tenha na literatura um dos focos da sua atenção, a conversa decorreu à margem dos livros o que, não sendo inédito, é pouco usual num espaço de conhecimento e debate que tem sabido promover e consolidar, junto do público ovarense, o gosto pelas artes e pela leitura, em particular. Inédito, sim, como fez questão de salientar o Diretor do Museu de Ovar, Professor Manuel Cleto, foi o facto de termos tido Joaquim Margarido no papel de moderador, ao invés de Carlos Nuno Granja, a alma e o rosto habitual destas conversas.

Inaugurada no passado dia 14 de Abril, “Entre a Síntese e o Detalhe” permitiu comprovar as naturais expectativas criadas em torno da exposição, confirmadas uma semana mais tarde com a realização dum workshop de pintura com modelo, ao longo do qual foi possível ao público perceber a forma como razão e emoção coexistem na génese e decurso do processo criativo. Daí que esta conversa com Rodrigo Costa, direccionada para o artista e a sua obra, se tenha revelado particularmente útil, dando a possibilidade de completar muito do que ficou por dizer nos dois importantes momentos anteriores e revelando, no fascínio da Arte, o fascínio da própria Vida.

A leitura de “... Em Aranjuez... Em Aranjuez, Meu Amor!...”, poema da autoria do artista, superiormente declamado pela poetisa Aurora Gaia, serviu de mote para o arranque da conversa, ao encontro do processo de criação artística e do rejuvenescimento do olhar do pintor a cada dia que passa, convocando a eterna juventude. Ainda no domínio do etéreo, sem confundir espiritualidade com religiosidade, o pintor assumiu sem rodeios a sua fé na existência duma entidade superior - “chamemos-lhe Deus, se quisermos”, disse –, perturbadora porque imaterial mas profundamente presente na sua pintura. Uma entidade que, à revelia da razão, dita decisivamente o nascimento e desenvolvimento da obra, dirigindo a cor e orientando o traço.

Entre “chamados” e “escolhidos” - com Joaquim Margarido a citar o Evangelho Segundo S. Mateus para lançar novas questões -, o artista teve a oportunidade de contextualizar aquilo que é para si a inspiração e de, recordando os primórdios da sua carreira, falar da inquietação que, desde muito cedo, tomou conta de si e das dúvidas que, em matérias tão importantes como o ensino da arte, a sua promoção e o seu comércio, nunca se desfizeram, antes se avolumaram. “Para se elevar, basta ao artista valer-se da sua obra, sem precisar de apoucar o outro”, é apenas uma de várias afirmações de Rodrigo Costa, reveladoras do seu desconforto face à incompreensão, aos interesses instalados, ao servilismo e à mediocridade que tomou conta da sociedade em geral.

A parte final desta interessante conversa ficou marcada pelas questões colocadas pelo público mas, sobretudo, pelos testemunhos de Eulália Gonçalves, autora do texto de apresentação do catálogo da exposição “Entre a Síntese e o Detalhe”, Aurora Gaia, Medeia - modelo “respeitosamente desrespeitado”, e ainda Elizabeth Leite, pintora em ascensão e admiradora confessa da obra de Rodrigo Costa. Perante figura tão singular, tão rica de experiências, tocante de sinceridade e frontalidade, tão apaixonada pela vida, foi muito o que ficou por dizer. Mas sosseguem-se os espíritos porque a história não acaba aqui. Até ao próximo dia 12 de Maio, data do encerramento da exposição, lugar ainda a dois workshops de pintura com modelo, o primeiro dedicado à técnica de pintura a carvão (5 de Maio) e o segundo dedicado à técnica a óleo (dia 12 de Maio). Neles, o espaço de diálogo será sempre privilegiado e a conversa útil voltará, certamente, a acontecer. A não perder, portanto!




EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “Entre a Síntese e o Detalhe”,
de Rodrigo Costa
Museu de Ovar
14 Abr > 12 Maio 2018

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Toda a intuição artística autêntica ultrapassa o que os sentidos captam e, penetrando na realidade, esforça-se por interpretar o seu mistério escondido. O seu fluxo brota das profundezas da alma humana, lá onde a aspiração de dar um sentido à própria vida se une com a percepção fugaz da beleza e da unidade misteriosa das coisas. Foi isto que Rodrigo Costa conseguiu transmitir no workshop de pintura que ministrou no Museu de Ovar no passado sábado, 21 de Abril, e que serve de base a uma leitura mais rica e detalhada do conjunto de obras que compõem a exposição “Entre a Síntese e o Detalhe”, da sua autoria.

Das paisagens amplas duma natureza que, na sua placidez aparente, encerra o germe da fúria e da destruição, à calma do atelier, espaço de conforto transformado em desconforto pelo impulso criador, o conjunto expositivo contempla uma viagem entre o real e o imaginário, abrindo ao espectador a possibilidade de fruir o que é dito e de intuir o tanto que fica por dizer em cada uma das obras apresentadas. A dimensão da arte de Rodrigo Costa transcende o belo e coloca-se além do juízo estético de cada um. Cada obra sua revela que o artista é pensamento, inteligência, razão, mas também é emoção. O meio envolvente, a natureza, o que observa “sob céu de silêncios” ou num “poema do princípio sem fim”, é transmitido ao espectador de forma emocional, lançando-o nas mesmas dúvidas e certezas perante emoções de prazer ou desagrado, gosto ou tristeza, beleza ou fealdade.

Rodrigo Costa não é alguém preocupado em criar rupturas, porque, como o próprio afirma, nunca viu na Pintura, ou na Arte em geral, mais do que poesia, espaço de expressão do que se sente, contando segredos tornados histórias que não quer deixar caladas. Que há de novo, então, que possa oferecer, se não o move o interesse de percorrer caminhos diferentes ou, mesmo, fazê-los ao contrário? A resposta não poderia ser mais eloquente e está nas palavras do artista: “Novo é o caminho que fizermos, sendo o nosso; é o destino que desenharmos com o nosso gesto; é a integridade com que nos aceitamos, sem nos desvirtuar a obsessão por um lugar na História... Novo é o que fizermos ser nosso reflexo – que a História está farta de quem não se aceita na imagem que o espelho mostra”. É esta carga de verdade que atravessa “Entre a Síntese e o Detalhe”, conjunto de dezasseis trabalhos de enorme beleza e alcance e que pode ser apreciado até ao próximo dia 12 de Maio na Sala dos Fundadores do Museu de Ovar.




WORKSHOP DE PINTURA: “Entre a Síntese e o Detalhe”,
de Rodrigo Costa
Museu de Ovar
21 Abr 2018 | sab | 15:00

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Inaugurada no passado dia 14 de Abril, a exposição de pintura “Entre a Síntese e o Detalhe”, de Rodrigo Costa, não se esgota nas dezasseis belíssimas composições patentes ao público no Museu de Ovar e sobre as quais procurarei pronunciar-me em breve aqui no Blogue. O programa inclui, ainda, uma conversa com o artista, que terá lugar na tarde do próximo sábado, dia 28 de Abril, para além dum workshop de pintura que decorreu na tarde de ontem e que chamou à Sala dos Fundadores do Museu de Ovar um numeroso grupo de amigos ou simples admiradores do pintor, para três horas de partilha de experiências, conhecimento e deleite. Tendo por tema “Medeia”, a tragédia grega de Eurípedes, e contando com a actriz Aurora Gaia a servir de modelo, o workshop teve um particular enfoque na parte emocional da pintura enquanto forma de expressão, na sua vertente essencialmente subjectiva, acabando por se revelar, desse ponto de vista, inusitadamente intenso, ao mesmo tempo perturbador e fascinante.

Rodrigo Costa começou por evidenciar a importância do dramatismo do objecto artístico e a forma como isso é determinante para o envolvimento do artista com a sua obra. Pintar é todo um processo profundamente íntimo – toda uma “paixão”, nas palavras do artista – que tem o seu início quando se escolhe o tema e cujo desenvolvimento decorre à margem da vontade consciente. “Tenho de me guiar por aquilo que me vem de dentro”, confessa o artista, a voz embargada pela emoção. Desde o esqueleto, traçado a aguarela em pinceladas rápidas e decididas, até aos detalhes finais, com o pastel a ser a opção para vincar a força das formas e da cor, Rodrigo Costa mostra o quanto a pintura é um trabalho complexo, fonte de dor e prazer, ditado pela razão mas, sobretudo, pelo coração. Ainda que suportado em princípios minimamente concertados, é um processo conduzido por cada pincelada, um trajecto eminentemente emocional. O público sente isso e mostra-o com um silêncio quase reverencial.

O olhar recai sobre o papel e, paulatinamente, o desenho vai adquirindo definição. O espectador vê a aguarela fluir e percebe como que uma espécie de fuga à identificação dos detalhes. A preocupação deixou de ser o modelo para recair agora sobre a própria identidade do artista, o seu grafismo. As ideias surgem a uma velocidade alucinante, são demasiadas as dúvidas para tão poucas certezas. O pintor angustia-se, debate-se. É fundamental ouvir-se, escutar-se a si próprio, sentir a cada momento quando é que pode avançar, como é que pode avançar. E é isso que irá fazer. As palavras não são mais dirigidas ao público, de quem o artista se alheou. Recolhido sobre si mesmo, ensaia um solilóquio no qual se intuem respostas. Os sussurros são audíveis, o sentido das palavras escapa ao entendimento - “dão-me estas pancadas...”, “ok, ok, óptimo...”, “talvez o diabo nunca tenha estado num cenário destes...”. O gesto alarga-se. Há desespero e há fúria. Aquela personagem irrequieta, que reparte o seu olhar entre a tela e o modelo, que recua dois passos para avaliar o progresso do seu trabalho, que se afoita na escolha da cor ideal, do pincel ideal, que se lança sobre a obra para esbater com o dedo uma mancha de tinta ou para soprar o papel libertando-o do pó que o pastel deixou é, afinal, duas, e não uma pessoa. O Rodrigo Costa racional sabe que não pode contrariar o Rodrigo Costa emocional e deixa-se ir ao sabor dum apelo que passou a dominá-lo.

“Não interessa se é ou não é; se não é, passa a ser”. Entre avanços e recuos, a determinação com que ataca a obra mostra que soube escutar o seu íntimo. Há traços e linhas e elementos estruturais que deixaram de ser vistos como incómodos acidentes de percurso e se transformaram em pepitas caídas no sítio certo e que irão ser preservadas. O trabalho está praticamente concluído. Agora o cérebro começa a brincar e surgem coisas que já pouco acrescentam à composição final. Entra-se na fase perigosa, quando o bom é inimigo do óptimo. “Acho que é isso!”, diz com determinação o artista, recuando dois passos e baixando lentamente os braços. Com a sala suspensa, Rodrigo Costa parece saído dum transe quando encara o público. A voz adquiriu a normalidade. Divide o olhar entre a obra e os presentes na sala. “Assim, de repente, para que as pessoas percebam minimamente, acho que a situação está resolvida”, serão as suas palavras finais. Ainda inquieto, a recuperar da emoção, o público aplaude com vigor. “Medeia” desce do seu trono e observa aquilo que é a sua representação. “Que lindo”, exclama, feiticeira tomada pelo feitiço da forma e da cor. Mas a história não acaba aqui!...




