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MUSICA




CONCERTO: “Noite Transfigurada”
Ensemble de Cordas da Orquestra Sinfónica de Castilla y León
Lucas Macías Navarro | oboé e direcção musical
44º Festival Internacional de Música de Espinho | FIME 2018
Auditório de Espinho – Academia
30 Jun 2018 | sab | 22:00


Apresentando-se ao público de Espinho com um naipe de 20 instrumentistas em palco, o Ensemble de Cordas da Orquestra Sinfónica de Castilla y León, superiormente conduzido por Lucas Macías Navarro, ofereceu um serão de enorme qualidade e beleza, cujo alinhamento repousou em três obras primas da música clássica dos séculos XVIII e XIX. Embora perceptíveis de forma clara, as cambiantes de estilo mais significativas entre o barroco tardio, o romantismo e a transição para o modernismo do século XX inerentes a cada uma das obras foram harmonizadas graças à sábia escolha dum programa que soube encontrar pontos de contacto entre elas, proporcionando momentos de fruição e deleite verdadeiramente únicos.

Composta por Grieg em 1884, homenageando os 200 anos do dramaturgo Ludvig Holberg, contemporâneo de Bach, a Suite Holberg abriu o programa, os seus cinco andamentos a recuarem ao século precedente e a beberem a inspiração, no estilo e na forma, no período do homenageado, quando pontificavam as danças e as orquestras de cordas. Seguiu-se o Concerto para oboé d’amore de Bach, o qual sintetiza magistralmente diversos estilos do final do Barroco e permitiu evidenciar as qualidades de Lucas Macías Navarro, um dos mais destacados oboístas da actualidade, desempenho que acumula com uma bem-sucedida carreira de maestro.

Após um breve intervalo, assistiu-se à interpretação de “A Noite Transfigurada”, de Arnold Schoenberg, uma das obras centrais do final do Romantismo cuja linguagem musical antecipa os modernismos do século XX. Inspirada num poema simbolista de Richard Dehmel, “A Noite Transfigurada” foi escrita em três intensas semanas de Setembro de 1899, “pretendendo simplesmente representar musicalmente a natureza e os sentimentos humanos”, de acordo com o seu autor. Mas a combinação entre uma forte influência brahmsiana e o poder dramático e harmónico do wagnerismo, foi vista como inconciliável pelos críticos e músicos tradicionais, configurando um enorme escândalo à época e acabando por marcar toda a carreira do compositor.

Profundamente descritiva, rica de ambientes e efeitos conseguidos através de uma exploração requintada dos instrumentos, do fraseado e da harmonia, “Noite Transfigurada” viu-se valorizada nesta interpretação do Ensemble de Cordas da Orquestra Sinfónica de Castilla y León graças ao rigor instrumental e harmonia do conjunto, adquirindo uma intensidade levada, muitas vezes, aos limites da expressão dramática. Noite transfigurada, noite encantada, noite de todas as delícias, de todos os poemas em forma de música, foi assim a noite do passado sábado em mais um momento único do 44º Festival Internacional de Música de Espinho.

Programa
Edvard Grieg | Suite Holberg, op. 40
Johann Sebastian Bach | Concerto para oboé d’amore, em Lá Maior, BWV 1055
Arnold Schönberg | Noite transfigurada, op. 4

[Foto: FIME 2018 / facebook.com/fimespinho/photos]




CONCERTO: “Giesta”, de Miguel Araújo
Centro de Arte de Ovar
29 Jun 2018 | sex | 22:00


Em noite de casa cheia para um dos concertos mais aguardados do ano, Miguel Araújo chegou ao Centro de Arte de Ovar com “Giesta”, o seu mais recente álbum. Não veio sozinho, trazendo com ele Joana Almeirante, na guitarra e na voz, Diogo Santos, nas teclas e na voz e ainda Pedro Santos, no baixo, um agrupamento que o ajudou a exprimir-se de forma ora intimista, ora mais “mexida”, fazendo sobressair a sua extraordinária capacidade vocal e multi-instrumental. Passava pouco das dez da noite quando uma luz ténue se acendeu sobre o lado esquerdo do palco, deixando adivinhar o cantor ao piano - uma quase novidade. Os primeiros acordes fizeram-se ouvir e, com eles, a voz a dar corpo ao tema que abre o novo álbum, “Valsa em Espiral”, uma canção que nos fala “daquilo que mói, daquilo que dói” numa vida “com contas por acertar”. Ainda ao piano, Miguel Araújo recuou a 2014, ao álbum “Crónicas da Cidade Grande”, do qual repescou “Canção de Salomão”, para de seguida regressar a “Giesta” com os nostálgicos “Lurdes Valsa Lenta” e “Via Norte”.

Depois deste início de Concerto que, convenhamos, se revelou um pouco “morno”, as coisas começaram a aquecer com “Romaria das Festas de Santa Eufémia” e com “Terra de Ninguém”, este último escrito por Carlos Tê para a voz de Sérgio Godinho em “Voz & Guitarra”, um álbum de 1997. Com “Fizz Limão” e “Reader's Digest”, o cantor revisitou o álbum “Cinco Dias e Meio” (2012), oferecendo de seguida “5 Minutos de Whiskey”, uma música tocada pela primeira vez aquando da apresentação deste álbum no grande concerto do Coliseu do Porto, em Novembro de 2017, e que homenageia um dos “companheiros de estrada” do cantautor.

E Tu Gostavas de Mim”, canção com letra e música de Miguel Araújo, popularizada na voz Ana Moura, no seu álbum “Desfado” (2013), pôs o público a vibrar, “dava-se outro caso assim / e tu gostavas de mim”. “Axl Rose” e “Sangemil”, do álbum “Giesta”, constituiu um sentimental regresso aos gloriosos tempos da juventude, com a banda dos tios e um concerto falhado dos Guns N' Roses em Alvalade, em Julho de 1992 chamados à liça. Em “Recantiga”, novamente das “Crónicas da Cidade Grande”, ouviu-se a plateia a entoar “e era eu, um passarinho caído no ninho à espera do fim / e eras tu, até que enfim, a voltar para mim”, mote intimista para escutar de seguida “Será Amor”, um tema incluído na banda sonora do filme “A Canção de Lisboa”, originalmente para as vozes de César Mourão e Luana Martau, esta última aqui brilhantemente substituída por Joana Almeirante.

O adeus a “Giesta” fez-se com “1987”, uma das canções mais badaladas deste novo álbum e que puxou novamente pela voz da plateia, o mesmo acontecendo com “Balada Astral” e “Dona Laura”, temas incluídos no álbum “Crónicas da Cidade Grande” e que encerraram o Concerto. Miguel Araújo voltaria ao palco, já no “encore”, para, de novo ao piano, interpretar “Ai Margarida”, um poema de Álvaro de Campos com música de Mário Laginha, tudo a terminar em apoteose, primeiro com um pulinho aos “Azeitonas” e a “Anda Comigo Ver os Aviões” e finalmente com “Os Maridos das Outras”, um tema sempre aguardado e, aqui, cantado por todos a plenos pulmões. Foram quase duas horas de Concerto ao longo do qual ficou particularmente patente a excelência dos poemas de Miguel Araújo e a sua presença em palco, em interacção constante com o público, numa demonstração de grande entrega e profissionalismo. Não se podia pedir mais!




CONCERTO: “Conta-me Histórias com Simone de Oliveira”
Cine Teatro de Estarreja
22 Jun 2018 | sex | 21:30


“Isto é um espectáculo ou isto é o quê?” Foi com toda a naturalidade que Simone de Oliveira levantou a questão, já o “Conta-me Histórias” ia avançado. Conversa ou concerto (ou as duas coisas ao mesmo tempo), o espectáculo que preencheu o serão do Cine Teatro de Estarreja em dia de aniversário foi, sobretudo, o pretexto para Simone de Oliveira falar da sua vida pessoal e profissional, desvendar pormenores pouco conhecidos, cantar musicas muito conhecidas, revelar-se, confessar-se, emocionar-se e, sem papas na língua, ser ela própria. Mulher de coisas e de causas, mulher coragem, mulher-mãe, mulher de corpo inteiro!

Entrou em palco a coxear - “fiz uma prótese do joelho; coxeiem mas nunca façam uma prótese”, aconselhou –, mas a conversa correu ligeira como o vento. E foi com “Auto-Retrato”, poema e música de António Sala, que tudo começou, a cantora a expor-se através da canção, “Mudei o cantar e a forma de amar aqui onde estou / Mudei os destinos, virei os meus hinos, mas sei onde vou”. E mostrou que sabia e sabe (sempre soube) onde vai. Contou que foi vítima de violência doméstica aos 19 anos, que saiu de casa e entrou numa depressão profunda, dela se libertando graças à música. “Eu não escolhi a vida, foi a vida que me escolheu a mim”, conta, acrescentando: “Eu nunca quis cantar, nunca quis ser actriz. Eu só queria que aquilo que me aconteceu não tivesse acontecido.” Mas levantou a cabeça e hoje diz, com emoção, “tenho obrigação de ser uma mulher feliz porque a vida deu-me coisas espantosas.”

“Esta Palavra Saudade” foi o segundo momento musical da noite e trouxe-nos a beleza do poema de    José Carlos Ary dos Santos - “Ai! palavra amarga e doce / estrangulada na garganta / palavra como se fosse / o silêncio que se canta”. Mas, de novo, as certezas de Simone de Oliveira: “A minha saudade é uma saudade muito lavada. Que bom ter vivido o que vivi!”. E falou então da vida a dois com Henrique Mendes, “o homem que mais mulheres teve em Portugal”, referindo um episódio de 1969, no Festival RTP da Canção, Mendes na terceira fila de mão dada com outra mulher e ela a “ter um ataque de tudo”, a cantar de raiva, com uma certeza na alma: “É hoje que ganho esta merda!”. E ganhou, com o maior exito da sua carreira, “Desfolhada Portuguesa” - Eira de milho / luar de Agosto / quem faz um filho / fá-lo por gosto” -, musica de Nuno Nazareth Fernandes e letra de Ary dos Santos. Uma canção que, no Festival Eurovisão da Canção, em Madrid, “foi duramente castigada por compadrios, habilidades de bastidores e interesses comerciais, levando a que o próprio ministro da Informação e Turismo espanhol me viesse pedir desculpas e a Portugal”, lembra.