EXPOSIÇÃO: “Ribeira Negra – Genealogia e Processo”,
de Júlio Resende
Museu e Igreja da Misericórdia do Porto
23 Mar > 18 Mai 2018

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De Outubro de 2017 a Outubro de 2018 celebra-se o centenário do nascimento de Júlio Resende, ocasião de grande relevo cultural cujo programa integra diversas iniciativas em vários pontos do país. Depois de ter sido possível apreciar as exposições “A Experiência do Lugar – Desenho de Júlio Resende” e “O Sentido da Viagem”, respectivamente na Oliva Creative Factory, em S. João da Madeira, e na Casa da Cultura de Estarreja, tempo agora para falar de “Ribeira Negra - Genealogia e Processo”, exposição que a Santa Casa da Misericórdia do Porto, em colaboração com o Lugar do Desenho - Fundação Júlio Resende, inaugurou na passada sexta-feira, no Museu e Igreja da Misericórdia do Porto.

Os lugares nunca foram indiferentes a Júlio Resende, que neles soube colher a marca das suas comunidades e os sinais de um destino humano, cumprido nas actividades quotidianas e na relação telúrica e cósmica. A curiosidade face ao meio envolvente e a capacidade de sugerir a vivência dos sítios e a densidade das paisagens, exigiram exercícios formais e reinterpretações visuais que acrescentam, ao valor documental, a dimensão plástica e estética. Esta exposição, em particular, revisita o projecto “Ribeira Negra” através dos estudos e dos materiais que ilustram eficazmente o processo de trabalho de Júlio Resende, dando-nos igualmente uma visão abreviada das problemáticas que sempre mobilizaram o artista e revelando alguns dos traços mais significativos da sua produção.

Composta por alguns estudos e trabalhos executados entre 1979 e 1986, e que ilustram o processo que o artista desenvolveu para criar a obra “Ribeira Negra”, a exposição evidencia a existência de duas “Ribeiras Negras”, uma integralmente trabalhada em atelier e que pode ser aqui apreciada e a outra, painel de azulejos de grandes dimensões, peça única de enorme qualidade e significado, que desde 21 de Junho de 1987 faz parte do património da cidade, encontrando-se implantada a pouco mais de 500 metros do MMIPO. “Ambas possuem uma personalidade própria, não podendo, por isso, considerar-se a primeira um estudo preparatório da segunda, ainda que a segunda não possa ser entendida à margem da consideração da primeira, de que descende”, conforme refere o pintor. O público pode ainda tomar contacto com os materiais utilizados na realização da obra e algumas peças em grés, parte do processo de experimentação do artista.

Mas esta visita à Exposição não ficaria completa sem a visualização do extraordinário painel. Estendendo-se por uma área de um pouco mais de duzentos metros quadrados e sendo formado por cerca de 1800 azulejos em grés, o painel “Ribeira Negra” ocupa uma boa parte do muro de suporte, no trecho da Avenida Gustave Eiffel, entre o túnel da Ribeira e o tabuleiro inferior da Ponte D. Luis I. Autêntico e sentido manifesto em prol da dignificação da vida, “Ribeira Negra” exalta a dignidade das gentes desta zona da cidade, o seu estoicismo e coragem a sua resiliência e força de viver. A visita a ambos os conjuntos é mandatória!




EXPOSIÇÃO: “Encontros”,
de Günter Grass
Casa-Museu Guerra Junqueiro
02 Mar > 23 Set 2018

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Se fosse vivo, Günter Grass teria 90 anos. A data é assinalada com a exposição “Encontros”, um projecto do Goethe-Institut Portugal e que está patente ao público na Casa Museu Guerra Junqueiro, no Porto. Nela é possível apreciar um conjunto de trabalhos dum período que se estende de 1974 a 2009 e que revela uma das facetas menos conhecidas do escritor, prémio Nobel da Literatura em 1999 e que manteve uma ligação muito forte a Portugal.

No isolamento deste país à beira mar plantado, Grass encontrou, desde o início dos anos 80, a tranquilidade que muitas vezes procurava em vão na Alemanha. Plantou agaves no seu terreno, extraiu tinta de chocos com as próprias mãos e, como cozinheiro, utilizou com paixão os produtos da região. Achados, como conchas, penas e pedras das praias junto ao Atlântico, encontraram eco nos seus universos de palavras e imagens, como esta exposição demonstra de forma notável.

Distribuída por três pisos, a exposição tem nalgumas citações belíssimas do autor - “O meu luxo / é ter limões meus / para o chá. / Em Portugal tenho uma arvorezinha / que me é prestável no inverno.” ou “Um ramo esculpido pelo vento, / e penas, deixadas por um maçarico-branco. / O mar bate devagar. / A felicidade, dizem, / é um objecto achado.” - uma espécie de nota introdutória. O resto são desenhos, aguarelas, gravuras e esculturas que prolongam esta nota de sensibilidade e mostram um artista preocupado com o mundo à sua volta. Dum naturalismo comovedor, dando uma profunda atenção ao detalhe, Günter Grass aproxima a obra gráfica da sua produção literária, pontuando-a de reflexões sobre a brevidade da vida e sobre os caminhos que conduzem à deterioração e à morte. Uma exposição notável, para ver até 23 de Setembro.




EXPOSIÇÃO: “Del. Sculp, Et Imp. - A Gravura de Abel Salazar”
Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense
24 Fev > 21 Abr 2018


Abel Salazar (1889 – 1946) nasceu em Guimarães mas viveu a maior parte da sua vida na cidade do Porto, onde terminou o liceu e se formou em medicina pela Faculdade de Medicina do Porto. Num país envolto no mais profundo obscurantismo cultural, notabilizou-se pelo seu espírito resiliente, tornando-se um ícone histórico de resistência ao regime autoritário do Estado Novo. Investigador, professor universitário, cronista, artista plástico, a sua personalidade polivalente é um dos alicerces mais fortes na construção que hoje se faz da sua figura atípica.

A par de um importante trabalho na área científica – que lhe valeu reconhecimento internacional – e da docência na Faculdade de Medicina do Porto, Abel Salazar desenvolveu uma profusa obra artística, produzindo centenas de pinturas, desenhos, esculturas e obra gráfica. Se por um lado foi incapaz de compreender o modernismo, por outro recusou a adesão às correntes tradicionalistas e a um academismo de virtuosismo estéril. O seu percurso, alheio a circunscrições históricas rígidas, focou-se em preocupações pessoais – em ambos os aspectos: formal e temático -, embora as suas referências se encontrem sobretudo no século anterior ao seu.

Abel Salazar começa a produzir gravura em 1925, num período de difícil acesso aos materiais e informação específica. Foi com grande investimento pessoal – mesmo financeiramente – que se dedicou à gravura, partindo sobretudo de um conhecimento de base livresca. Mais interessado nas características plásticas e visuais do meio, Abel Salazar utilizou esta técnica sobretudo para criar imagens únicas, equiparando-a ao seu trabalho de pintura. Livre dos constrangimentos de uma escola ou de uma abordagem meramente oficinal, a sua gravura emancipa-se da ideia redutora de mero meio de reprodutibilidade, sendo encarada como meio de produção artística, com características gráficas e formais particulares. Visando aprofundar o conhecimento histórico e técnico deste artista, uma parte representativa desse espólio chega agora ao Museu Júlio Dinis, numa exposição coordenada por Luisa Garcia Fernandes e André Azevedo e com curadoria de João Sousa Pinto. Para ver até ao próximo dia 21 de Abril!

[Texto baseado no catálogo da exposição, da autoria de João Sousa Pinto]




EXPOSIÇÃO: “Narrativas”,
de Maria Afonso
Casa da Cultura de Estarreja
10 Mar > 29 Abr 2018


Será a alma um ente passível de ser mapeado? A resposta parece estar na mais recente exposição de Maria Afonso, “Narrativas”, um percurso de 30 obras sobre as quais a artista refletiu e trabalhou ao longo de cinco anos e que está patente na Casa da Cultura de Estarreja. No seu conjunto, o resultado pode ser visto como uma proposta de mapa interior: uma paisagem difusa em tons de negro e vermelho, pontos unidos entre si por linhas que acabam por se perder, um emaranhado de palavras dispersas e um código implícito que se oferece ao espectador a fim de ser deslindado.

Fascinados, agarramo-nos à convicção de estarmos perante um vasto e complexo conjunto de mapas. “You're here”, sinal inequívoco duma cartografia dos sentidos, pode ler-se algures. Há linhas mais definidas que podem ser caminhos, aqui cruzando-se, ali afastando-se; outras serão ribeiros onde a água corre límpida, ora suave e breve, ora caudalosa, em torrentes de espanto. Há vales e colinas, altos e baixos duma vida/terra com sentido. E há árvores e rochas e prados e céu. Rendidos à sensibilidade e despojamento da artista, seguimos os sinais. “Objectos cruzados”, “trabalho de ligação”, “reinvenção”, “criação artística” e a palavra “arte”, três vezes repetida, juntam-se a “meditações”, “silêncio”, “tempo”, “pensar” e “processo”, condensando “A Missão” e permitindo avaliar a dimensão do trabalho de Maria Afonso / Elisabete Amaral, do caos criativo inicial ao produto acabado, reflexo revelador do desassossego que tomou conta do seu trabalho entre 2011 e 2016.

O pensamento vagueia ao sabor das palavras. “Viagem” e “prazer” são linhas de Norte recorrentes, nas quais o espírito mergulha ao encontro de “amor”, “mistério”, “romance”, “luxúria”, ou de coisas mais práticas como “museu”, “obra”, “Sinfonia nº 2”, “livro”, “as árvores”, o “Sol” ou a “Terra”. Nestas narrativas há “sombras”, “drama”, “arestas” e “fragilidades”. Mas há também “feitiço”, “a magia do lugar” e “amantes (quase)”. Há, sobretudo, “poesia”, a palavra mais vezes impressa na obra de Maria Afonso. Uma poesia que se derrama, de forma incontida, inesgotável, de cada um destes quadros. Que nos inunda duma imensa felicidade, nos leva por “caminhos” de “festa” e de “vida”, nos faz escutar o último acto de “La Bohéme” com o coração ainda mais apertado. Que nos leva nas asas do “sonho” e do “desejo”. A não perder!




EXPOSIÇÃO: “D'Idalécio... Todos Temos um Pouco”,
de Idalécio
Galeria Cruzes Canhoto | Rua Miguel Bombarda, 452 – Porto
Abre diariamente às 10:00 (às vezes às 11:00, outras vezes não abre). Fecha às 19:00 (às vezes às 20:00, outras vezes não fecha)

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Quando se juntam arte bruta, arte primitiva e arte popular, isso é... Cruzes Canhoto. Assim mesmo, a Galeria ao fundo da Miguel Bombarda, única no seu género na Península Ibérica e onde se esconde todo um mundo marginal, pleno de magia, mito e fantasia, à espera de ser descoberto. Criadas por pessoas com universos mentais absolutamente singulares – na sua maioria auto-didactas que se exprimem de forma intuitiva, sem pretensões comerciais ou ambições de celebridade – as peças exibidas na Galeria constituem um universo fantástico, de cores e formas fora do comum, com origem nas entranhas mais profundas e remotas da natureza humana.

É lá que é possível descobrir Idalécio, metalúrgico sexagenário, um artista auto-didacta, agora apresentado pela primeira vez ao público na exposição “D'Idalécio... Todos Temos um Pouco”. As suas esculturas, sobretudo as mais recentes, são quase todas monocromáticas e construídas com pedaços toscos de madeira, usando como ferramenta quase em exclusivo um machado, o que lhes confere um aspecto bruto, primitivo e minimal. Por outro lado, as suas telas, apesar de marcadas por figurações exuberantes e maximalistas, são definidas por traços seguros e por uma combinação de cores irrepreensível, qualquer que seja a paleta escolhida, numa construção harmoniosa e elegante.