As conversas são como as cerejas e Simone de Oliveira revela-se uma conversadora nata. Fala da sua vitória no Festival RTP da Canção em 1965 com “Sol de Inverno”, de Nóbrega e Sousa e Jerónimo Bragança e de como Carlos do Carmo a ajudou a regressar à música, em 1973, “depois de três anos sem cantar, por ter ficado sem voz”. Em palco, Simone lembrou “Sol de Inverno” - “Dei tudo na vida / Bandeira vencida / Rasgada no chão” - e a extraordinária habilidade dos letristas portugueses para enganar a censura. Cantou também “De Degrau em Degrau”, com letra de Jerónimo Bragança, “Que mais te posso dar? / Que mais queres tu de mim?” e o assombroso “No Teu Poema”, com música e letra de José Luis Tinoco, “(...) um rio / A sina de quem nasce fraco ou forte / O risco, a raiva e a luta de quem cai / Ou que resiste / Que vence ou adormece antes da morte”.

A conversa (o concerto) chegava ao fim com “Desfolhada Portuguesa”, muita coisa dita e muita mais por dizer. Da passagem pelo jornalismo, com a página “Sombras da Ribalta” na revista “R&T”, à quantidade de amantes que lhe arranjaram e “onde só faltavam os toureiros a pé e a cavalo”, passando pela sua relação difícil com a Igreja Católica, de tudo se falou um pouco. No “encore” viria a cantar um intimista “Foi Assim” - “uma canção do meu último álbum que ninguém conhece, as rádios não passam, vá-se lá saber porquê” -, com letra sua e que diz esta coisa espantosa: “A 29 de agosto de 2000 e o que entenderes / talvez possamos olhar-nos como da primeira vez / contar a história de novo / mudar-lhe só o final / se não poderes nessa data pode ser noutra, que tal...”. Pois que seja, nessa ou noutra data. Até já, Simone!




CONCERTO: “Lala Belu”,
de Hailu Mergia
Fundação de Serralves
02 Jun 2018 | sab | 19:00



Para o final da tarde do segundo dia do Serralves em Festa estava guardado um dos pontos altos do certame, com a presença em palco de Hailu Mergia para a apresentação de “Lala Belu”, o seu trabalho mais recente. Parte integrante duma tournée que teve início em Berlim, estendendo-se a Oslo, Gotemburgo, Amsterdão, Paris, Londres e outras cidades europeias, a vinda do músico etíope a Portugal constituiu um momento de júbilo para a imensa mole humana que tomou conta do Prado de Serralves, pese embora os problemas com o som, levando a que o início do concerto se atrasasse substancialmente e tivesse de ser interrompido sensivelmente a meio por falência geral do sistema.

Vale a pena recordar um pouco da história deste etíope de 71 anos, cuja carreira permaneceu largo tempo em stand-by, sendo ressuscitada graças ao poder da blogosfera. Ex-baterista e teclista do bem-sucedido Walias Band, Mergia viu-se obrigado a fugir do seu país de origem em 1981, na sequência do golpe que derrubou Haile Selassie e levou ao poder uma junta militar que, entre outras atrocidades, promoveu uma política anti-música, repressiva e castradora. Exilado nos Estados Unidos, durante a maior parte das três décadas seguintes Mergia conduziu um táxi em Washington, aproveitando as pausas entre os turnos para compor novas músicas que ia gravando de forma precária. Foi só em 2013 que as coisas começaram a mudar quando Brian Shimkovitz, fundador do blog e do selo Awesome Tapes From Africa, descobriu algumas dessas gravações. Daí ao relançamento dos trabalhos dos anos 70 e das desamparadas composições americanas de Mergia foi um pequeno passo que culmina agora com um novo trabalho, vibrante e vital, em final de carreira.

Neste concerto, Mergia ofereceu dois clássicos etíopes, “Gum Gum” e “Anchihoye Lene”, aos quais juntou quatro músicas originais, uma das quais, “Tizita”, é uma jornada que se inicia como um lamento acordeonista à terra natal do músico, há muito tempo deixada para trás, concluindo sob a forma de um frenético tributo ao free jazz do legado musical de sua cidade adoptiva. Explorando diversões melódicas assentes, sobretudo, nos teclados, o multi-instrumentista fez alarde do seu enorme talento, tanto no contemplativo “Addis Nat” como no exuberante “Lala Belu”. Com “Yefikir Engurguro” o concerto atingiu o auge, as notas soando como grossas lágrimas de felicidade caindo sobre as teclas do piano. A seu lado, o baixista Mike Majkowski e o baterista Toni Buck garantiram, de forma superior, o suporte necessário a uma música enérgica, contagiante, de proporções épicas. Grande momento de jazz este, em Serralves, vivificante e inspirador!





CONCERTO: “Caravanas”,
de Chico Buarque
Coliseu do Porto
02 Jun 2018 | sab | 21:30


Minha embaixada chegou / Deixa meu povo passar / Meu povo pede licença / Pra na batucada desacatar". Os versos de “Minha Embaixada Chegou”, escritos pelo compositor baiano Assis Valente para a voz de Carmen Miranda, fizeram-se ouvir 84 anos depois no lotadíssimo Coliseu do Porto. Foi com esse samba altivo que o “resistente” Chico Buarque e a sua banda abriram alas para    passar com “Caravanas”, nome do último álbum de originais do cantor, compositor e músico carioca, num muito saudado regresso aos palcos portugueses, doze anos após a sua última actuação no nosso País.

Num alinhamento com três dezenas de canções, o álbum “Caravanas” esteve presente na íntegra, servindo de inspiração e orientação a todo o espectáculo. Fica assim bem vincada a força da música e dos poemas deste trabalho da maturidade absoluta, onde sobressaem temas como “Blues pra Bia”, “Massarandupió” (escrito em parceria com o seu neto Chico Brown), “Tua Cantiga”, “Jogo de Bola”, “Moça do Sonho” ou o lindíssimo “Dueto”, cantado em conjunto com Clara Buarque, a neta do cantor. Trata-se duma verdadeira obra prima, música e letras fundidas no aconchego e na felicidade de 73 anos do mais maravilhoso que a vida pode dar, para mim o melhor dos 38 álbuns que o cantor gravou em estúdio ao longo da sua carreira.

Entre canções de amores intemporais ou de cariz político e social, Chico Buarque revisitou uma obra que se vem construindo desde 1964 e da qual repescou, entre outros, temas como “Injuriado”, “A Volta do Malandro”, “A História de Lily Braun”, “As Vitrines”, “Futuros Amantes” ou “Geni e o Zepelim”, remetendo para álbuns emblemáticos como “Gota d’Água” (1977), “Almanaque” (1981), “O Grande Circo Místico” (1983), “Malandro” (1985), “Ópera do Malandro” (1986), “Paratodos” (1993) ou “As Cidades” (1998). O concerto serviu igualmente para lembrar parceiros como Edu Lobo, Jorge Helder e Antonio Carlos Jobim, de cuja obra em conjunto o cantor reviveu “Retrato em Branco e Preto” e a canção de exílio “Sabiá”. O malogrado compositor e baterista carioca Wilson das Neves mereceu uma saudação especial, com Chico Buarque a dedicar-lhe o concerto “Caravanas” e a interpretar “Grande Hotel”, canção extraída do álbum de 1996, “Som Sagrado de Wilson das Neves”, lançado em parceria por ambos. Já no segundo “encore”, Chico Buarque pôs termo ao concerto da forma mais previsível, repescando “Tanto Mar”, do álbum com o seu nome, gravado em 1978.

“Sei que estás em festa pá…”, cantou-se gargantas ao alto na sala, embora a realidade deste concerto tenha ficado muito aquém da tão desejada festa. Chico Buarque, a sua poesia e o seu intimismo, evidenciaram de forma absoluta a falta de condições a todos os títulos duma sala como a do Coliseu do Porto. O som esteve péssimo, as cadeiras são desconfortáveis, os lugares mais recuados da plateia não oferecem condições de visibilidade e não há qualquer controlo do público no interior na sala. Está-se num concerto como quem está numa feira, as conversas constantes para o lado, os telemóveis a dispararem ininterruptamente, a gritaria a impor-se às melodias. Há, contudo, duas conclusões a tirar desta péssima experiência, ambas positivas. A primeira é a de que temos em Estarreja, Albergaria a Velha, Sever do Vouga, Santa Maria da Feira, S. João da Madeira, Ovar, Águeda ou Ílhavo salas de excelência, tanto nas condições que oferecem ao espectador como na qualidade das suas programações. E, depois, que não volto a gastar um tostão com idas ao Coliseu. Nem que seja o próprio Chico a pedir-me!




CONCERTO: “Horns Ahead”
Orquestra de Jazz da Escola Profissional de Música de Espinho
Fundação de Serralves
02 Jun 2018 | sab | 11:30


Para além de serem estrelas maiores no firmamento do Jazz, Kenny Doorham, Art Farmer, Chet Baker, Roy Eldridge, Dizzy Gillespie, Miles Davis ou Louis Armstrong têm em comum o facto de serem todos trompetistas de excepção. E foi precisamente em torno do trompete e da sua importância no desenvolvimento da linguagem jazzística, que a Escola de Jazz da Escola Profissional de Música de Espinho se apresentou na edição deste ano do Serralves em Festa para uma hora de grande música. Trouxe com ela, como solista, um virtuoso do trompete, João Moreira, actualmente Professor na Escola Superior de Música de Lisboa, um homem que conta com uma experiência de largos anos, tendo actuado com alguns dos mais relevantes músicos portugueses e estrangeiros e tocando actualmente com o cantor António Zambujo, para quem fez o arranjo orquestral do conhecidíssimo tema “Pica do 7”.

Seguindo um alinhamento muito próximo daquele que preencheu a noite do passado dia 21 de Abril, no Auditório de Espinho e, no dia seguinte, na Casa das Artes de Famalicão, a Orquestra de Jazz de Espinho “arrancou” com “Tiptoe”, de Thad Jones e prosseguiu com “Pipiwipi”, de Carlos Azevedo. Seguiu-se “I Remember Clifford”, de Benny Golson, com arranjos de Sammy Nestico, uma daquelas baladas únicas e intemporais, absolutamente marcantes na história do jazz e que constitui, ao mesmo tempo, uma bela e sentida homenagem a um dos maiores trompetistas de sempre, Clifford Brown, falecido num acidente de viação, aos 25 anos de idade. “Suite for Three”, de Bob Brookmeyer e “Extra Credit”, de Jim McNeely, foram igualmente momentos de grande música, tendo o concerto encerrado com Jovino Santos Neto e “The Fremont Seven”, um tema que integrará o programa do próximo desafio da Orquestra de Jazz de Espinho quando, ao final da tarde do dia 15 de Julho, se apresentar em palco ao lado do grande improvisador Hermeto Pascoal, multi-instrumentista brasileiro que Miles Davis classificou como “o músico mais impressionante do mundo”.