Artista pop e populista, surreal e tropicalista, Idalécio inspira-se fortemente na arte popular portuguesa, de que é apreciável conhecedor, sendo um habitual frequentador das festas, romarias e feiras de artesanato que se realizam por todo o país. Ali, recupera alguns dos elementos e motivos do imaginário rural, em que o sagrado e o profano seguem quase sempre a par, para desferir duras e sarcásticas críticas aos poderes instituídos, em especial aos herdados da cultura judaico-cristã. Perante a ausência gritante de genuinidade do atual panorama artístico, a arte de Idalécio é duma pureza comovente, um bálsamo para os sentidos. Um artista a conhecer numa Galeria a visitar. Sempre!

[Texto baseado no catálogo da Exposição, gentilmente oferecido por Maria Canhota]



EXPOSIÇÃO: “No Tempo Todo”,
de Álvaro Lapa
Museu de Arte Contemporânea de Serralves
08 Fev > 13 Mai 2018

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A exposição "Álvaro Lapa: No tempo todo” é a mais abrangente retrospectiva da obra deste artista (Évora, 1939 — Porto, 2006) alguma vez realizada. Artista autodidacta e escritor, a sua formação académica concretiza-se por via da filosofia: é na qualidade de professor de Estética na Faculdade de Belas Artes do Porto que, a partir de 1976 e durante mais de duas décadas, vai deixar uma marca indelével em gerações consecutivas de artistas.

A exposição em Serralves junta obras de importantes museus e de colecções institucionais e privadas, incluindo colecções pertencentes a artistas, arquitectos e escritores que definiram, também eles, a paisagem artística e intelectual em Portugal na segunda metade do século XX. Pela primeira vez estarão reunidas mais de 290 obras de vários períodos da carreira de Álvaro Lapa, abrangendo pintura, desenho e os raros objectos que criou, numa exposição que evidencia o extraordinário contributo do artista para a arte contemporânea.

Álvaro Lapa é uma das figuras mais enigmáticas da arte portuguesa do século XX, com um corpo de trabalho tão relevante e visualmente atractivo quanto elusivo. Ao longo de quatro décadas, Lapa desenvolveu uma exploração sustentada do território da pintura enquanto texto e da imagem enquanto pensamento. A obra do artista estrutura-se em grande medida em torno dos géneros da paisagem e do retrato, e frequentemente nos espaços entre eles. O léxico visual de Lapa consiste em séries narrativas que incluem a palavra escrita, fragmentos de linguagem e trechos de conversas, bem como elementos pictóricos e autorretratos abstratizantes. O seu trabalho é também marcado por uma intensa e prolongada relação com a literatura, reflectida na sua série de pinturas intitulada “Cadernos”, dedicada a figuras literárias como Homero e Rimbaud.

[Extraído do roteiro da Exposição, em www.serralves.pt/pt/actividades/alvaro-lapa-no-tempo-todo/]




EXPOSIÇÃO: “O Céu é um Grande Espaço”,
de Marisa Merz
Museu de Arte Contemporânea de Serralves
19 Jan > 22 Abr 2018

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O Museu de Arte Contemporânea de Serralves apresenta, até ao próximo dia 22 de Abril, uma exposição retrospetiva da pintora e escultora italiana Marisa Merz (1926, Turim, Itália). Organizada pelo Hammer Museum, Los Angeles, e pelo The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque, "The Sky is a Great Space” é agora apresentada na Europa em colaboração com o Museu de Serralves e o Museum der Moderne Salzburg, Áustria. A exposição reúne cinco décadas de obras da artista e inclui as primeiras experiências de Merz no contexto da Arte Povera com materiais e processos não tradicionais; as cabeças e rostos enigmáticos que criou nas décadas de 1980 e 1990; e as instalações que conciliam a intimidade com uma escala impressionante.

Marisa Merz alcançou o reconhecimento internacional como membro do círculo de artistas associados à Arte Povera no final da década de 1960. Movimento de vanguarda que rejeitou a riqueza material da Itália a favor de materiais "pobres”, a Arte Povera foi identificada com o radicalismo do movimento estudantil, mas proclamou não ter um credo estilístico ou ideológico, exceto a negação dos códigos existentes e das limitações do mundo da arte. A obra mais antiga de Merz, iniciada cerca de 1966 na casa que partilhava com o marido, o artista Mario Merz, é Living Sculpture, um emaranhado de alumínio modelado pendurado do teto que combina arestas metálicas afiadas e ásperas com contornos suaves e biomórficos, expandindo o conceito de "mobile” até se tornar um colosso.

No final da década de 1960, Merz passou a criar uma série de obras poderosas a partir de materiais não tradicionais que tomavam por referência a sua vida familiar e a tradição italiana mais vasta do polimaterialismo: esculturas de cobertores enrolados amarrados com fio de nylon que eram usadas ocasionalmente como adereços nas performances que o marido fazia; um baloiço de contraplacado para a filha que alia o rigor da escultura à brincadeira jovial; e uma série de esculturas de fio de nylon tricotado, incluindo os sapatos que a própria artista às vezes usava. Na década de 1970, as instalações típicas de Merz em materiais pobres — delicado fio de cobre, taças de água salgada, agulhas de tricô — tornaram-se cada vez mais complexas. Após 1975, a artista começou a esculpir uma série de pequenas cabeças, muitas vezes modeladas em barro não cozido. Estas foram apresentadas na década de 1980 e tornaram-se emblemáticas da sua prática artística e dos seus trabalhos mais tardios.

Nas últimas duas décadas, a obra de Merz tornou-se ainda maior e mais complexa. As peças individuais continuam a ser integradas em instalações multimédia de tamanho e complexidade variável. A sua pintura e a obra gráfica também se tornaram mais elaboradas, combinando elementos de colagem e diversos materiais, incluindo fita adesiva, espelhos, molas para papel, tampas de garrafas e pigmentos metálicos, assim como um grupo recente de grandes pinturas de anjos alados, que contrastam a impressionante beleza com uma surpreendente ausência de sentimentalismo.

[Texto extraído do catálogo da exposição, em https://www.serralves.pt/pt/actividades/marisa-merz-o-ceu-e-um-grande-espaco/]




EXPOSIÇÃO: “Modernismo Brasileiro na Coleção da Fundação Edson Queiroz”
Museu Coleção Berardo, CCB Lisboa
26 Out 2017 > 11 Fev 2018


Embora a mostra “Modernismo Brasileiro na Coleção da Fundação Edson Queiroz” tenha já encerrado, não posso deixar de falar nela, não apenas pela homenagem às diversas vertentes e influências do Modernismo Brasileiro que encerra como, ao mesmo tempo, pela grande aposta em levar o público português a conhecer a trajectória de artistas brasileiros do período de 1920 a 1960. Pela primeira vez fora do Brasil, a mostra esteve patente no Museu Coleção Berardo ao longo de três meses e meio, contando com uma selecção apurada de 76 obras pertencentes à Coleção da Fundação Edson Queiroz.

Inserindo o público na atmosfera modernista do espaço, a mostra dividiu-se em seis núcleos, associando a trajectória dos artistas ao contexto histórico e artístico em que viveram. Entre as pinturas e esculturas presentes na exposição, encontram-se obras que vão da primeira fase moderna no Brasil, ainda com formação europeia – como Lasar Segall, Flávio de Carvalho, Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro e Victor Brecheret – até ao aparecimento do manifesto neoconcreto carioca, já na segunda metade do século XX. O percurso expositivo inclui também artistas interessados na busca de um imaginário próprio para o país, como Tarsila do Amaral, Cícero Dias, Di Cavalcanti e Candido Portinari. Depois, aponta para as novas vertentes abstractas e formais do pós-guerra, cujos representantes são Alfredo Volpi, José Pancetti e Maria Leontina.

Seguindo cronologicamente, a exposição apresenta obras de integrantes do Grupo Frente e do Grupo Ruptura, que acompanharam um novo momento da arte brasileira, marcado pelo aparecimento dos Museus de Arte Moderna do Rio de Janeiro e de São Paulo, e da Bienal Internacional de São Paulo, em 1951. A exposição encerra com a produção das décadas de 1950 e 1960, revelando uma diversidade de expressões artísticas, tão evidentes nas obras de Ivan Serpa, Tomie Ohtake e do próprio Iberê Camargo, como nas propostas radicais de artistas que tinham participado no movimento neo-concreto carioca. Trata-se do momento em que uma completa revisão de paradigmas se opera e a arte brasileira toma novos rumos, aproximando-se da chamada arte conceptual.

[Texto baseado no folheto que acompanha a exposição e que pode ser consultado emhttp://pt.museuberardo.pt/sites/default/files/documents/20102017_fs_modernismopt.pdf]




EXPOSIÇÃO: “As Ilhas do Ouro Branco”
Encomenda Artística na Madeira nos Séculos XV e XVI
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa
16 Nov 2017 > 18 Mar 2018


A introdução do cultivo da cana-de-açúcar no arquipélago da Madeira, nos finais da primeira metade do século XV, e o desenvolvimento dessa produção em larga escala, permitiram a exportação de açúcar para os portos da Flandres, primeiro através de Lisboa, depois diretamente. Aumentou, assim, por toda a Europa, o consumo do «ouro branco», alterando hábitos alimentares e algumas práticas medicinais. Em paralelo, cresceu a importação para o arquipélago de bens destinados a satisfazer as devoções e a definir o estatuto social dos novos grupos populacionais constituídos à sombra dos canaviais e da economia açucareira.

Geograficamente isolado, em pleno Atlântico – no espaço ambíguo proporcionado pela ligação directa ao senhorio régio e pelo poder económico das elites que se foram estabelecendo e gerando redes comerciais -, o Arquipélago da Madeira conquistou, no território nacional, uma posição ela mesma ambígua, entre capital e província. Esta a razão da qualidade, quantidade e opulência do património artístico aí acumulado, apenas superado pela arte consumida no círculo directo da corte.

Marcando o arranque das Comemorações dos 600 Anos do Descobrimento da Madeira e Porto Santo, esta embaixada cultural do arquipélago em Lisboa é constituída por 86 obras de arte, agora patentes no Museu Nacional de Arte Antiga. Ao longo de uma narrativa que parte do espanto dos primeiros navegadores perante o novo território e prossegue com a evocação do esforço do povoamento e da implantação de estruturas económicas e administrativas no arquipélago, esta exposição dá a conhecer as elites comitentes locais através das suas encomendas – obras de pintura, escultura ou ourivesaria – provenientes da Flandres, do continente e até do Oriente.

Ilustrando a diversidade e a grandiosidade das encomendas e a sua ampla distribuição pelo território das duas grandes capitanias em que se dividiu a ilha da Madeira – Funchal e Machico -, expõem-se, no último núcleo desta mostra, algumas das mais destacadas obras-primas, como a Cruz Processional da Sé, a Virgem chamada de D. Manuel, do Machico, ou os conjuntos retabulares de grandes dimensões realizados para capelas da Sé do Funchal, para conventos urbanos ou mesmo para pequenas e médias igrejas paroquiais, como as da Ribeira Brava, da Madalena do Mar e da Calheta. No seu conjunto, permitem realizar uma síntese de toda a narrativa da exposição, documentando, com particular brilho, a riqueza do património madeirense dos séculos XV e XVI que resultou do esplendor cultural proporcionado pelo ciclo económico do “ouro branco”.




EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “Palco(s) da Memória”,
de Elizabeth Leite
Curadoria | Agostinho Santos
Sala Júlio Resende | Auditório Municipal de Gondomar
03 Fev > 17 Mar 2018


Visitamos uma exposição de Elizabeth Leite com a mesma emoção com que se visita um amigo querido. A franqueza no olhar e no traço são como o abraço que aquece e anima. Sem dissimulações nem falsidades, a vida vive-se aqui olhos nos olhos e a verdade é um ideal de todas as horas. Das personagens tão vivas, tão gente, derrama-se uma tal bondade que é com o coração pequenino que nos deixamos invadir pela sua sinceridade e nos revemos naquilo que fomos, naquilo que somos.

Em “Palco(s) da Memória”, a exposição agora patente na Sala Júlio Resende do Auditório Municipal de Gondomar, a artista volta a despir-se de preconceitos e a oferecer-nos a sua pintura naquilo que tem de mais puro e livre. Recuperando uma parte das obras que já tinha exposto em Ovar no Verão passado, Elizabeth Leite acrescenta-lhes um conjunto de trabalhos muito recentes, mais depurados mas não menos impactantes do ponto de vista emocional. Particularmente relevantes são as suas memórias dumas férias no Mediterrâneo e que se traduzem na série “Uma tarde de verão feliz”, as águas cálidas que servem de palco às brincadeiras das crianças sendo as mesmas que se constituem em cemitério insaciável para milhares de migrantes ano após ano.

O conjunto de obras expostas integra ainda a série “Retratos”, de 2005, e um conjunto de pinturas sobre azulejo, igualmente datados de 2005, o todo complementado com uma série de fotografias, catálogos e objetos pessoais, fundamentais para melhor se compreender e interpretar o universo pessoal da artista. Aos gondomarenses oferece-se agora a oportunidade de apreciar o talento de Elizabeth Leite, naquela que será uma das grandes exposições de 2018. Por mim, reitero aquilo que já tinha referido em anterior apreciação à obra da artista: “Paira no ar uma apaziguadora sensação de liberdade. A felicidade mora aqui!”




EXPOSIÇÃO DE DESENHO: “O Sentido da Viagem”,
de Júlio Resende
Casa da Cultura de Estarreja
13 Jan > 25 Fev 2018

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Porque muitos dos desenhos de Júlio Resende representam lugares que visitou ao longo da sua vida, também o “Lugar do Desenho” não se confina a Valbom e à Fundação com o seu nome. No Centenário do nascimento do pintor (1907 – 2017), uma parte da sua obra viaja pelo País inteiro, encontrando por estes dias, na Casa da Cultura de Estarreja, o porto de abrigo perfeito. Denominada “O Sentido da Viagem” e congregando cerca de quatro dezenas de desenhos do Mestre, esta Exposição, mais do que testemunhar a sua passagem por Goa, Cabo Verde ou Brasil, é a prova dum génio que não pára de nos surpreender.

Do Brasil retemos pessoas e animais, cães, gatos e papagaios e homens de chapéu amarelo e meninos e mulheres a bordar na soleira da porta, todos num espanto parado debaixo do sol. Quase só aguarelas, os tons esmaecidos a sugerirem mais do que a revelarem, a vida aprisionada nas cores e nos tons, pronta a libertar-se num chuto na trapeira ou num canto a Oxalá. De Goa vem a vibração da cor, nos trajos das mulheres, na roupa que lavam ou que estendem, na animação dos mercados ou, até, nos momentos de serenidade. Confinado ao pastel, o traço é rápido, impreciso, como se o pintor tivesse essa necessidade de abarcar tudo num nada de tempo. Finalmente Cabo Verde, a sua aridez, as montanhas vulcânicas que se tingem de vermelhos e cinzas aos caprichos da luz, os barcos na areia negra, ainda o pastel. E depois a caneta a definir o traço dum homem sentado (face ao mar?) ou de uma mulher, cabelo desgrenhado, lábios vermelhos, cabeça levantada (face à vida?).

Pintor exímio, amante do desenho como metáfora de todo o ato criativo e resultado de diversas vivências, Júlio Resende assimilou vertentes culturais diversificadas na sua correria pelo mundo, oferecendo-nos uma visão da dimensão humana e da sua diversidade. Na expressão dos sentimentos, através da sua impressão da realidade e dos lugares, visitamos espaços vividos com arte e, ao mesmo tempo, viajamos ao interior do artista. Estes pressupostos concentram, em síntese, o convite da Casa da Cultura de Estarreja a uma viagem pelo traço do pintor. Uma proposta singular, de desafio e fascínio feita. Para saborear, até 25 de Fevereiro!




EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “Fernando Pessoa”,
de Joakin Pereyra
Biblioteca Municipal de Estarreja
20 Jan > 14 Fev 2018

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Não conduz, apesar de ter carta, não sabe falar para a rádio, afirma-se um rebelde e gosta de ser polémico. Assim é Joakin Pereyra, artista plástico nascido há 65 anos em Estarreja e com um percurso artístico de mais de meio século, repartido entre a pintura e a escultura. É dele a exposição agora patente na Biblioteca Municipal de Estarreja, intitulada “Fernando Pessoa” e na qual o artista apresenta, numa vintena de obras diversas, a sua visão do mais universal poeta português.

Lê-se nas obras de Joakin Pereyra a mesma liberdade de expressão que se lê no Pessoa poeta, no Pessoa prosador, dramaturgo, criador de charadas, inventor ou no Pessoa Íbis do Egito. Ora atentas ao detalhe, minuciosas, precisas, ora livres e soltas, desprendidas, informais, nelas cabem todos os sonhos do mundo. Abertas à apreciação e interpretação do espectador, as obras tendem a mostrar um Pessoa sonhador com a Ria de Aveiro no horizonte, um Pessoa tornado volátil no fumo que se desprende duma chávena de café, um Pessoa-silhueta apenas pressentido na noite lisboeta, um Pessoa reduzido à sua mão direita ante um poema inacabado ou mesmo “um outro Pessoa”, que mais não será que o auto-retrato do pintor, ele que se afirma “um bocado Pessoa”. Mas é no seu conjunto, na forma como se “cosem” os múltiplos fragmentos do poeta e se reconstrói um Pessoa ortónimo, que reside a grande força desta exposição.

Como afirma Alberto Caeiro, “uns agem sobre os homens como o fogo, que queima neles todo o acidental, e os deixa nus e reais”. Assim é Joakin Pereyra, naquilo que tem de mais autêntico: a sua frontalidade, a necessidade de denunciar, o génio provocador. Impregnadas destes atributos, as suas obras são como abanões a uma sociedade amorfa e conformista, desabituada de pensar, incapaz de se corrigir. Uma oportunidade, pois, para conhecer este artista interventivo e multifacetado - e de, no seu traço, intuir Fernando Pessoa, naquilo que nele pode haver de mais consciente, mas também de mais absurdo e perturbador -, aquela que se oferece na Biblioteca Municipal de Estarreja. Até ao dia 24 de Fevereiro.




EXPOSIÇÃO DE CARTOONS: “Ensaios sobre a Atualidade”,
de Vasco Gargalo
Biblioteca Municipal de Ovar
19 Jan > 24 Fev 2018

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Simbolismo, excesso, irreverência, ironia e um olhar apurado sobre o mundo. Estes são alguns dos predicados que presidem aos cartoons de Vasco Gargalo, uma parte dos quais pode agora ser apreciada na Biblioteca Municipal de Ovar. Trata-se de um conjunto de 46 obras subordinadas ao tema “Ensaios sobre a Atualidade” e que abarcam os útimos três anos da carreira deste ilustrador e autor de banda desenhada, nascido em Vila Franca de Xira em 1977.

Terá sido o seu cartoon “Alepponica” - que assinala cinco anos de guerra sanguinária na Síria e que colhe a sua inspiração na Guernica, de Pablo Picasso - que o notabilizou, lançando uma carreira que não pára de crescer e que, em 2017, lhe valeu o título de cartoonista do ano, atribuído  pela Cartoon Home Network International. A obra, que exibe Vladimir Putin, Barack Obama e Bashar al-Assad como verdugos dum território devastado pela guerra, ocupa o lugar central da exposição, mas encontra-se extraordinariamente secundada por exemplares que fazem recair o olhar e a reflexão sobre o que se vai passando nos Estados Unidos e na Coreia do Norte, na Catalunha, em França, na Venezuela ou no Reino Unido. Portugal está igualmente presente, com a política e os incêndios na ordem do dia.

Fazer-nos sorrir e, ao mesmo tempo, fazer-nos pensar, aqui residirá, porventura, o grande desígnio do cartoon. Verdadeiro embaixador dessa arte de falar de coisas sérias a brincar, projetando a atualidade com inusitada força e perspicácia mas sempre com um sorriso, assim se assume Vasco Gargalo. Um sorriso que, não poucas vezes, fica preso na garganta, tal a acutilância da mensagem. Percebe-se nas obras expostas muito trabalho e dedicação, muita persistência e perseverança, mas acima de tudo um enorme cuidado e bom gosto. Motivos de sobejo, pois, para visitar esta exposição patente na Biblioteca Municipal de Ovar até ao próximo dia 24 de Fevereiro, admirar o génio de Vasco Gargalo, recordar alguns dos momentos cruciais da nossa história recente e sorrir.

[Para saber mais sobre Vasco Gargalo e a sua obra, visite o blogue do artista emhttp://ilustragargalo.blogspot.pt/]




EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “Anjos Caídos”,
de Celeste Ferreira
Museu de Ovar
25 Nov > 30 Dez 2017

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Celeste Ferreira está de regresso ao Museu de Ovar onde dá a ver, sob o título “Anjos Caídos”, um conjunto de trabalhos a óleo sobre tela e de técnica mista sobre papel, realizados entre 2011 e 2017. São obras que têm como objecto comum a figura feminina, enleada numa formidável teia de cores e dores dum tempo de hoje e sempre, cativa de estereótipos que a condenam a uma vivência mais ou menos figurativa, reduzida a um rosto belo e triste, à formosura de um seio, de um ventre fecundo, de uns joelhos que se dobram, contritos.

Aqueles “retalhos” de mulheres configuram os “anjos caídos” que dão título à Exposição. Na sua dimensão bíblica, a mulher está na base do pecado original graças à cobiça de um maior conhecimento, de mais poder, acabando por se ver lançada num mundo de trevas e de pecado, subalternizada perante o homem por determinação divina. Tal como os nove anjos afastados da comunhão com Deus – dos quais Lucifer é o “rosto” mais vincado -, ela é um “anjo caído”. Mas Celeste Ferreira imprime uma força maior à figura do “anjo”, representando-o igualmente de forma explícita – abandonado sobre umas asas cor de sangue, travando um duelo mortal ou reduzido a um corpo decepado –, assim reforçando o eterno conflito entre o bem e o mal.

Mais do que a interpretação que se possa dar a cada um dos trabalhos expostos ou ao seu conjunto – ao contrário de outros, penso que é importante encontrarmos nas coisas um referente, sem com isso remetermos tudo à nossa volta para uma esfera única de racionalidade -, aquilo que de mais relevante há nesta Exposição é a sua beleza plástica, a poesia que se desprende de cada uma das obras. É fascinante a disposição dos elementos num suporte tornado tridimensional por obra e graça das colagens, os diferentes planos (ou deverei dizer “níveis de espiritualidade”) da composição, a forma como as cores se harmonizam e definem estados de alma, os motivos que se repetem aqui e além e conferem coerência ao conjunto, tanto dum ponto de vista formal como conceptualmente. Celeste Ferreira nada impõe, apenas mostra. Contida, intimista, esta é uma Exposição de enorme relevância duma artista que tem esse dom imenso de transformar as cores em sonhos, as linhas em emoções. Para ver até ao próximo dia 30 de Dezembro.