Tempo ainda para falar da Orquestra de Jazz de Espinho e dos seus dois mentores, Paulo Perfeito e Daniel Dias. Trata-se dum projecto extraordinariamente jovem e dinâmico, que teve a sua apresentação pública em 2009 e que encetou, desde então, um percurso artístico consistente no contexto da sua génese e especificidade ligada a uma escola Profissional de Música. Impulsionada e dirigida artisticamente na sua fase inicial por Paulo Perfeito, a Orquestra evoluiu para um modelo de Direcção Musical partilhada entre Paulo Perfeito e Daniel Dias, ambos maestros, pedagogos e trombonistas com carreira e não menos paixão no mundo do Jazz, responsáveis pela extraordinária evolução que a Orquestra entretanto conheceu ao longo dos últimos anos. Cerca de uma década após as primeiras notas, a Orquestra abalança-se agora a um patamar mais arrojado, assumindo um compromisso artístico mais abrangente, sem perder de vista, contudo, a sua identidade formativa e impulsionadora da interpretação da música para esta formação. Uma formação repetente no Serralves em Festa e que voltou a mostrar-se ao mais alto nível. A justificar um acompanhamento de muito perto, com o interesse que merece e o deleite que suscita.




CONCERTO: “O Amor é Cego e Vê”
Vitorino Salomé
Centro de Arte de Ovar
01 Jun 2018 | sex | 22:00


Quando a poesia e o intimismo se juntam ao virtuosismo no piano e na voz, isso só pode resultar em momentos únicos de puro deleite. Foi o que aconteceu na noite da passada sexta feira, num concerto maravilhoso oferecido por Vitorino Salomé ao público ovarense e que o cantautor alentejano intitulou de “O Amor é Cego e Vê”. Numa sala praticamente lotada, Vitorino fez-se acompanhar ao piano por dois nomes que dispensam apresentações, Filipe Raposo e João Paulo Esteves da Silva, revisitando algumas músicas de eleição dos seus mais de quarenta anos de carreira, não necessariamente as mais conhecidas do grande público. Com este espectáculo, estreado no Teatro da Trindade em Outubro do ano passado, Vitorino ensaiou pela primeira vez um novo formato em palco, pondo em destaque a extraordinária riqueza das letras, conferindo às músicas uma beleza extrema e criando um envolvimento único com o público fundado na mais pura emoção.

“Tango do Marido Infiel Numa Pensão do Beato” e “Fado da Prostituta da Rua de Santo António da Glória”, duas canções escritas por António Lobo Antunes e incluídas no álbum “E Eu Que me Comovo Por Tudo e Por Nada” (2006), abriram da melhor forma o concerto, seguindo-se “Fado Triste”, “Corto Maltese” e “Fado Adeus”, um poema escrito para a voz de Carminho, “diz-me onde anda a minha alma já sem cor / onde estão os dias claros, tudo em flor?”. Mas este foi também um concerto de homenagens que teve início no poeta António José Forte, com “Uma Faca nos Dentes”, prosseguiu com Zeca Afonso e “Que Amor não me Engana” e desaguou num dos mais belos sonetos de Manuel Alegre, imortalizado na música e na voz de Adriano Correia de Oliveira, “E Alegre Se Fez Triste”.

Antes de chegarmos a Tomaz Alcaide e a “O Amor é Cego e Vê” (que os mais velhos recordarão da banda sonora do filme “Camões”, de Leitão de Barros e os não tão velhos da voz de Eugénia Melo e Castro, do seu álbum com o mesmo nome, de 1990), tempo para “Porta de Damasco” e “Traz a Água e o Vinho”, poemas da autoria de Vitorino, o primeiro com música de João Paulo Esteves da Silva e o segundo de Filipe Raposo. Com “Vingança”, de Lupicínio Rodrigues - “Eu gostei tanto / Tanto quando me contaram / Que a encontraram / Bebendo e Chorando / Na mesa de um bar” -, Vitorino fundiu samba e fado num dos momentos fundamentais do concerto. Seguiu-se “Vendaval”, um dos grandes sucessos do “Sinatra português”, Tony de Matos, entretanto recuperado por Sérgio Godinho no seu álbum “Caríssimas Canções” (2013), chegando, enfim, ao segundo grande momento de homenagens da noite, primeiro a Joni Mitchell com “Answer me My Love” e depois ao enorme Jacques Brel com “La Chanson des Vieux Amants”, “Plus rien ne ressemblait à rien / Tu avais perdu le goût de l'eau / Et moi celui de la conquête”.

À beirinha do fim, Vitorino juntou o castelhano às canções em português, inglês e francês, interpretando “El Dia Que Me Quieras”, um clássico absoluto de Carlos Gardel, aqui numa adaptação de António Lobo Antunes e do próprio Vitorino Salomé. Colocando um ponto final no alinhamento do concerto, o cantor foi ao seu primeiro álbum de originais, “Semear Salsa ao Reguinho” (1975), resgatar “Vou-me Embora, Vou Partir”, com o público na sala a acompanhar a letra “(...) vou partir mas tenho esperança / de correr o mundo inteiro, quero ir / quero ver e conhecer rosa branca / e a vida do marinheiro sem dormir”. Já no “encore”, Vitorino cantou “A Queda do Império”, do álbum “Sul” (2006), para regressar em seguida a Zeca Afonso e fechar o concerto com “Canto Moço”, canção intemporal, vozes e corações clamando “Onde há sempre uma boa estrela / Noite e dia ao romper da aurora”. Sublime!




CONCERTO: Mallu Magalhães
Cine-Teatro de Estarreja
30 Mai 2018 | qua | 21:30


“Pode falar que nem ligo / Agora eu sigo / O meu nariz / Respiro fundo e canto / Mesmo que um tanto rouca”. Extraídas de “Velha e Louca”, canção que faz parte de “Pitanga” (2011), o terceiro álbum de estúdio da cantora, estas palavras poderiam muito bem definir os estados de alma de Mallu Magalhães quando, na noite de ontem, subiu ao palco do Cine-Teatro de Estarreja para duas horas de emoção e magia em torno da sua voz e das suas melodias. Leve e descontraída, descomprometida, solta e imensamente feliz, gargalhada espontânea, um sorriso cativante, a cantora mostrou-se em palco como se estivesse em casa. Brindou o público com quase duas horas de música, percorreu os sucessos maiores da sua carreira, passou do intimismo à euforia com a naturalidade das coisas simples e deixou a nota duma imensa felicidade por estar ali a cantar para um público caloroso e generoso. Mas estou em crer que, se àquela mesma hora, estivesse na sala da sua casa enfiada num pijama flanelado azul com desenhos de cegonhas, viola no colo, a cantar só para si, a felicidade não seria menor.

Fazendo incidir o alinhamento do concerto nas músicas que compõem “Vem” (2017), o seu mais recente álbum, a cantora não quis deixar de fora um conjunto de músicas igualmente marcantes, ao encontro das expectativas do público. Foi assim com “Sambinha Bom”, também do álbum “Pitanga”, lançado ainda na fase inicial do concerto e que resultou na primeira grande ovação da noite. Mantendo-se num registo Bossa Nova, a cantora interpretou de seguida “Casa Pronta”, um dos singles do álbum “Vem” e uma das bonitas - “As flores na sala de estar / E os detalhes que você gosta / Eu fiz um quarto pra você / Decorei até a sua porta” -, a letra toda ela uma declaração de amor. Mudando para um registo mais pop, Mallu Magalhães recordou “Seja Como For”, do projecto “Banda do Mar” (2014), do qual fazem também parte Marcelo Camelo e Fred Pinto Ferreira, regressando de seguida a “Vem” e a outro dos hits do álbum, “Navegador” - “Quero nadar nas ondas da felicidade / Tenho o tronco forte de navegador / Quero provar o mel da liberdade / Tenho os pés descalços de pescador” -, carta de intenções emotiva, firmada no seu mais fundo.

O concerto seguia agora nos traços do intimismo e “Olha Só, Moreno”, do álbum “Pitanga”, mostrava como “juntinho”, “devagarinho” e “cabelo enroladinho” podem rimar de forma mais encantadora quando entoados numa voz rouca, cada palavra uma carícia. Seguiu-se “Linha Verde”, também do álbum “Vem”, uma canção com um significado muito especial para a cantora, repartida entre o Brasil onde nasceu e o Portugal onde vive há cinco anos e onde nasceu a sua filha Luísa. Um tema onde saudade e felicidade passeiam de mãos dadas “na multidão (…), num fim de tarde”, um cheirinho de fado a realçar o encantamento. De seguida, Mallu interpretou “Quando Você Olha Pra Ela”, canção escrita para a voz de Gal Costa e que a Diva transformou num enorme sucesso ao incluí-la no seu álbum “Estratosférica” (2015), ao lado de outras canções de compositores tão famosos como Milton Nascimento, Marisa Monte, Arnaldo Antunes ou Caetano Veloso.

Até ao final, o alinhamento baseou-se essencialmente no Álbum “Vem”, desde “Gigi”, um delicado e poético tributo à sua mãe, a paisagista Gigi Arruda Botelho, a “São Paulo”, passando por “Você Não Presta”, “Será Que Um Dia”, “Love You” ou “Vai e Vem”, estes dois últimos já no “encore”. Tempo ainda para um regresso ao registo Bossa Nova com “Cena” - “Vou fazer cena amor / Pra ver / Se vale a pena a dor / Só pr'eu ser tema desse teu compor” -, e também para um recuo ao primeiro álbum da cantora, “Mallu Magalhães” (2009), com um muito country “Shine Yellow”. Finalmente, de novo “Banda do Mar” a encerrar o alinhamento com “Mais Ninguém” e depois, fechando o Concerto, com o divertido “Muitos Chocolates”, a mais doce das despedidas. Para uns uma surpresa, para muitos a confirmação duma cantora e compositora de excepção, Mallu Magalhães foi gigante na noite de ontem. O seu concerto fez vibrar o público mas acredito que as palavras e a música da paulista tocaram ainda mais de perto os corações dos muitos irmãos brasileiros presentes na sala. Portugal e Brasil assim unidos, resta-me pôr um bocadinho de canela na voz e exclamar: Foi bonita a festa, pá!