EXPOSIÇÃO: “As Pupillas do Senhor Reitor – Chronica da Aldeia”,
Segundo Alfredo Roque Gameiro
Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense
14 Nov 2017 > 06 Jan 2018


O aconchegante espaço do Museu Julio Dinis – Uma Casa Ovarense dá a ver, por estes dias, um conjunto de aguarelas e ilustrações do pintor Alfredo Roque Gameiro (4 de Abril de 1864 – 05 de Agosto de 1935), a propósito do 150º aniversário da publicação de “As Pupillas do Senhor Reitor – Chronica da Aldeia”, de Júlio Dinis. Destinados à edição de luxo do romance e publicados a partir da década de 80 do século XIX pela tipografia “A Editora”, de Lisboa, são trabalhos onde avulta a extraordinária simbiose entre imagens e texto e onde a capacidade de compreender inteiramente a mensagem do escritor é evidente.

Lançado ao público em formato de folhetim em 1866 e, posteriormente, editado e publicado como livro no ano seguinte, o romance “As Pupilas do Senhor Reitor” começou a ser escrito em 1863, durante a estadia de Júlio Dinis em Ovar. Seria de esperar, pois, encontrar nestes trabalhos de Roque Gameiro, para além dos aspectos figurativos ligados à acção do romance, um pouco dos ambientes vareiros – um palheiro, os bois a puxarem as redes, um homem com camisa de flanela ao xadrez e barrete, por exemplo. Isso, porém, não acontece. Numa entrevista dada ao Diário de Lisboa, o pintor mostrou-se convencido de que o fundo do cenário não podia ser Ovar e, “após palmilhar, de recanto a recanto, o norte todo”, encontrou em Santo Tirso - onde o escritor também esteve várias vezes e onde residiu demoradamente -, “a paisagem que se ajustava, com uma realidade de entusiasmar, às descrições do romance”.

Com “As Pupillas do Senhor Reitor – Chronica da Aldeia”, o Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense volta a presentear-nos com uma Exposição de um valor e interesse extraordinários, onde avulta o rigor do artista – que chegou a queixar-se de “ver demais” -, na forma como transpõe para a tela ou para o papel as paisagens e os retratos. É legítimo pensar que seria vantajoso poder apreciar as obras expostas no seu “enquadramento natural”, ou seja, acompanhadas dum excerto do romance que as pudesse, de alguma forma, situar. Seria para o público uma enorme mais-valia, pela oportunidade implícita de compreender a dimensão de complementaridade entre literatura e pintura, aqui tão evidente. Mas estamos perante obras duma beleza invulgar e que se apreciam em toda a sua singularidade, independentemente do suporte literario a elas associado. Uma exposição a não perder e que estará patente até ao dia 06 de Janeiro do próximo ano.




EXPOSIÇÃO: “José de Almada Negreiros: Desenho em Movimento”
Museu Nacional de Soares dos Reis
28 Nov 2017 > 18 Mar 2018

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O Museu Nacional de Soares dos Reis, em colaboração com a Fundação Calouste Gulbenkian, acolhe até ao dia 18 de Março de 2018 uma exposição dedicada a Almada Negreiros e cujo foco incide sobre o carácter cinematográfico da linguagem artística do mestre. Sob o título “José de Almada Negreiros: Desenho em Movimento”, esta exposição é todo um novo olhar sobre a obra de um dos mais influentes portugueses do século XX, mestre de múltiplas artes, que em célebre manifesto se apresentou um dia como “José de Almada-Negreiros, poeta d'Orpheu futurista e tudo!”

Ao todo, são noventa as obras que aqui se reúnem, em cujo núcleo central vamos encontrar as directamente relacionadas com o cinema. Entre elas, está “O Naufrágio da Ínsua”, conjunto de 64 desenhos sobre papel vegetal, relato tragico-cómico da aventura marítima de um grupo de burgueses a banhos no Verão de 1934. Podemos igualmente apreciar o guião inédito para um documentário nunca realizado acerca de Amadeo de Souza-Cardoso ou os painéis em grande formato que reproduzem parte da fachada, actualmente em ruína, de um cinema madrileno. As atenções centram-se ainda numa das preciosidades da exposição: Seis vidros para lanterna mágica, o sistema de projeção antecessor do cinema, feitos por Almada Negreiros nos anos 20, em Madrid, e cuja existência era totalmente desconhecida antes da exposição na Fundação Calouste Gulbenkian, no início deste ano.

Há depois um percurso exterior a esse núcleo central que é uma proposta, apenas, de olhar para um conjunto de obras, muitas das quais puderam ser apreciadas noutros contextos e vê-las agora sob uma perspectiva cinematográfica. É aqui que vamos encontrar, por exemplo, o “Retrato de Sarah Affonso”, esposa do pintor, um conjunto de auto-retratos, Pierrots, desenhos publicados no Semanário humorístico “Sempre Fixe” e ainda os há muito distantes do público “Estudos para os frescos da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos”. Uma exposição a não perder!




EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “A alma do papel”,
de Ana Maria Pintora
Museu do Papel Terras de Santa Maria, Paços de Brandão
25 nov > 30 dez 2017

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Detemo-nos naquelas folhas de papel grosseiramente talhadas, nas linhas tão minuciosamente desenhadas que percorrem as suas veias, naqueles traços muito finos que se juntam para mostrar paisagens, nas letras que se alinham para contar histórias e é impossível não a vermos lá em baixo, a seguir o curso do rio e aquela brancura... ou deitada na relva, o olhar fixo no céu azul, embalada pelo cantar das águas e dos pássaros. Quando cerra os olhos, é capaz de ver, com toda a nitidez, as mulheres que ali lavavam os vestidos, as calças, as camisas e os lenços brancos de algodão e linho. Também um pintor de pedras que às vezes pintava ovelhas, outras desenhava cabritos, outras vezes ainda pintava abelhas a esvoaçar ou entretinha-se a conversar com outras borboletas. E ainda uma casa de palavras, um depósito de ideias, uma cabana biblioteca onde ficarão guardadas as memórias mais temperadas da vida. Por fim, levanta-se, qual Zéfiro enciumado e rendido. E, regressando aos seus escritos, às suas pinturas e desenhos, volta a mergulhar na alma do papel.

É impossível falar de “A alma do papel” - exposição da pintora Ana Maria que, desde o passado sábado, está patente no Museu do Papel Terras de Santa Maria, em Paços de Brandão -, sem falar do próprio museu, do seu significado e beleza. Para quem não conhece, este museu monográfico, primeiro do género dedicado à História do Papel no nosso País, tira partido do espaço de duas antigas fábricas de papel do início do século XIX, convivendo com o curso da ribeira de Riomaior, que ali corre veloz no fundo das rochas escavadas numa pedreira. É um espaço de calma e serenidade, pautado pelo doce cantar das águas e pelo sussurro dos ventos, tão diferente daquilo que terá sido outrora, quando a produção do papel correspondia a um trabalho de enorme dureza, pouco lucrativo e que, em muitos casos, se encontrava dependente da existência ou não de água nos cursos dos rios. E este aspecto é tanto ou mais importante quanto sabemos que o conjunto de trabalhos expostos resulta da residência artística de Ana Maria neste espaço. Um espaço de criação, com o qual a artista se envolveu para produzir obra e cuja matriz é o próprio papel. Um suporte frágil e delicado, caprichoso. E em cuja alma se encerram segredos por desvendar.

Numa simbiose perfeita entre espaço e objeto artístico, “A alma do papel” é um convite ao sonho e ao encantamento. Cada folha daquele papel, grosseira, irregular, conta uma história, que a delicadeza do traço apenas sublinha. São poemas visuais, os trabalhos da pintora Ana Maria. Poemas com poemas dentro. Que falam de rapazes e de velhas, de primaveras e jacintos brancos, de planetas azuis e árvores com motores que sugam a água da terra, de sementes de algas pequeninas verdes azuis e de uma princesa Niúka Maior. E assim falando, espalham o eco das suas palavras entre as Casas do Lixador e do Espande, ouvindo cantar o moinho de galgas, a pila holandesa e a roda do maxão e vendo nascer a primeira folha de papel no Engenho da Lourença.

A princesa Niúka morreu,
mas a mina guarda a Alma do Papel e
Nós
agora,
também!




EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “Eterno Retorno”,
de Rosa Bela Cruz
Biblioteca Municipal de Ovar
24 Nov 2017 > 06 Jan 2018

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O olhar é doce, de um azul-água cristalino. Na cabeça, um lenço igualmente azul, como que prolonga o rosto e o torna ainda mais belo. Levemente cerrados, os lábios carmim oferecem-se, aveludados. A pele adivinha-se macia na suave curva do pescoço. Mas logo o desconforto dum ombro coberto por uma blusa às riscas azul-cinza, a remeter para estrelas de seis pontas, comboios que avançam na noite, tempos sombrios, soluções finais. Na penumbra, sobre o lado direito, há grades que ensombram ainda mais o quadro, intrometendo-se entre a figura da mulher e o espectador. Só o olhar trespassa a hedionda barreira, recusando o conformismo. É triste, aquele olhar.

A pintura de Rosa Bela Cruz tem esta capacidade de dar a ver para além das aparências. É assim com este quadro que se acaba de descrever – uma obra que a artista levou recentemente à 2ª Bienal de Arte de Gaia, onde integrou o núcleo “Artistas pela Paz”. Como o é com as restantes obras expostas neste “Eterno Retorno”, num total de 31, de tamanhos e formatos variados, em diferentes suportes, e que podem ser agora vistas na Biblioteca Municipal de Ovar. Uma exposição feita de emoções, onde a tristeza se mescla com a interrogação, a dor com o desafio.

Limitando a representação das suas figuras ao género feminino - “emaranhado de mulheres, onde me procuro”, declamou a poetisa Aurora Gaia no ato de inauguração da exposição - adivinha-se em Rosa Bela Cruz uma tentativa de combater a intersecção das questões de género com outro tipo de discriminações, ainda tão presentes na nossa sociedade. Num permanente jogo de olhares, a artista coloca o espectador no papel de interlocutor, convocando a reflexão e o diálogo. No limite, é uma “pintura de intervenção”, assumindo de forma clara o papel da arte como instrumento de denúncia. Independentemente desta sua dimensão interventiva, “Eterno Retorno” é uma exposição que se sorve com redobrado prazer. Do conjunto exposto emana uma subtil harmonia. Os quadros são duma beleza imensa, sobrelevando a qualidade técnica da artista e o seu enorme bom gosto na forma como tira partido da cor. Uma exposição imperdível e que pode ser vista até ao próximo dia 06 de Janeiro.




EXPOSIÇÃO: “Limiar da Vida”
Obras da coleção Norlinda e José Lima
Curador | Pedro Lapa
Oliva Creative Factory | S. João da Madeira
16 Set 2017 > 01 Abr 2018


Com curadoria de Pedro Lapa, esta exposição reúne um conjunto de obras da vasta coleção Norlinda e José Lima e tem como ponto de partida a arte enquanto diversidade de modos de relação com a vida. A mostra abriga seis núcleos temáticos – que vão das perceções mais simples e fragmentadas do corpo à construção de formas e enigmas sobre o mundo em que habitamos -, desenvolvendo-se de forma circular e podendo ser percorrida em ambos os sentidos, não havendo, portanto, uma prograssão na ordem destes temas.