CONCERTO: “Trilogia”
Fausto Bordalo Dias
Centro das Artes e do Espectáculo de Sever do Vouga
19 Mai 2018 | sab | 21:30


Com a publicação, em 2011, de “Em Busca das Montanhas Azuis”, composto por canções em torno da exploração de África pelos portugueses, Fausto Bordalo Dias concluiu uma das obras fundamentais da música popular portuguesa. O álbum duplo foi o terceiro e final capítulo da intitulada trilogia “Lusitana Diáspora” – depois de “Por Este Rio Acima” (1982, a partir da “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto) e “Crónicas da Terra Ardente” (1994, debruçado sobre as viagens marítimas dos navegadores portugueses). Baseando-se nestes trabalhos, foi para rever e reviver a vida dum povo que, afinal, somos nós, que o músico e a sua banda subiram ontem ao palco do Centro das Artes e do Espectáculo de Sever do Vouga para uma noite absolutamente memorável.

Com as guitarras de “É o Mar Que Nos Chama” em fundo, Fausto foi recebido pelo público que esgotava o espaço com uma ovação estrondosa e que se perpetuou ao longo dum concerto que foi de festa e celebração. “Por Este Rio Acima”, considerado por muitos como o melhor álbum conceptual de música portuguesa de sempre, está a soprar 36 velas e foi ele quem primeiro saiu à liça. “O Barco Vai de Saída”, “A Voar por Cima das Águas”, “A Guerra é a Guerra”, “Porque não me Vês” e “Lembra-me um Sonho Lindo” fizeram gritar as gargantas do público e resultaram em momentos únicos, a revisitação destes temas a provar a sua força e actualidade. Saltou-se para as “Crónicas da Terra Ardente”, mas a batida manteve-se... e o entusiasmo também. Os ritmados “Ao Som do Mar e do Vento” e “A Deriva Porto Rico” e o intimista “Todo Este Céu” deram o mote para “Na Ponta do Cabo”, os oito músicos à frente do palco, só bombos e paus e vozes, um dos momentos mais altos do concerto.

Ao último álbum da trilogia, “Em Busca das Montanhas Azuis”, foi Fausto Bordalo Dias buscar cinco temas para fechar o alinhamento do concerto... ou quase. “Velas e Navios Sobre as Águas”, “E Viemos Nascidos do Mar”, “Fascínio e Sedução”, “Bárbaras Iguarias” e “Por Altas Serras de Montanhas” foram interpretados com a mesma garra e determinação dos anteriores, colocando em evidencia a extraordinário uniformidade do trabalho do cantautor. Tempo ainda para “Lusitana”, do Álbum “Para Além das Cordilheiras”, um tema perfeitamente integrado nestas histórias, crónicas e acontecimentos na vida de um povo que foi alvo do fenómeno da diáspora. E, já no “encore”, recordou-se “Foi Por Ela”, do mesmo álbum, colocando da melhor forma um ponto final num concerto único.

Alguns dirão que ficaram por cantar “Por Este Rio Acima”, “Navegar, Navegar” ou “Olha o Fado”; outros lembrarão “Diluídos Numa Luz” ou “Ao Longo dum Claro Rio de Água Doce”; outros, ainda, mais revivalistas, não desdenhariam ter escutado “Uns vão Bem e Outros Mal”, “Atrás dos Tempos Vêm Tempos” ou “Se tu Fores Ver o Mar (Rosalinda)”. E isto só prova a qualidade e a vastidão da obra de Fausto Bordalo Dias, uma obra que não cabe num concerto. Nem em dois... nem em três (só os três álbuns da trilogia contemplam, no seu conjunto, 59 temas). Ontem foi-nos dado a ouvir um pedacinho do seu magnífico trabalho. E foi um privilégio poder ter lá estado para o viver e sentir!




CONCERTO: Celina da Piedade convida A Par d'Ilhós
Cine-Teatro de Estarreja
05 Mai 2018 | sab | 21:30


Celina da Piedade regressou ao palco do Cine-Teatro de Estarreja para uma viagem, na voz e no acordeão, pelas memórias da música de raiz popular portuguesa. Mas não veio só. Com ela – ilustres convidados “na sua própria casa” - estiveram os A Par d'Ilhós, agrupamento que está a celebrar 35 anos de vida e que se dedica à recolha e divulgação da Música Tradicional Portuguesa. Um encontro de amigos que resultou numa noite com muita música e animação, algumas histórias saborosas contadas na primeira pessoa e a total entrega do público que, sempre que o momento se ofereceu, não se fez rogado a acompanhar modas, saias e corridinhos.

Fazendo a ponte com a sua última presença neste palco, Celina da Piedade abriu o concerto com a interpretação de “Tardes de Bolonha”, trazida ao mundo pelos “Madredeus” no seu álbum “Existir” (1990) e que a artista confessou interpretar “desde os 12 ou 13 anos”. Seguiu-se “Toada à Beira Mar” e “Fui ao Jardim Passear”, dedicada a uma muito jovem fã. Mas foi com “Altinho” que a plateia começou realmente a animar-se, depois dum “ensaio” que pôs toda a gente a cantar. “Se eu vos ensinar bem, para a semana fazem outro concerto, mas desta vez sem mim”, garantiu a cantora. E cantou-se, espécie de Facebook, “Eu quero ir para o altinho / Que eu daqui não vejo bem / Quero ir ver do meu amor / Se ele adora mais alguém”.

“Laranja da China”, “Assim sou Eu” - o single do seu segundo disco, “Sol” - “Saias da Moda” e “Primavera”, a música que a cantora levou ao Festival da Canção em 2017, preencheram os momentos seguintes. Já a bola deixara de rolar em Alvalade e o Futebol Clube do Porto fazia a festa de Campeão da I Liga quando “Rebola a Bola” se entoou em palco. De novo o público foi convidado a assistir a mais uma aula – desta vez com a promessa duma “bucha” de regueifa no final -, embarcando numa espécie de hip-hop com origem na Serra do Caldeirão e que se espalhou nas vozes de todos, entre verdade e mentira, de Loulé até Tavira.

Maria Emiliana Silva (violino) e Nuno Alexandrino Silva (piano, acordeão e voz) precederam em palco os restantes elementos do grupo A Par d'Ilhós para interpretarem, com Celina da Piedade, “A Aurora Tem um Menino” e “Ceifeira, Linda Ceifeira”. E foi já com toda a gente em palco que se percorreu um pouco do cancioneiro desta região do Baixo Vouga Lagunar, com “Vareira de Ovar”, “Linda Morena” e “Ribeira de Mourão”, estas duas últimas canções muito ligadas à festa do S. Paio da Torreira. O Cante Alentejano e a forma como todo os dias se renova voltou ao palco em “Roubei-te um Beijo” mas foi o “Aeroplano” - um tema estranhamente alegre sobre a queda dum avião no mar – que constituiu o ponto mais alto da noite, com toda a gente a cantar “É o 'erplano' / Caiu ao mar por engano / É o 'erplano' de Cascais / Caiu ao mar p'ra nunca mais”.

Já no “encore”, Celina da Piedade interpretou, de forma intimista, “A Roupa do Marinheiro” e, logo de seguida, “Limoeiro”, a propósito do qual referiu que a primeira vez que cantou esta música em palco foi em Estarreja e, justamente, com os A Par d'Ilhós. “Aqui semeámos o limoeiro”, disse, acerca duma canção que evoca um mundo perfeito, de comunhão e partilha, e em cujos arranjos sobressaíram acordes da “Avé Maria” de Gounod. Tudo acabou em festa com “Calimero e a Pêra Verde”, o publico convidado a por-se de pé, a cantar e a dançar. “Deste-me uma pêra verde / Estava a meio de amadurar / Pêra verde minha verde pêra / Não me venhas enganar”. Já está!




CONCERTO: “4 Mãos: Os Esteiros na Ponta da Caneta”,
de Filipe Raposo (piano) e António Jorge Gonçalves (desenho em tempo real)
Cine-Teatro de Estarreja
04 Mai 2018 | sex | 21:30


Como um poema! Foi assim, “a 4 mãos”, na noite de ontem, no Cine-Teatro de Estarreja. Em palco, num “concerto para piano e caneta”, o encontro improvável entre a música e o desenho em tempo real, protagonizado por Filipe Raposo e António Jorge Gonçalves, traduziu-se num momento poético singular, intimista e particularmente belo. Ao longo de 45 minutos, sob uma música ora dolente e melodiosa, ora nervosa e vibrante, desfilaram ante o olhar do público um conjunto de sequências desenhadas inspiradas nas belíssimas paisagens desta região do Baixo Vouga Lagunar.

Num palco ainda escuro, começam a escutar-se notas indefinidas que se vão traduzindo por pontos e traços no ecrã, como se de uma espécie de código se tratasse. Passados os primeiros momentos, as linguagens começam a articular-se entre si de forma mais clara, a sequência de notas transforma-se em melodia e os pontos e linhas ganham continuidade para formarem um desenho, inicialmente confuso - reticulado informe sobre um fundo escuro -, logo tornado legível com o aparecimento dum barco, um homem com uma vara que o conduz, uma das linhas transformada em canal. De repente tudo faz sentido, um mapa imaginário da ria com os seus esteiros oferece-se aos nossos olhos com toda a definição. Sobre o mapa surgem homens e a geografia dos lugares desloca-se para paisagens interiores, aludindo à pesca, à apanha do sal, ao cultivo dos campos, ao pastoreio do gado, à comunhão com um mundo a pulsar de vida. Vida que é agora ilha, que logo é jangada a transbordar de gente, para no momento seguinte ser cidade do novo mundo, de arranha-céus feita. E o todo reduz-se ao átomo, que deixa de o ser para ser íris e dente-de-leão e pétalas coloridas que se transformam em fogo com o qual o homem se aquece. Pura poesia!...

Baseado em duas linguagens artísticas diferentes, construído numa base de espontaneidade e improviso, “4 Mãos: Os Esteiros na Ponta da Caneta” oferece momentos de enorme beleza, realçando a simbiose entre o homem e a natureza no seu estado mais puro. E tudo de forma tão simples, tão natural, que nos põe um sorriso de felicidade no rosto e um enorme aconchego na alma. Mas este é também um espectáculo sobre a amizade entre duas pessoas que, ao longo do tempo, têm vindo a construir uma cumplicidade que engloba momento, estrutura, textura, evocação e emoção. Filipe Raposo e António Jorge Gonçalves interagem de forma única, evidenciando discursos que se encontram, intersectam, provocam, completam. Com os sentidos à flor da pele, em suspenso, levados nas asas do sonho, assistimos em êxtase ao desenrolar desta(s) história(s). Que nos confortam e animam, que nos enlaçam e aquecem.