Se a vida está antes de todas as formas artísticas, o limite para que estas tendem não reside numa qualidade específica, num sentido particular ou numa síntese geral daquela. O limite último é a matéria da vida como potência de qualquer representação. Espalhadas por obras de 56 artistas, todas as formas artísticas representadas em “Limiar da Vida” são conjeturas e tentativas de configurar essa matéria, que está antes de qualquer configuração e à qual chamamos vida. É talvez no confronto com a impossibilidade de conhecer em absoluto a vida que a experiência artística dá a conhecer algo do nosso habitar, pelo que a vida se torna não uma causa primeira da arte mas o seu limiar.

[Foto: Andy Warhol | Estados Unidos da América, 1928 – 1987
Título desconhecido, 1956 | Colagem e acrílico sobre papel]




EXPOSIÇÃO: “Diálogo a carvão entre a mão e o olhar do pintor”,
de Luis Dourdil
Museu de Ovar
14 out > 11 nov 2017


Mantendo uma dinâmica invejável e primando por uma agenda recheada de propostas de enorme qualidade, o Museu de Ovar inaugurou no passado sábado a exposição “Diálogo a carvão entre a mão e o olhar do pintor”, de Luis Dourdil (Coimbra, 1914 – Lisboa, 1989). Grande nome da pintura portuguesa contemporânea, Dourdil foi um autodidacta cujo trajeto plástico teve o seu início ainda na adolescência. Como pintor ou desenhista, em simples esboços ou em murais monumentais, ao longo da sua vida de artista permaneceu fiel a uma temática voltada para as gentes anónimas do meio urbano, nomeadamente as varinas, como se pode comprovar neste conjunto de obras que agora se apresentam.

Pelo seu significado e alcance, terá sido precisamente a representação das varinas (ou ovarinas) um dos motivos que levaram à concretização desta exposição no Museu de Ovar. Que Luis Dourdil tinha um especial carinho por Ovar (apesar de se resumirem a “duas ou três” as deslocações do pintor à nossa, então, vila), ficámos a sabê-lo durante as breves palavras que Luis Fernando Dourdil, filho do artista, proferiu na cerimónia de inauguração desta exposição. Momento de grande significado e emoção foi a visita guiada às obras que compõem esta mostra, onde Luis Fernando Dourdil falou do pai, revelando particularidades que fazem ressaltar o seu lado bom, generoso e de grande humanismo, para além do pintor e desenhista de excelência que foi.

É realmente um privilégio podermos apreciar em Ovar um pedacinho do percurso deste artista maior. É admirável a forma como, num conjunto muito simples de traços, Luis Dourdil consegue transmitir toda uma dinâmica do movimento. Que tanto pode ser de mulheres de Alfama ou da Mouraria, num mercado de Coimbra ou na Lota da Ribeira. Ao “esforço” duma visita ao Museu de Ovar corresponderá, seguramente, a “recompensa” duma exposição líndíssima, daquelas que nos lavam a alma e nos reconciliam com os nossos ideais. A não perder, até 11 de Novembro!




EXPOSIÇÃO: “A Experiência do Lugar – Desenho de Júlio Resende”

Oliva Creative Factory, S. João da Madeira

07 Out > 09 Dez 2017


No centenário do nascimento de Júlio Resende, é possível assistir por estes dias a uma mostra de trabalhos do pintor, patente na Oliva Creative Factory, em S. João da Madeira. Realizados ao longo de um itinerário de várias décadas, entre 1949 e 2001, oriundos de diferentes lugares e viagens, os desenhos apresentados propiciam a reflexão sobre o fazer e o refazer da arte, tal como se manifestam em Júlio Resende, pintor nascido em 1917, autor de uma das mais consistentes obras do século XX português.

A exposição testemunha a forte relação da obra de Júlio Resende com os lugares onde viveu e trabalhou, bem como aqueles que visitou, a diversidade de técnicas a que recorreu, a transformação do seu vocabulário plástico e o equilíbrio entre um olhar documental e um desejo de expressão poética. Até 9 de Dezembro, uma exposição a não perder!




EXPOSIÇÃO: “José Rodrigues, o artista e a sua identidade com Ovar”

Curadoria | Alfredo Vieira e José Rosinhas

Centro de Arte de Ovar | Biblioteca Municipal | Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense

22 set > 05 nov 2017


Mostrar em Ovar um conjunto de obras marcantes de José Rodrigues (Luanda, 1936 – Porto, 2016), dar a conhecer parte do seu percurso artístico como escultor, desenhador, ilustrador e gravador e revelar o Homem, o lado humano e o “amigo do amigo”, tal é o objetivo deste projeto expositivo, com curadoria de Alfredo Vieira e José Rosinhas, e que agora pode ser apreciado em três espaços da cidade - Centro de Arte, Biblioteca Municipal e Museu Júlio Dinis. Um projeto que terá tido em “Homem com a cabeça nas mãos”, 2002 e “Rei Momo e máscara”, 2005, duas belíssimas esculturas do Mestre que embelezam, há mais de uma década, o Jardim do Cáster, o pretexto e ponto de partida da iniciativa.

Se é verdade que todos os pretextos são válidos quando estão em causa tão elevados propósitos, não é menos verdade que fazer de “o artista e a sua identidade com Ovar” o título da exposição é pompa com fraca circunstância. Desenganem-se, pois, aqueles que - como eu –, embalados pelo tema, vão à espera de ver na identidade de José Rodrigues com Ovar o cerne desta mostra. Uma dúzia de fotografias desgarradas e um par de prospetos no interior duma vitrina (não consultáveis, portanto) são material manifestamente insuficiente para satisfazer expectativas legítimas. É de sublinhar, contudo, que este apontamento em tom de desabafo não passa de um pormenor que em nada belisca a exposição, o seu enorme interesse e valor.

É um privilégio poder apreciar, em Ovar, tantos e tão interessantes trabalhos como aqueles que agora se apresentam. Pólo fulcral da mostra, o Centro de Arte alberga, para além dos desenhos da Série Eros, um bronze de enorme beleza - “Anja que perdeu a asa”, 2005 -, acompanhado de um conjunto de desenhos da série “Acerca de Anjos”, da década de 70 e 80 e ainda várias maquetes de cenografias para teatro. Na Biblioteca Municipal pode ver-se “Salomé e S. João Batista”, 1988. Já o Museu Júlio Dinis oferece ao visitante, para além da série “Jardins de Acrílico”, mais um conjunto de desenhos e esculturas, com destaque para os excepcionais “Cristo”, não datado, “Guardador de Estrelas”, 1963/64 e “Anunciação”, 1999. Captar a essência da obra de José Rodrigues e perceber o porquê de estarmos perante uma figura incontornável do panorama da arte portuguesa contemporânea é o tempo dum passeio por Ovar neste cálido Outono. Um passeio que, para além da visita aos três pólos mencionados, deve incluir as esculturas do Jardim do Cáster como ponto de passagem obrigatório. Até 5 de novembro, uma oportunidade a não perder!




EXPOSIÇÃO: “In and Out of Africa”

Arte Bruta na Coleção Treger Saint Silvestre
Oliva Creative Factory, S. João da Madeira

07 out 2017 > 05 mar 2018


É com a maior emoção que se visita a mostra “In and Out of Africa”, 90 obras de Arte Bruta, Arte Singular e Arte Contemporânea de artistas de origem africana, estreada no passado dia 07 de Outubro e que estará patente no Centro de Arte da Oliva, em S. João da Madeira, até 05 de março de 2018. A geografia da exposição parte das antigas rotas de escravidão atlânticas e tem como objetivo dar a conhecer a imensa riqueza e expressão de artistas africanos, afro-americanos, haitianos, brasileiros e cubanos, promovendo a discussão sobre questões raciais e de discriminação.

A vasta criação artística de norte a sul do Continente Africano é de uma riqueza imensa, como o comprovam as pinturas rupestres do Zimbabué, as esculturas em terracota do povo Nok e Djenné, os objetos de Ife, os maravilhosos bronzes Igbo Ikwo e do reino do Benim. E não só; tudo é arte e criação como as colheres de pau, as portas das casas, os objetos rituais, as máscaras tradicionais que inspiraram os artistas da “Arte Moderna”, sobretudo o maior dentre eles, Pablo Picasso. Mesmo fora da arte dita “nobre”, a reutilização de objetos da vida corrente como latas de soda, sacos de plástico, escovas de dentes, bombas de aerossol e muitos outros, leva à sua transformação em obras-primas. Pela força motriz da criatividade. Tudo é pretexto para a arte.

É esta a singularidade de mais uma mostra baseada na coleção Treger Saint Silvestre, uma das mais importantes coleções de Arte Bruta europeia, em depósito no Núcleo de Arte da Oliva. Pinturas, desenhos, esculturas, cerâmicas e instalações de 41 artistas, constituem um verdadeiro “manifesto contra o racismo” e funcionam como pretexto para “reaprender a respeitar a herança africana”, de acordo com o curador da mostra, António Saint Silvestre. Uma exposição a não perder!




EXPOSIÇÃO: “O Diário de Campo – Residência Artística”,

de Inês C. Martins

Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense

08 set | sex | 21:30


Chamo-me Inês e sou uma ilustradora Vareira que está a criar um projecto no âmbito de uma Residência Artística no Museu Júlio Dinis de Ovar.” Desta forma se apresentava Inês C. Martins no passado mês de Junho, disposta a enfrentar os três meses de Verão na Casa Ovarense com propósitos bem definidos mas, interiormente, com enormes pontos de interrogação quanto à aceitação das suas propostas. Na noite da passada sexta-feira, ponto final da Residência Artística 2017, foi possível perceber o entusiasmo da jovem artista quanto à forma como decorreu a iniciativa e a sua gratidão pela experiência e pelas portas que a mesma permitiu abrir.

Ao ritmo de uma visita guiada, Inês C. Martins falou da produção no âmbito da iniciativa, discorreu sobre o Museu e apresentou ainda alguns trabalhos de Paulo Paiva Fonseca, Zé Maia, Ana Martins e outros, concebidos no âmbito dos workshops e encontros realizados no decorrer da Residência Artística - Diário de Campo. Mais do que quaisquer palavras, as lindíssimas imagens falam por si. Inês desenha com o coração. O seu olhar atento fixa-se no pormenor, reproduzindo com rigor e génio os objetos da sua atenção. Que neste caso foram, maioritariamente, rouxinois, pássaros cujo canto tanto encantou Julio Dinis aquando da sua passagem por Ovar. Mas também melros, pombos, rolas, apontamentos da flora local e mesmo alguns “rabiscos” com o Rio Caster ou a Igreja Matriz em pano de fundo. Vale a pena estar atento ao percurso desta artista!




CERTAME: 2ª Bienal de Arte de Gaia 2017

Centro Empresarial FERCOPOR, Vila Nova de Gaia

08 jul > 30 set 2017


De forma explícita ou por meias palavras. Num grito ou num sussurro. Pudicamente ou com palavrões. Por gestos amplos ou contidamente. Através das mais variadas formas de expressão e recorrendo a todo o tipo de suportes, é assim que artistas e público comunicam nesta extraordinária babel que é a 2ª Bienal de Arte de Gaia. Distribuído por 18 exposições distintas, o vasto conjunto de obras de Pintura, Escultura, Desenho, Cerâmica, Fotografia e Vídeo que se encontra patente no Centro Empresarial Fercopor, o núcleo central desta Bienal, corresponde de forma clara aos critérios de qualidade assumidos pela organização do certame, oferecendo ao público uma oportunidade única de diálogo e partilha.

Ao convocar uma reflexão profunda sobre o momento actual dum mundo em convulsão, a 2ª Bienal de Arte de Gaia assume-se, com propriedade, como uma “Bienal de Causas”. Neste contexto, merecem uma referência muito particular as exposições “Artistas pela Paz”, com curadoria de Mirene e Ilda Figueiredo e “Sem-abrigo, e se fosses tu”, com José Silva como curador. “Artistas pela Paz” reúne 31 obras tão diversas quanto belas, com “Bolbos da Consciência”, de Fernanda Vilas Boas, a receber o visitante e a dar o mote. “Paz, Condomínio Fechado”, de Evelina Oliveira, “Tempos Sombrios”, de Rosa Bela Cruz ou o sublime “Sem Título”, de Rui da Graça, são apenas exemplos de obras que vão muito além do que parecem, transportando em si mensagens fortíssimas. “Sem-abrigo, e se fosses tu”, outra das exposições que se destacam pela causa que abraça, oferece igualmente um conjunto de obras notáveis, servindo de reencontro com a fotografia de Lauren Maganete (“Multiplicidade”) ou a pintura de Elizabeth Leite (“Esboços de gente com alma”), a par de “Fome”, de Alexandre Rola e “Sou sem-abrigo”, de José Silva, duas descobertas esmagadoras.

Uma das exposições mais estimulantes deste núcleo é, naturalmente, dedicada às obras a concurso. Ao longo de três galerias podem ser apreciadas 88 obras muito diversas, entre as quais a vencedora do Grande Prémio da Bienal/Câmara Municipal de Gaia, “Acasos felizes I”, de Marta Soutinho Alves e o vencedor do Prémio de Escultura Zulmiro de Carvalho/Câmara Municipal de Gondomar, João Macedo, com “Nublar”. Também merecem destaque o Prémio Águas de Gaia, atribuído a Mariana Popovic, pelo seu trabalho “Autorretrato nº 10 (pi Pedra)” e as oito menções honrosas, para obras de Ana Almeida Pinto, Daniela Pinheiro, Elisabeth Leite, Frederico Mendes, Joana Couto, Joana Patrão, Niccolò Rossi e Tales Frey. Para ver até ao dia 30 de Setembro de 2017!




EXPOSIÇÃO: “Emerenciano – Linguagem, Biografia, Pensamento, Etermidade”,

de Emerenciano

Museu Municipal de Espinho

14 Jul > 02 Set 2017


A abrir a exposição, encontramos duas pinturas separadas entre si no tempo por mais de quatro décadas. Cronologicamente falando, a primeira, de 1976, ano em que Emerenciano se licenciou em Artes Plásticas – Pintura, pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto, é já a afirmação daquilo a que o artista definiu como “aproximação à escrita” e que virá a marcar o seu percurso artístico; a outra obra, datada do ano presente, reafirma “a motivação da escrita como um propósito”, mas acrescenta-lhe um elemento novo. Uma intrusão, quase um abuso, de tal forma se assume como objeto primordial e fulcro das atenções, que invade e instala uma dissonância absoluta com a harmoniosa caligrafia de “escripinturas” feita. Esse elemento novo é uma máscara (“persona”), estilizada, quase grotesca, figuração kabukiana do homem enquanto entidade social, criadora de linguagens e de emoções.

Ao colocar num mesmo plano as duas obras referidas, Emerenciano abre uma leitura possível do conjunto de obras expostas numa perspetiva evolutiva. Para tal muito concorre a série de trabalhos desenvolvidos a partir de 2015, de pequenas dimensões e que constituem um núcleo particular desta exposição. É aqui que vamos encontrar a(s) máscara(s), origem ou destino de matéria introspetiva, em qualquer caso parte integrante do processo de comunicação; da mesma forma que antes encontráramos a mão, ora discreta, quase envergonhada, ora impulsiva, princípio e fim, criatura e criação.

Objetivamente, a pintura de Emerenciano evidencia essa urgência em comunicar. Fá-lo de forma explícita, recorrendo a letras, números e símbolos, criando uma linguagem própria a cuja tentativa de descodificação o espectador é incapaz de resistir. Uma linguagem eficaz, portanto! Mas fá-lo igualmente de forma implícita, denunciando a complexidade crescente das relações interpessoais, cada vez mais baseadas no virtual e menos no factual, capaz de ceder ao imediatismo e recusando a pausa reflexiva. É essa pausa necessária, terapêutica, que as suas obras convocam. Gentilmente, ele pega-nos na mão e pede-nos que nos aproximemos. Aquilo que ao longe sugere uma passadeira é afinal um laborioso rendilhado de formas e de cores, objeto de múltiplas interpretações. Prossigamos assim ao encontro de novos quadros, de novas mensagens. Ao encontro de nós!




EXPOSIÇÃO: “Somos o que fazemos”,

de Elizabeth Leite

Biblioteca Municipal de Ovar

21 Jul > 02 Set 2017


Há dois corpos que se enlaçam, unidos por um coração, com as suas aurículas e ventrículos e o sentido da circulação que é um e não pode ser outro. Há uma família numerosa ou só a mãe com os seus dois filhos ou uma pessoa apenas. Há rolos de cabelo e alguidares e vasos de flores e azulejos. Há crianças, muitas crianças. Há leituras, brincadeiras e o colo dos pais. Há castelos, fadas e pozinhos de perlimpimpim. Há cartolas e há coelhos. Há porquinhos, lobos-maus e o super-homem. Há histórias da Bíblia e um Cristo inacabado… E há cor, muita cor e muita vida, naquilo que Elizabeth Leite nos quer mostrar e que pode agora ser visto, até ao dia 2 de Setembro, na Biblioteca Municipal de Ovar.

Em “Somos o que fazemos”, a artista volta a centrar a sua atenção nos pequenos-nadas de que a vida é feita e em cujo contexto, recorrentemente, as suas obras nascem e se desenvolvem. Entre o seu quotidiano e o imaginário pessoal estabelece-se uma simbiose perfeita, feita de pinceladas grossas e de cores fortes. Pintar é tão importante como sentir, respirar ou amar. Pintar é viver. E viver é pintar!

Demorando-nos em cada uma das obras expostas, é Cicero que nos acode à ideia e a sua afirmação de que “o rosto é o espelho da alma”. A forma como Elizabeth Leite se retrata a si própria e àqueles que lhe são próximos é duma verdade comovedora. Há uma força enorme que se derrama destes quadros devido à sua dimensão humana, à sua natureza intimista. Paira no ar uma apaziguadora sensação de liberdade. A felicidade mora aqui!




CERTAME: Lethes Art 2017

Ponte de Lima

01 jul > 30 set 2017


Projeto artístico que promove a criação e exibição de obras de arte contemporânea de artistas nacionais e estrangeiros em diversos locais de exposição de Ponte de Lima, o Lethes Art 2017 tem como tema ‘Memória(s) & Identidade(s)’ e reúne, em 12 espaços da vila, cerca de 300 obras de 162 artistas nacionais e internacionais. Este é um projeto que, segundo a sua curadora, Isabel Patim, “almeja potenciar e facilitar a comunicação entre obras de arte, nacionais e internacionais, e edifícios e lugares históricos da vila medieval, bem como entre o discurso artístico plural contemporâneo, os artistas e a perceção artística de públicos interculturais”, propondo “operar este diálogo intercultural entre artistas, obras de arte e locais de exposição com História, nesta vila.”

Oportunidade, nesta edição, para reencontrar Alexandra de Pinho, Afonso Pinhão Ferreira ou Alvarenga Marques; oportunidade ainda para descobrir Mário Rocha (imperdível a série “Refugiados”, patente na Cadeia Velha), Ana Romero, Eulália Gonçalves, António Cunha, Ana Ferreira, Francisco Graça, Carruço, Artur Santos, Maria Beatitude ou Mani Saemi, entre outros. Pretexto ainda para “flaner” na Vila de Ponte de Lima, lindíssima como sempre, dando assim razão a Isabel Patim e atestando, desta forma, o valor da sua proposta em termos globais.

Custa-me deixar um reparo, mas julgo que devo fazê-lo. Com cinco dos doze espaços encerrados ao fim de semana, mais do que a frustração de quem demanda Ponte de Lima e se vê privado de “beber” a Mostra no seu todo, é a injustiça para com os autores representados nesses espaços, assim privados de apresentar as suas obras, que aqui está em causa. Isto não impede que o Lethes Art 2017 seja um projeto meritório nos seus propósitos, colocando Ponte de Lima no mapa das artes em Portugal e revelando um potencial de crescimento enorme. A merecer uma visita. Absolutamente!




EXPOSIÇÃO: Guilherme Camarinha | José Rodrigues 

2ª Bienal Internacional de Arte de Gaia 2017

Fundação Escultor José Rodrigues | Porto


A 2ª Bienal Internacional de Arte de Gaia 2017 atravessou o Douro, inaugurando na tarde de hoje, na Fundação Escultor José Rodrigues, duas exposições singulares. Duas homenagens, melhor dizendo, a dois grandes artistas, Guilherme Camarinha e José Rodrigues. Do primeiro se mostra um pequeno acervo de afetos familiares, onde se podem ver pinturas, esculturas e tapeçarias. Do segundo se expõem desenhos do livro de JOB.

À emoção incontida de se poder apreciar as obras dos dois mestres, junta-se o júbilo de as encontrarmos sob um mesmo tecto, num espaço solidário e de dádiva, um espaço lançado como um grito de esperança, um espaço que encerra uma bela história de amor à criação e aos criadores. Camarinha e Rodrigues não poderiam estar mais felizes!




EXPOSIÇÃO: “As Leis do Número de Ouro”

Obras da Coleção Treger / Saint Silvestre

Oliva Creative Factory | S. João da Madeira

29 abr > 01 out 2017


No Código Atlântico, 1119 folhas com desenhos e manuscritos que abrangem a produção intelectual de Leonardo da Vinci entre 1478 a 1519, encontram-se diversas alusões às artes secretas, às ciências ocultas e mais especificamente ao uso do número de ouro. Este número irracional parece ser a medida da perfeição, da graça, da harmonia e é considerado a mais perfeita das formas. De toda a miríade de terrenos artísticos que se podem atravessar na colecção Treger / Saint Silvestre, entre o ocupado pelos místicos, videntes, metafísicos auto-nomeados que tentaram usar a arte como uma ferramenta para aceder reinos aparentemente ocultos, recortou-se o aspecto dos excêntricos, dos construtores e dos visionários na tentativa de revelar, através de um paralelismo com as propriedades quase mágicas do número de ouro, artistas cuja obra procurasse a perfeição das mais sublimes realizações arquitectónicas.

Na categorização e nas escolha de obras e tipologias arquitectónicas, tentou-se mostrar a inteligível diversidade de desenhos, ora monólogos, ora contemplações, ora raciocínios solitários, com o objectivo de tornar mais fluida a compreensão da relação entre componentes naturais e entrópicas, cânone de beleza, variedade, organização. Projectos ideais, arquitecturas em papel, obras que descrevem imagens mentais e delírios que se relacionam com o desejo de alcançar mundos idealizados e perfeitos, a casa ou a cidade sonhada para poder recriar um espaço ou uma forma onde se sentirem realmente acolhidos.