CONCERTO: “Big Band Estarrejazz convida João Mortágua”
Cine-Teatro de Estarreja
29 Abr 2018 | dom | 17:00


Quando se assinala, em 190 países à volta do Mundo, mais um Dia Internacional do Jazz, recuamos doze horas na linha do tempo, ao encontro do concerto da Big Band Estarrejazz e do seu convidado, o saxofonista João Mortágua, que ontem mesmo, num Cine-Teatro de Estarreja despido de público, fez questão de, antecipadamente, marcar a efeméride. Pela segunda vez no seu historial, a Big Band Estarrejazz teve a dirigi-la Carlos Azevedo, um homem que se define acima de tudo como compositor mas que tem sido um importante protagonista do movimento jazzístico português, tanto no campo educativo – associou-se à fundação da Escola de Jazz do Porto nos anos 80 e criou a primeira Licenciatura em Jazz do país, na Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo (ESMAE), em 2001 – como performativo – partilha com Pedro Guedes, desde 1999, a Direcção Musical da Orquestra Jazz de Matosinhos.

Assente na enorme qualidade dos seus executantes que, embora muito jovens, são já uma certeza da cena jazzística nacional - casos do trombonista Rui Bandeira, dos saxofonistas Ricardo Rosas, Tiago Silva, Domingos Henriques, Miguel Valente e Tomás Marques, do pianista José Diogo, do guitarrista Ricardo Alves ou do contrabaixista João Fragoso - a Big Band Estarrejazz ofereceu um concerto de grande nível, interpretando alguns standards de maneira absolutamente genial. De “Just In Time”, do compositor britânico-americano Jule Styne ou “Do Nothing Till You Hear From Me”, do fabuloso Duke Ellington, as duas peças que abriram o concerto, a “Straight, No Chaser”, de Thelonious Monk, com direito a repetição, já no “encore”, o público foi brindado com momentos de grande qualidade e intensidade interpretativa, ao encontro de temas indelevelmente gravados na memória de todos e cujas sonoridades remetem para a sofisticação dum Cotton Club, para as Noites Escaldantes de Gere e Turner, para Nicolas Cage, perdido de bêbado, em Leaving Las Vegas ou para o que se quiser, desde que com o Jazz em pano de fundo.

Ainda antes da presença de João Mortágua em palco, foi possível escutar “Flight Of The Foo Birds”, de Neal Hefti e o já referido “Straight, No Chaser”, para logo de seguida o saxofone alto do “convidado-estrela”, como foi definido por Carlos Azevedo, começar a debitar magia. “Long Ago (And Far Away)”, de Jerome Kern, voltou a convocar o grande ecrã e Cover Girl, com Rita Hayworth e Gene Kelly. “There Will Never Be Another You”, de Harry Warren, imortalizado na voz de Chet Baker e aquele que foi o grande momento da tarde, com “Skylark”, de Hoagy Carmichael, num arranjo fabuloso de Bob Brookmeyer, completaram um concerto que teve uma revelação – com Carlos Azevedo a assumir-se como “o Mourinho das Big Band” -, uma provocação – com “vivas” reiteradas ao Tondela - e uma explosão (!) ... que não magoou ninguém!




CONCERTO: “70 anos de Vida e 50 de Canções”,
de Fernando Tordo
Casa da Música, Porto
27 Abr 2018 | sex | 21:30


Fernando Tordo subiu, na noite da passada sexta feira, ao palco da Casa da Música. Com ele trouxe as memórias que marcam uma impressionante carreira, os caminhos trilhados, os artistas com quem se cruzou e uma “colheita seleccionada” dum vasto repertório que se estende por mais de 600 canções. Com ele trouxe também quatro convidados muito especiais – Rita Redshoes, Anabela, Filipe Manzano Tordo e Ricardo Ribeiro -, o amigo e admirador Jorge Gabriel, a quem coube a apresentação do cantor e ainda um octeto de cordas e metais onde se destacaram Lino Guerreiro e Valter Rolo, dois arranjadores fundamentais na dinâmica deste concerto e dum disco de duetos que se avizinha. A isto respondeu o público com a sua presença e entusiasmo, enchendo por completo o vasto auditório da Casa da Música e não se cansando de aplaudir o cantor.

O início do concerto fez-nos recuar a 1979 e ao álbum “Fazer Futuro”, com o cantor à conversa com o público e a explicar “Como Se Faz Uma Canção”. O momento, de grande naturalidade, deu o mote ao que viria a seguir, com Fernando Tordo a trazer para o palco a sua enorme experiência de 54 anos de cantigas e a revelar-se um extraordinário conversador. Tanto assim que “Meu Corpo”, o segundo momento da sua actuação e que constituiu uma homenagem a Beatriz da Conceição, mereceu um pedido a Rui Moreira, o Presidente da Câmara Municipal do Porto, para que encontrasse “uma ruazinha, uma viela, um beco” ao qual pudesse dar o nome desta enorme mulher do fado e do Porto.

“Cavalo à Solta”, “Balada Para Os Nossos Filhos”, “Estrela da Tarde”, “Novo Fado Alegre” ou “Tourada”, permitiram perceber o quão representativo é Fernando Tordo no cancioneiro da música portuguesa mas, sobretudo, o quão indissociáveis são as suas canções das letras de José Carlos Ary dos Santos, o poeta rebelde, empenhado, apaixonado por causas e pessoas, que nos deixou há 34 anos. Isso mesmo fez questão de vincar, prestando-lhe o maior dos elogios “por ter sido – e continuar a ser (!) - a única pessoa no mundo a fazer letras sobre músicas já feitas”. As histórias de cada música, contadas sem rodeios e sempre com um toque de humor e amor à mistura, fizeram as delícias dum público atento, interessado e emocionado com tamanha sinceridade e cumplicidade.

Num concerto emotivo, delicado e com um forte cheiro a Abril - “... não é por mais nada, é só por causa da Liberdade!”, disse Fernando Tordo a certa altura -, com tanto mais que haveria por dizer, valerá a pena registar para memória futura três momentos absolutamente únicos: A interpretação de “Estrela da Tarde”, em dueto com Ricardo Ribeiro, a leitura dum poema da sua autoria, “Painel”, no qual se evoca “Ribeira Negra” e, na figura de Mestre Júlio Resende, se homenageiam as gentes do Porto e, pela sua delicadeza e significado, a presença em palco de Filipe Manzano Tordo, filho do cantor, a interpretar “Intermezzo”, uma peça para piano da autoria de Nicolai Kapustin. Tempo ainda, no final, para uma sessão de autógrafos do álbum “Outro Canto”, pelo qual Fernando Tordo foi distinguido em 2017 pela Sociedade Portuguesa de Autores com o Prémio Pedro Osório. Concerto memorável, este, que para sempre perdurará nos corações de quem a ele teve o privilégio de assistir!




CONCERTO: “BBJ abraça Sassetti”
Centro de Arte de Ovar
22 Abr 2018 | dom | 17:00


Com o “abraço” da Big Band Junior a Bernardo Sassetti, chegou ao fim a primeira edição do Ovar em Jazz, iniciativa no âmbito da programação em rede da comunidade intermunicipal da região de Aveiro. O evento - que contemplou uma oficina de improvisação, uma masterclass, jam sessions e quatro concertos em outros tantos dias consecutivos - viria a revelar-se um verdadeiro maná para os amantes do jazz, quer pela variedade das propostas, quer sobretudo pela sua extraordinária qualidade. De parabéns está a entidade organizadora do Ovar em Jazz, a Câmara Municipal de Ovar, e sobretudo Fátima Alçada, a programadora dum evento que, em edição de estreia, revelou conhecimento e ambição, logrando colocar Ovar no mapa da cena jazzística nacional.

No último dia do Ovar em Jazz foi possível escutar a música feita pela Big Band Junior – agrupamento de 20 crianças e jovens, conduzidas em palco pelo maestro Claus Nymark –, que soube gerir da melhor forma um programa ambicioso, quase integralmente dedicado a Bernardo Sassetti, desaparecido em 2012, aos 41 anos de idade. “Pescaria”, uma encomenda da Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura / Casa da Música e interpretada na estreia pela Orquestra de Jazz de Matosinhos, abriu o concerto, seguindo-se “Seja um caminho azul”, com música e arranjos de João Godinho, um dos Directores Artísticos da Big Band Júnior. Depois de “Azul é o Mar”, de Carlos Bica (do álbum “Azul”, 2007), regresso a Sassetti com dois temas extraídos do álbum “Nocturno” (2002), “Quando Volta o Encanto” e “Olhar”, reveladores da sensibilidade extrema do compositor. “Mali M'Bule Baaba”, com música de Carlos Martins, Carlos Barreto, Bernardo Sassetti e Cindy Blackman, revelou-se um delicioso divertimento e “Algumas Coisas Nunca Mudam”, do álbum “Mundos” (1997), encerrou o concerto da melhor maneira, realçando uma vez mais o enorme talento de Sassetti e exaltando a sua capacidade única de pintar paisagens sonoras de inigualável beleza.

Dizer que “BBJ abraça Sassetti” foi um excelente concerto é dizer muito pouco. Não se remetendo aos alinhamentos clássicos das Big Band – com Glenn Miller, Count Basie, Tommy Dorsey ou Harry James à cabeça –, a BBJ revelou ambição e apostou forte ao abraçar um projecto com tanto de exigente como de belo. Aposta ganha, já que a qualidade interpretativa do grupo – reforçado pelo saxofonista alto Bernardo Tinoco, pelo trompetista João Moreira e pelo “líder espiritual” da BBJ, o contrabaixista João Fragoso – e a forma como soube captar a essência da música de Sassetti, ficaram bem patentes ao longo do concerto. Apesar da sua juventude, há na Big Band Junior gente com um potencial enorme, que os responsáveis pelo projecto têm sabido trazer ao de cima. É uma nova geração do Jazz a despontar, desejosa por se afirmar, por mostrar aquilo de que é capaz. Pois que possamos manter-nos por cá, a vê-los crescer e a crescer com eles.