Contendo trabalhos de John Devlin, José Teófilo Rezende, Jaime, Martin Ramírez, Madge Gill, Tadashi Moriyama, Hassan, Michael Hall, Pépé Vignes, Jesus Crystiano, Damián Valdés Dilla, Beverly Baker ou Prophet Royal Robertson, entre outros, a exposição propõe invenções brilhantes e desequilibradas, desafios perceptivos, uma ideia traçada no espaço feita de relações físicas entre arquitectura e natureza, o céu e a terra. Cada obra apresentada é, ao mesmo tempo, síntese de construção formal e intelectual, expressão de relações entre as formas, equilíbrio entre as cores, aprimoramento e perfeição. É nessa linha que o número de ouro acompanha e desafia a construção de projectos, de protótipos ligeiros capazes de se adaptarem ao nomadismo ou alimentar a fantasia de uma casa voadora ou sobre rodas, a união de imaginação e funcionalidade, o essencial e o aleatório.




EXPOSIÇÃO: “Interfaces”,
de João Caetano
Centro de Arte de Ovar
09 jun > 31 jul 2017


A Galeria do Centro de Arte de Ovar acolhe, até ao próximo dia 31 de Julho, a exposição “Interfaces”, de João Caetano. Trata-se dum encontro – e porque não também um confronto – de diferentes linhas de desenvolvimento que ao longo das últimas três décadas têm caracterizado a atividade de João Caetano, como ilustrador e pintor.

O primeiro núcleo da exposição é constituído por retratos e caricaturas. Nele podemos observar alguns trabalhos do pintor executados na juventude. São obras definidoras da sua natural propensão para a pintura, como são os casos dos retratos de Hegel e de Albert Einstein, ainda elaborados na década de oitenta do século anterior. Os outros quadros – enquadrados nesta temática e que estão presentes na exposição – ajudam-nos a perceber o seu progresso técnico e estético ao nível do desenho e da pintura. É também evidente, nalguns dos retratos mais recentes, a diversificação de materiais utilizados e o distanciamento em relação ao aspeto classicista e fotográfico da pintura.

Os restantes grupos da exposição são dedicados à colagem, à pintura e à ilustração. Todos eles apresentam linguagens próprias muito próximas. O sentido lúdico experimentado no simples acto de pintar e as memórias da juventude do pintor constituem elementos recorrentes em alguns dos seus quadros. Nestas múltiplas facetas da obra gráfica e pictórica de João Caetano é possível depreender um traço comum que as une: a busca incessante do pintor pelo sentido e desvelamento do mistério da criação artística.




EXPOSIÇÃO: “Joan Miró: Materialidade e Metamorfose”
Museu de Arte Contemporânea de Serralves
01 out 2016 > 04 jun 2017


Poesia e liberdade. Dum ponto de vista pessoal, estas duas palavras chegam para definir o conjunto da obra de Joan Miró (20.04.1893 – 25.12.1983), artista catalão geralmente associado ao movimento Surrealista e uma das grandes referências do século XX. Os seus trabalhos transbordam de alegria, comovem. E foi com redobrada alegria e comoção que, 27 anos volvidos sobre a inesquecível exposição “Os Mirós de Miró”, regressei a Serralves para, por momentos, sentir de novo o prazer da descoberta.

Joan Miró: Materialidade e Metamorfose” reúne setenta e oito pinturas, desenhos, esculturas, colagens e tapeçarias, percorrendo seis décadas de atividade artística. Pássaros, mulheres, estrelas, crianças, núvens, isto tudo ou nada disto, voltam a encantar-nos. Uma linguagem universal, desafiante e intuitiva ao mesmo tempo, constitui a marca do génio de Miró, abrindo-se sucessivamente a novas interpretações, novos desenhos, mais pássaros e crianças, mais mulheres e mais estrelas. Mais poesia. Mais alegria.

Escritor e jornalista, Baltasar Porcel revela um episódio com Miró, em 1966, em que contrapunha a figura de Gaudi, “um génio torturado, sombrio, uma espécie de panteísmo corrupto, cósmico”, à de Miró, “seguramente, também um panteísmo, mas alegre”. Ao que Miró lhe terá respondido: “ - Eu também sou pessimista, torturado. Vejo tudo negro, corrupto. O homem, a humanidade, todos estão corruptos.” Porcel rebateu: “ - Mas eu vejo alegria nestes quadros.” E Miró, a pôr os pontos nos ii: “- Sim, não o posso negar. Uma alegria que é a contrapartida, movida por uma vontade de contrariar a corrupção e a parte negativa que vejo à minha volta”. Esta revelação é tanto mais significativa quanto é sabida a polémica que envolveu estas obras, outrora pertença do BPN de Oliveira e Costa, "dolorosamente" nacionalizado. Os movimentos cívicos, petições, providências cautelares e intensas manobras da sociedade civil acabaram por garantir que as obras não seguissem para a Christie's, de Londres, onde seriam leiloadas. A liberdade triunfou e todos nós, portugueses, saímos a ganhar. Miró não poderia ter ficado mais satisfeito.




EXPOSIÇÃO: “Bicórnios em Parada”,
de Victor Milheirão
Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense
18 mai 2017 > 15 jul 2017


Depois da mostra “O Elogio à Carta – Poéticas da Conetividade”, deAlexandra de Pinho, o Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense brinda-nos com mais uma excelente exposição, desta vez da autoria do artista vareiro Victor Milheirão, intitulada “Bicórnios em Parada”.

Associado, na cultura popular, a Napoleão Bonaparte, o bicórnio é um objecto omnipresente na obra deste artista e, nas suas palavras “uma obsessão, de forma tenaz e persistente”. Sobre o tema, Milheirão, desenvolve um conjunto de obras [chamemos-lhes “variações”], oferecendo-nos, com inteligência e humor, uma visão alargada do seu (nosso) quotidiano.

Do pueril “Passarola”, guache de 1991, ao perturbador “Quem vai à Guerra”, acrílico de 1997, são 44 as obras expostas, a grande maioria das quais desenvolvidas na primeira década deste novo século. São obras que revelam uma elevada coerência estética, formando núcleos de enorme beleza que se interpenetram, não apenas pela presença constante do bicórnio, mas também pela técnica usada, com recurso frequente ao traço muito fino e estilizado, às figuras destacadas em ambientes ora glaucos ora vivos, nos quais linhas e formas geométricas se integram de forma acessória.

Mais do que aquilo que mostra, impõe-se na obra de Milheirão o muito que suscita, quer de forma indireta, como em “P'ra que lado sopra o vento?” (Técnica mista | 2002), quer diretamente, como no genial “Pacto Ibérico” (Acrílico e colagem | 2010). Para ver e rever, atenta e demoradamente, até ao próximo dia 15 de Julho. Uma exposição "de se lhe tirar o chapéu"!




EXPOSIÇÃO: Artes Incoerentes: O Cabinet de Alvess”,
Obras da Coleção de Serralves
Galeria Centro de Arte de Ovar
31 mar > 21 mai 2017


Alvess é o nome artístico de Manuel Alves (Viseu, 1939 — Paris, 2009), artista que viveu grande parte da sua vida em Paris, onde decidiu acrescentar um "s” ao seu nome rendendo-se ironicamente à forma como ele era pronunciado pelos franceses. Apesar da constância com que sempre trabalhou, não foram demasiadas as ocasiões com grande visibilidade em que Alvess mostrou o seu trabalho, motivo pelo qual terá sido apresentado, quando da exposição antológica da sua obra apresentada no Museu de Arte Contemporânea de Serralves em 2008 como "um dos artistas mais secretos e singulares até agora apresentados no Museu”. Essa mostra abrangeu cerca de 40 anos de carreira, dando a conhecer uma obra diversificada e complexa, composta por pinturas, desenhos, fotografias, filmes, objetos, arte postal e performance. Na sequência desta exposição foi incorporado na Coleção de Serralves um conjunto muito significativo de obras de Alvess, que permite ajudar a desvendar o "artista secreto”.

A exposição "Artes incoerentes: O cabinet de Alvess”, ao apresentar um núcleo considerável destes trabalhos em diálogo com outros artistas presentes na Coleção, divulga uma vez mais um autor ainda pouco conhecido mas que, apesar do isolamento em que trabalhou, construiu uma obra em que se detetam processos e preocupações comuns a artistas seus contemporâneos: a promoção da indistinção entre a arte e a vida, a crítica em relação aos processos de legitimação da obra de arte, o recurso constante e irónico a sistemas de categorização do mundo administrativos e burocráticos, impondo o artista como mero “copista”, num perpétuo desafio à relação entre a arte e a imaginação, ou a criatividade.

Uma obsessão detetável na sua obra é o uso e a desconstrução da precisão de unidades de medida, sejam elas as de peso, as de comprimento e as de tempo. Balanças , réguas e calendários são objetos a que a sua obra alude com frequência. Vários dos artistas que com ele dialogam nesta mostra - Fernando Aguiar, John Baldessari, António Barros, James Lee Byars, Manuel Casimiro, Mauro Cerqueira, Robert Filliou, Ana Hatherly, Alex Hay, Rita McBride – também revelam esta vontade, inevitavelmente inacabável, fracassada, de categorizar e medir o mundo, em gestos repetitivos, entediantes: como com ele partilham a convicçaõ de que arte e vida se devem confundir.

Já alguém comparou Alvess ao Sr. Hulot, figura celebrizada pelo realizador francês Jacques Tati. Talvez pelo dandismo (tal como Hulot, também Alvess se apresentava vestido de forma impecável mas obsoleta, sempre de chapéu), talvez pela denúncia do mito do progresso. Ao longo de cerca de quarenta anos de trabalho artístico, não existem fases na obra de Alvess, não existem os “antes”, “durante” e “depois” que tanto servem a críticos e historiadores da arte: o seu infatigável trabalho de copista está associado à teimosia em “não o fazer”, em não obedecer às regras da arte, em ficar “fora do catálogo”.




EXPOSIÇÃO: “O Elogio à Carta | Poéticas da Conetividade”,
Alexandra de Pinho
Museu Júlio Dinis - Uma Casa Ovarense
18 Mar > 06 Mai 2017


Demoradamente, estendemos o olhar sobre as cartas de Alexandra de Pinho e deixamo-nos levar nas asas do tempo. São as memórias que refluem e que nos confrontam com coisas tão simples como aqueles selos da Guiné em forma de losango e com cobras desenhadas que alguns possuíam na sua coleção, ou mais pungentes, cruéis até, como aquele nome naquela carta dirigida a alguém que tão bem conhecemos e que cedo demais partiu. Que dizer?

Delicadamente, Alexandra de Pinho leva-nos num abraço ao encontro de memórias desse tempo outro, em que a carta nos tornava cúmplices, nos aproximava e nos unia. Que, à falta de corretores automáticos, exigia uma estruturação diferente, implicava esmero na caligrafia, reclamava tempo para ser depositada e convocava emoções à espera da resposta na volta do correio. A artista faz isso mesmo e com igual disponibilidade, primando na letra com que “coze” o remetente, apondo com minúcia o selo, bordando o sobrescrito no seu mais ínfimo detalhe, brincando com as formas e com as cores e, com supremo bom gosto, unindo firmemente as cartas umas às outras.


Mais do que o valor de cada elemento exposto enquanto objeto artístico, se assim lhe quisermos chamar, desprende-se de cada uma destas cartas a delicadeza, o amor com que foram lavradas, naquilo que, do meu ponto de vista, constitui a mais bonita homenagem àqueles que lhes estiveram na origem. Poema visual de grande significado e alcance, o conjunto de Alexandra de Pinho exposto agora no Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense merece vivamente a nossa visita. Pois que a façamos, mas que a façamos com tempo. Como quem escreve uma carta!

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