CONCERTO: “Children of the Light” Ft. Danilo Pérez, John Patitucci e Brian Blade
Centro de Arte de Ovar
21 Abr 2018 | sab | 22:00


Danilo Pérez, John Patitucci e Brian Blade foram, durante mais de uma década, elos fundamentais dum quarteto que teve em Wayne Shorter a sua figura de proa. Juntos, gravaram para as míticas Verve e Blue Note, percorreram palcos de todo o mundo, conquistaram adeptos para a sua música e encantaram com o seu sentido rítmico, a sua deliciosa capacidade de improvisão, a sua mestria interpretativa única. Desmantelado o agrupamento, Pérez, Patitucci e Blade prosseguiram as suas carreiras individuais como líderes dos próprios projectos e grupos, mas não quiseram perder a possibilidade do reencontro em palco, reforçando uma enorme amizade e cumplicidade. E eis que, em 2015, gravaram para a Mack Avenue Records “Children of the Light”, álbum dedicado ao seu mentor e guia musical e que encerra uma oração carregada de esperança na inocência das crianças e um desejo implícito de que a luz volte a iluminar o mundo, devolvendo a paz a uma humanidade que dela parece ter-se desencontrado.

Foi precisamente com “Children of the Light” que, no penúltimo dia do novíssimo Ovar em Jazz, o trio subiu ao palco do Centro de Arte de Ovar para um concerto absolutamente glorioso, fenomenal, único. O tema das crianças irá surgir a espaços, quer na carga lúdica que acompanha o tema que dá nome ao concerto, quer, de forma explícita, em “Sunborn and Mosquito”, dedicado a Carolina, uma das filhas de Pérez. Mas foi a luz que atravessou todo o concerto e se impôs em composições como “Moonlight on Congo Square”, “Lumen”, “Light Echo / Dolores”, “Milky Way” (“Via Láctea”), “Looking for Light” ou “Luz del Alma”. Uma luz que ora se derramou de forma abrupta, intensa e ofuscante, ora se ofereceu suave e doce, em notas tranquilas, acentuando a felicidade do momento.

Aquilo que, porventura, mais impressionou o público presente – cujo número se quedou bastante aquém da lotação da sala – terá sido o equilibrio e homegeneidade do trio, a sua enorme coesão e audácia. Mesmo nos momentos em que cada um coloca o seu talento ao serviço do conjunto, é possível perceber de que forma a sua identidade musical, a sua marca distintiva permanece intacta – fechar os olhos e isolar um instrumento dos restantes constitui, em “Children of the Light”, um exercício deveras inspirador. Ora lineares, verdes prados de formas suaves e flores delicadas, ora complexas, vertiginosos precipícios ou gargantas abruptas por onde correm torrentes caudalosas, as composições do trio são meios de representação, as suas músicas pintam cenários, os sons que produzem contam histórias. É neste domínio da visão e do sonho, numa dimensão fluida de gravidade zero, que o espectador é convidado a permanecer. Aquilo que o espera está para além do definível. É único e espontâneo. Composição ou improviso, é como uma explosão rítmica que marca o bater do próprio coração. É o Jazz na sua dimensão orgânica. É vida que se desprende de cada nota!




CONCERTO: Carlos Bica & Azul – com Frank Möbus e Jim Black
Centro de Arte de Ovar
20 Abr 2018 | sex | 22:00


Quando, em 1996, o contrabaixista Carlos Bica, o guitarrista Frank Möbus e o baterista Jim Black uniram esforços e lançaram “Azul”, o seu primeiro álbum, estavam longe de imaginar que essa intimidade e cumplicidade resistiria de forma tão natural ao passar dos tempos, de tal maneira os seus interesses se espalhavam por outros e variados projectos. A verdade é que, apesar de tudo, o trio prosseguiu unido, reforçou a sua própria matriz identitária, continuou a criar e a divertir-se e gravou entretanto mais cinco álbuns, o último dos quais, “More Than This” (2016), foi apresentado na noite de ontem, no Centro de Arte de Ovar, no segundo dia da edição inaugural do Ovar em Jazz.

Das paisagens densamente urbanizadas de “Skeleton Dance” à vastidão da planície alentejana, com    “Na Rama do Alecrim”, foram passadas a pente fino as composições que integram “More Than This”, às quais o trio acrescentou dois ou três temas dos seus álbuns anteriores para preencher um alinhamento de grande qualidade e interesse. Salta aos olhos do espectador a enorme maturidade compositiva e interpretativa do trio, apostado em fazer boa música e empenhado na sua divulgação. Cada tema é um convite a captar a onda de sonoridades que dele se desprende e a dar livre curso à imaginação, aqui subindo ao alto duma colina ou caminhando pela orla da praia, além observando as baleias ou galopando Jolly Jumper, o cavalo de Lucky Luke.

Podem não ser muitos, mas são bons e fiéis os seguidores do trabalho do trio. Sabem que cada concerto é uma descoberta e que, no final, todos sairão mais felizes e enriquecidos. Até pelas histórias que se partilham – Carlos Bica a trocar o contrabaixo pela bateria, Jim Black a tomar o lugar de Frank Möbus na guitarra e este, ao microfone, a contar uma história, passado que está o tempo do concerto. Uma história que fala de como a música pode mudar a vida duma pessoa, fazer com que recupere o entusiasmo e a força de viver, com que aqueles que partiram, por não aguentarem mais a situação, estejam agora de regresso, com que o seu próprio espaço – incluindo gatos e cães – retome a normalidade. Não uma música qualquer, mas a de Bica, Möbus e Black. Numa pequena cidade do distante e frio Norte da Alemanha ou aqui mesmo, em Ovar. Com um simples bombeiro ou com qualquer um de nós.




CONCERTO: Pedro Barroso
Auditório dos Plebeus Avintenses
14 abr 2018 | sab | 21:30


Dizer que a música de intervenção é parte importante do nosso património cultural será, porventura, palavra vã para muitos. Mas aqueles que viveram o 25 de Abril com o coração aos saltos, que provaram “naquela clara madrugada” o sabor da liberdade e que não deixaram de associar as mais doces memórias da revolução às suas músicas e aos seus autores, cantam ainda hoje a “Grândola”, “Que Força é Essa” ou “Eu Vi Este Povo a Lutar” com a mesma emoção de há 44 anos atrás. E foi num auditório repleto desta gente, gente entusiástica, gente que continua a ver “na cantiga uma arma”, que teve lugar na chuvosa e fria noite do passado sábado um concerto a todos os títulos memorável. Em palco – para celebrar Abril, render homenagem a Adriano Correia de Oliveira e assinalar o centenário dos Plebeus Avintenses, bandeira maior do teatro amador em Portugal -, Pedro Barroso mostrou o porquê de ser uma das figuras mais queridas do Canto Livre, brindando os presentes com a força da sua música e a emoção dos seus poemas.

“Cantarei”, do álbum “Cantos À Terra-Madre” (1982) abriu o concerto e, logo ali, se percebeu ao que todos vínhamos. Na plateia entoava-se com emoção o refrão, depois de escutar as palavras do poeta: “Por isso invento caminhos / mais cantigas viajantes / e sinto música nos dedos / com a mesma força de antes”. Estava dado o mote. As cordas do violoncelo sugeriam agora o grito das gaivotas, levando-nos pelas areias da Praia da Areia Grande, ao encontro de um homem apaixonado. “Água”, do álbum “Roupas De Pátria Roupas De Mulher” (1986), dava a ver “(…) um povo antigo / a cantar comigo uma canção de roda”, irmanando músicos e público na celebração e no júbilo. Os poemas continuavam a fluir, belos e sentidos, e Pedro Barroso dirigia-se ao auditório ao cantar “Bonita”, do álbum “De Viva Voz” (2002), sabendo que “é tão difícil encontrar pessoas assim bonitas”. O tangueado “Música, Música” transportou-nos a 2012 e ao álbum “Cantos da Paixão e da Revolta”, enquanto no lindíssimo “Jardim de Poetas” [do álbum “Pedro Barroso Ao Vivo no Rivoli – Memória do Futuro”, 2013] se intuía uma homenagem sentida a Carlos Paredes, Zeca Afonso, José Carlos Ary dos Santos e tantos outros.

O alinhamento da segunda metade do concerto privilegiou canções de outros poetas e trovadores. Entoou-se “Verdes São os Campos”, escrito por Luis Vaz de Camões e com música de Zeca Afonso, “ergueu-se a voz e cantou-se” com António Macedo, em “Canta, Amigo, Canta”, chamou-se por Adriano e pela sua “Trova do Vento que Passa” e, já no “encore”, lembrou-se aquela que é, para Pedro Barroso, “a mais bonita música portuguesa do Século XX”: “Pedra Filosofal”, de Manuel Freire, com letra de António Gedeão. E, claro, ouviu-se um poema extraído de um dos livros do cantor, “Das Mulheres e do Mundo” e revisitou-se aquele que é, sem dúvida, o maior sucesso duma carreira de quase cinquenta anos, “Menina Dos Olhos D'Água”, do álbum “Cantos da Borda D'Água”, de 1984. Todos sentimos no peito “vontades marinheiras de aproar, (…) aspirámos o feno no corpo inteiro e (...) aprendemos a amar a madrugada”. Foi bonito, muito bonito mesmo. E “se houver alguém que não goste / não gaste, deixe ficar”.




CONCERTO: Chrysta Bell
Centro de Arte de Ovar
13 Abr 2018 | sex | 22:00


Quando, em finais do mês passado, Kathryn Bromwich preparava para o britânico The Guardian uma entrevista a Chrysta Bell, enviou a David Lynch um pedido para que este se pronunciasse sobre a cantora, actriz e modelo, sua verdadeira musa desde o primeiro momento em que se encontraram, nos idos de 1999. A resposta não se fez esperar: “Chrysta Bell (…) faz-me lembrar uma ave azul, com umas longas asas e um bico brilhante”. A entrada em palco da cantora, para a terceira de quatro apresentações em Portugal do seu novo álbum “We Dissolve”, deve ter criado a mesma sensação no público. Avançando na penumbra, vestido negro ajustado ao corpo, silhueta alta e finíssima, esmagadora de sensualidade e beleza, Chrysta Bell levou a que o público vareiro quebrasse completamente as convenções: pela primeira vez desde que me lembro, não houve palmas, tão agarrados aos lugares ficaram os presentes na sala à espera do que poderia acontecer no momento seguinte. O silêncio foi esmagador, mas posso garantir que havia naquele silêncio mais ruído do que alguma vez houve no Auditório do Centro de Arte de Ovar.

“Silêncios” à parte, importa dizer que não fui ao Concerto de Chrysta Bell pela própria cantora, de quem nada conhecia. Tão pouco pelo rock, o género musical dominante, que também não é a minha “praia”. A razão teve a ver com David Lynch e o seu cinema. “Coração Selvagem”, “Mullholland Drive”, “O Homem Elefante”, “Duna”, “Estrada Perdida”, a série “Twin Peaks” ou essa eterna referência nos filmes da minha vida, “Veludo Azul”, constituíam motivos de sobra para não perder esta oportunidade. Os ambientes dos seus filmes e as respectivas paisagens sonoras justificavam plenamente uma deslocação, que no caso até era bem curta. Expectativas criadas, expectativas confirmadas: David Lynch atravessa o concerto duma ponta à outra, indissociável das sonoridades em palco, do álbum inicial, “This Train” (2011), que produziu, a “We Dissolve” (2017), passando pelos EP's “Somewhere in The Nowhere” (2016) e o recentíssimo “Chrysta Bell”, lançado no passado mês de Março.

O resto é a própria Chrysta Bell, a sua presença fortíssima em palco, o poder duma voz que arrepia. É a guitarra de Jon Sanchez, é Jayson Altman na bateria e Christopher Smart no Baixo Elétrico, um trio de suporte absolutamente extraordinário. São as imagens que se projetam sobre um palco permanentemente na sombra, imagens que reforçam essa ideia de universo lynchiano. É fechar os olhos no sublime “Blue Rose” e ver Isabella Rossellini / Dorothy Valens, vestido negro até aos pés, costas a descoberto, o primado da sensualidade. É o assento de trás dum carro, na noite e no pó do deserto, em “Night Ride”. É o “flow” em “Devil Inside Me”, é o sair dos carris em “Over You”, é “Everest” e “We Dissolve” e “Friday Night Fly” e “Real Love”. É tudo. E é ainda David Lynch, que quando viu Chrysta Bell cantar pela primeira vez pensou que estava perante um ser extra-terrestre. Como o compreendo!...




CONCERTO: Orquestra Jazz do Porto convida Vitorino Salomé
Casa da Música
06 Abr 2018 | sex | 23:00


A Sala 2 da Casa da Música, no Porto, recebeu, na noite de ontem, um evento memorável. Em palco, a Orquestra Jazz do Porto e um ilustre convidado, Vitorino Salomé, um dos maiores cantautores portugueses, um nome que marca de forma indelével a nossa música das últimas quatro décadas e que nos vem legando verdadeiros “hinos nacionais” como “Tragédia da Rua Das Gáveas”, “Poema”, “Ana II” ou “Menina Estás à Janela”.

Privilegiando, no alinhamento, precisamente as suas “mais bonitas”, Vitorino visitou praticamente toda a sua discografia, investindo n' “A canção do bandido” com um memorável “Tocador Da Concertina”, deixando-se ir por “Flor de la mar” com “Queda do Império”, dando um pulo a “La Habana 99” com um bem ritmado “Capullito de Alelí”, arrastando a asa a “Alentejanas e Amorosas” em “Bárbara Rosinha” ou mergulhando na “Utopia” com “Senhor Arcanjo”, homenageando assim o maior de todos, Zeca Afonso. Tempo ainda para uma incursão no universo romântico de Winkler, Rauch e Sigman, com esse tremendo sucesso “Answer Me, My Love”, imortalizado na voz de Nat King Cole, e para duas estreias mundiais (“ou universais, ou o que quiserem...”), a “Marcha do 31 de Janeiro”, que abriu e fechou o concerto e ainda “Sãozinha”, um “fado brejeiro à moda do Porto”, com letra de Manel Cruz.

Para o tremendo sucesso deste concerto muito contribuiu, para além da voz, da música e das palavras de Vitorino Salomé e de outros poetas como José Forte ou António Lobo Antunes, a novíssima formação da Orquestra Jazz do Porto, com direcção do maestro Gileno Santana. Notáveis os arranjos assinados por muitos dos elementos que constituem a orquestra, permitindo-me realçar “Senhor Arcanjo” e “Menina Estás À Janela”, com roupagens que puseram em evidência o potencial rítmico das respectivas músicas e deram nota dum casamento perfeito entre o “clássico” e o Jazz. Estes exemplos estendem-se igualmente ao restante programa, deixando o público presente na sala completamente embrenhado nesta cumplicidade fortíssima. Os corpos agitaram-se nas cadeiras, bateram-se palmas, dançou-se... e aplaudiu-se. Muito. Porque valeu realmente a pena!




CONCERTO: “Cantos da Quaresma”
Interpretação | César Prata (voz, guitarra, kalimba, sanfona, hangdrum, ponteiro, adufe, matracas, percussões, shruti box) e Sara Vidal (voz, harpa celta, adufe)
Igreja Matriz de Monchique
31 Mar 2018 | sáb | 16:00

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“Dois músicos em palco, numa Igreja adaptada a sala de espectáculos. Em final de Quaresma, um programa que se reclama de cantos e preces guardados pelo povo das Beiras muitas vezes à revelia de autoridades civis e religiosas. Sobrevivências de religiosidade popular inscritas no ciclo anual da natureza que renasce, se completa nas colheitas e adormece em cada Inverno, sublimada na Paixão de Jesus Cristo. Os dois músicos, libertos de ritos e culpabilidades que os impeçam de tomar esses cantos como geradores das suas criações, lançam-se à descoberta dos sentidos visíveis e ocultos das palavras e dos encadeamentos melódicos que as sustentam. Quase sempre, a meu ver, com soluções performativas de grande beleza e equilíbrio, através de uma utilização contida dos instrumentos e recursos que dominam. (...)”

Inscritas no Álbum “Cantos da Quaresma” [sonsvadios.pt/CantosdaQuaresma], estas palavras de Domingos Morais ilustram na perfeição os momentos vividos na muito bela e acolhedora Igreja Matriz de Monchique, em tarde de Sábado de Aleluia. César Prata e Sara Vidal ofereceram aos presentes um programa composto por martírios, orações, encomendações das almas e excelências, onde avultaram a espiritualidade, elevação e harmonia, assentes na extraordinária capacidade vocal e instrumental dos dois intérpretes. Foi assim possível reviver, com a maior solenidade, os cânticos seculares do período da Quaresma, traçando uma geografia centrada no concelho de Idanha-a-Nova (aldeias de Zebreira, Penha Garcia e Proença-a-Velha), mas que se alargou a Oliveirinha (Aveiro), S. Miguel (Guarda), Monsaraz (Alentejo) e Alcoutim (Algarve). Em todas elas o traço comum dum povo que canta e que, assim cantando, manifesta a sua profunda religiosidade, tecendo louvores a Deus.

Numa breve introdução ao concerto, César Prata fez questão de salientar o carácter muito particular destes cantos – que se inserem na religiosidade tradicional portuguesa mas que não são litúrgicos –, que se cantavam a capella, sem acompanhamento musical (à excepção das matracas) e fora das igrejas. Conciliar a tradição com a “modernidade” de um lugar não convencional (ainda que uma igreja) e de um conjunto variado de instrumentos, foi um risco que César Prata e Sara Vidal quiseram correr, em nome desse interesse maior que é o de não deixar morrer a tradição. Em boa hora o fizeram, logrando o duplo “milagre” de manter vivo um conjunto de músicas e torná-las visíveis a um público mais alargado e, ao mesmo tempo, não as adulterando, preservando o seu carácter e genuinidade graças à leveza das “roupagens” instrumentais e dos arranjos. Louve-se a firmeza e coragem desta dupla em persistir na senda da militância cultural, em nome da nossa oralidade e dum tão vasto quanto rico património imaterial. Por eles, para eles e com eles é hora de cantarmos “Aleluias”.




CONCERTO: “Nome Próprio”,
de Ana Bacalhau
Cine-Teatro Estarreja
24 Mar 2018 | sab | 21:30


Tenho bichos-carapinteiros. Também são carpinteiros, claro, mas, sobretudo, carapinteiros. Quando era miúda, ouvia os graúdos a apontar-me o excesso de energia e inquietação e, sem perceber nada de carpintaria, convenci-me que o que me diagnosticavam era um caso bicudo de bichos que cara-pintavam. Foi assim que tive a ideia de pintar um sorriso na cara para ninguém notar que algo me moía por dentro. Resultou e lá fui eu, vida fora, sempre com os meus bichos-carapinteiros a roer-me as entranhas.” As palavras de Ana Sofia Dias da Costa Bacalhau dizem muito de si própria e do seu percurso, ela que começou a tocar guitarra e a cantar com 15 anos de idade e se tornou célebre como voz do Deolinda, um grupo inspirado pelo fado e pela música tradicional portuguesa.

Num momento de pausa do Deolinda, Ana Bacalhau chega até nós com o seu primeiro trabalho a solo, “Nome Próprio”, um álbum que apetece rotular de conceptual, de tal forma música, arte e narrativa se congregam para nos oferecerem uma imagem lúcida e divertida da cantora. Lançado em Outubro de 2017 e com passagem por várias salas do país, “Nome Próprio” apresentou-se enérgico e provocador no Cine-Teatro Estarreja, para mais um “Concerto Íntimo”. E foi de forma intimista que a cantora fez questão de partilhar as suas inquietações e os seus medos, as suas memórias, algumas fantasias, ainda esses mundos imaginários onde se esconde do mundo real. É isso que perpassa em “Só Eu” - uma expressão que a avó materna da cantora usava e que a inspirou a escrever esta canção - ou em “Menina Rabina”, ambas com música de Janeiro. Mas também em “Deixo-me Ir”, escrita e composta pela própria, a falar sobre a importância que cantar tem na sua vida.

O desejo que sempre a impeliu a desbravar novos terrenos, a assumir riscos e a partir à descoberta, parece ter sido assimilado por todos aqueles que com ela colaboraram neste álbum, como o demonstram Capicua, nessa verdadeira biografia “A Bacalhau”, mas também Nuno Figueiredo em “Vida Nova”, Samuel Úria em “Só Querer Buscar”, Nuno Prata em “Passo a Tratar-me por Tu”, Jorge Cruz em “Leve Como Uma Pena” ou Afonso Cruz em “Respirar”. Mas não se pense que este trabalho aponta apenas ao umbigo da cantora. A contrariar essa ideia estão “Ciúme”, de Miguel Araújo, a “Dama da Noite”, de António Zambujo e João Monge, a lindíssima “Maria Jorge”, de Márcia ou a divertido e inteligente “Debaixo da Mosca”, de Carlos Guerreiro. E ainda uma série de influências, de Carlos do Carmo aos Trovante, de Fausto a António Variações, a cujo universo a cantora fez questão de “roubar” uma ou outra canção que interpretou em palco. A estima, o amor, as aparas de tristeza e alegria, soube transformá-las Ana Bacalhau na música que foi possível escutar ao longo do concerto, correspondendo o público de forma generosa com a sua presença e as suas palmas. Nas palavras da artista e nos seus gestos é evidente uma enorme felicidade por ter conseguido aquietar os seus bichos-carapinteiros. Ainda que apenas momentaneamente!...




CONCERTO: “Nação Valente”,
de Sérgio Godinho
Casa da Cultura de Ílhavo
17 Mar 2018 | sáb | 21:30


A um concerto de Sérgio Godinho assiste-se sempre – mas sempre! - “com um brilhozinho nos olhos”. A razão encontrar-se-á, certamente, no mais íntimo de cada um, mas a isso não serão estranhos domingos no mundo, espadas de madeira proferindo sentenças, jogos ao boxe, toques de bateria, partos sem dor, primeiros dias do resto das nossas vidas, Etelvinas, Ritas em guarda, a paz, o pão, a habitação, a saúde, a educação. Em suma, a liberdade. E a liberdade de a cantar!

Em Ílhavo, com sala esgotada, uma vez mais se cantou a liberdade. Espalhadas pelo palco, as letras que compõem a palavra faziam, desde logo, a ponte entre o seu disco anterior (“Liberdade Ao Vivo”, 2014) e este novíssimo “Nação Valente”, lançado há pouco mais de um mês. Revisitando temas antigos e dando a ver as canções do seu mais recente trabalho - “Noites de Macau” foi mesmo a excepção – Sérgio Godinho voltou a mostrar-se em grande forma, contagiando o público com a força das palavras e a energia em palco, dele recebendo vividos e sentidos aplausos.

Nação Valente” é mais um exemplo da genialidade deste escritor de canções. A sua permanente atenção a um mundo convulsivo e em constante mutação faz com que, cada vez mais, a cantiga seja uma arma na sua voz. “Eu não sei nem do escuro nem da aurora / Eu que trabalho em turnos noite e dia” diz-nos que muito pouco mudou nesta nação valente nos últimos trinta anos (“Que força é essa”, a irmã mais velha desta “Noite e Dia”, data já de1985). E o país é isso mesmo, agora a ressacar da troika, “(...) assim carente, perdão pedindo para a sua gente”, ou talvez “igual no gosto / ou um gosto a contrafacção”. Com “Baralho de cartas”, agora “é carne o que era só céu” e em “Delicado” (com letra e música de Márcia) “quem quiser pintar passados / vai ter muito para emendar”. Pelo meio, José Mário Branco insinua-se em “Mariana Pais, 21 anos” - “os meus sonhos mordem pão de trigo / E mordem pão de ló”.

Embora todo ele se revele precioso, o novo espectáculo de Sérgio Godinho acaba por ter em “Grão da mesma mó”, com música de David Fonseca, o momento mais forte. Vamos já no segundo “encore” e o público vibra. A batida é poderosa e volta a lançar as questões como sementes ao vento. “Um curto espaço de tempo / Vais preenchê-lo com o frio / da morte morrida / ou o calor da vida vivida?”, pergunta. Canta-se “a linha funda, na / palma da mão / Desenha o tempo então”. No palco e na plateia um côro de vozes acompanha o cantor. Finalmente o último acorde, as palmas que parecem não querer acabar e depois o “espaço em branco”. Página virada, Ílhavo ficou para trás. As palavras, porém, continuam a agitar-se na nossa mente com a força de sempre: “Grão da mesma mó / Grão da mesma mó / Grão da mesma mó / Grão da mesma mó / ...”




CONCERTO: Aldina Duarte
Casa da Criatividade, S. João da Madeira
09 Fev 2018 | sex | 22:00


Quando a paixão pela poesia se junta a uma voz arrebatadora, crua, visceral, isso é Aldina Duarte. Cantando pela primeira vez em S. João da Madeira, a fadista deixou os presentes (cerca de meia sala) rendidos ao seu fado, oferecendo-lhes os poemas do seu novo álbum, “Quando Se Ama Loucamente”, ao mesmo tempo revisitando alguns dos temas mais aclamados dos seus álbuns anteriores. Fê-lo de forma intimista, com a força duma oração, transformando as palavra em espelho da alma e devolvendo-as como objecto de deleite.

Aldina abriu o concerto com “Conto de Fadas” - “uma veste de marfim / debruada de renda e uns olhos claros / por onde se veja” -, a voz apenas sussurrada, as guitarras caladas, o palco na penumbra. Este momento arrepiante [pode ser ouvido clicando na imagem] serviu de mote para um concerto marcadamente intimista, com uma carga poética de enorme intensidade e beleza, onde avultaram as palavras de Maria Gabriela Llansol e as letras de Maria do Rosário Pedreira, Manuela de Freitas, João Monge e da própria fadista, feitas de paixões ardentes, de pulsões telúricas ou apenas dessa enorme força de ser mulher.

Do lindíssimo “Antes De Quê?”, do seu primeiro álbum, a “Quando Se Ama Loucamente”, a canção que dá nome ao disco mais recente, foi todo um desfiar de emoções a derramar-se do seu canto, como um amor sereno vogando no mar calmo da felicidade. “Casa do Esquecimento”, “Senhora dos Meus Passos”, “Beijo Enganador”, “Fada do Lar”, “Não vou”, “A Estação das Cerejas”, “Xaile Encarnado” ou “Fora do Mundo (Fado Calixto)”, este último de novo nos “encores”, depois de ter sido cantado durante o alinhamento do concerto, provaram que Aldina Duarte interpreta, como ninguém, a essência do próprio fado. Palpitante e sedutora, ela foi um bálsamo de serenidade, uma lira apaixonada numa noite de tempestade.




CONCERTO: Mário Laginha e Pedro Burmester
Cine-Teatro de Estarreja
03 Mar 2017 | Sab | 21:30


De dois nomes tão grandes como são os de Mário Laginha e Pedro Burmester espera-se sempre o melhor, momentos únicos de contemplação por paisagens interiores raramente visitadas, a emoção à flor da pele em cada nota dedilhada, a música a invadir-nos e a fazer-nos sorrir, felizes. E, todavia, não foi exactamente isso que aconteceu na noite de ontem, em Estarreja. Os dois pianistas pautaram as suas intervenções pela correção técnica, mas foi só. O diálogo que se esperaria numa execução a dois pianos e a enorme cumplicidade de mais de 20 anos de carreira (e de amizade) não foram a nota dominante, carregando o concerto de razão mas tornando-o quase vazio de emoção.

A força interpretativa dos dois pianistas ficou bem patente na primeira parte do programa, primeiro numa composição de Astor Piazzolla e depois numa peça composta por Mário Laginha e que, ao longos dos seus três andamentos, se revelou sublime na descrição de paisagens profundamente humanizadas – o ruído de passos na calçada molhada, a animação duma praça, o ruído duma fábrica ou o repicar dos sinos na igreja – ou mais intimistas. Sem dúvida, o grande momento da noite.

Após um curto intervalo, a segunda parte do concerto abriu com interpretações a solo, primeiro de Mário Laginha, impondo novos ritmos a uma revisitação de Chopin e aproximando-o das sonoridades do Jazz, e depois de Pedro Burmester – de novo Chopin, agora com a sua Balada nº 1 em Sol menor, Op. 23 -, naquela que foi a interpretação mais “classicista” da noite e, seguramente para muitos, a mais bela. Prelúdio à Sesta de um Fauno, de Claude Debussy, dispensava bem um dos pianos e a Valsa de Maurice Ravel pareceu ser uma escolha pouco feliz para encerrar o programa, com os seus momentos mais nervosos, mesmo caóticos e pouco musicais a não deixarem a melhor das impressões. Aquilo que se esperaria do concerto acabou por surgir já nos dois “encores”, primeiro com uma música toda ela samba-enredo, tocada num piano a quatro mãos, e depois numa composição melancólica e muito bela, que poderia muito bem ser uma homenagem a Bernardo Sasseti, com quem os pianistas desenvolveram o projecto “3 Pianos” e que deu origem a um CD + DVD com o mesmo nome. Pouco, muito pouco para quem tanto ansiava!

[Foto: Amin Chaar / jn.pt]




CONCERTO: Carminho
Cineteatro António Lamoso, Santa Maria da Feira
17 Fev 2018 | sáb | 22:00


Se me pedissem para eleger a melhor voz do fado em Portugal nos dias de hoje, aquela que melhor interpreta esta forma de estar tão nossa vestida de música, a resposta seria Carminho. Tal como dizia Pedro Alborán, as palavras na sua voz “arranham a alma”. Viver e sentir o fado intensamente, modelar a voz ao encontro das emoções mais vivas e ter uma presença em palco que dignifica o próprio fado são imagens de marca desta que é, inegavelmente, a maior embaixadora da nossa música.

Ontem, no Cineteatro António Lamoso, com casa cheia, a fadista confirmou uma vez mais o seu carisma, através duma revisitação dos seus álbuns “Fado (2009), Alma (2012) e “Canto” (2014), numa viagem ao que de mais puro há na sua arte. Acompanhada pelos músicos Luís Guerreiro, na guitarra portuguesa, Flávio Cardoso, na viola, Marino de Freitas, na viola baixo, Ivo Costa, na percussão, e Rúben Alves, nos teclados, acordeão e xilofone, Carminho encheu a sala com o olhar, o sorriso, o seu jeito único de dizer coisas sérias a brincar. A cantar e a bailar, falou de si e das suas origens, do excelente fadista que é o pai, de esquizofrenia e outras manias, de derbies, do tempo que passa a correr e que nos modifica sem darmos conta (“às vezes para melhor”), até da última corda da viola baixo de fado onde Marino de Freitas descansa o dedo. Hora e meia de fado do melhor, mas também de muita partilha e cumplicidade.

Apesar das músicas mais mexidas, como “Bom dia, amor”, “Saia rodada” ou “Bia da Mouraria” (fado criado por Ary dos Santos e Fernando Tordo para a voz de Beatriz da Conceição, mãe de Carminho), e que arrancaram palmas do público a compasso, o tom da noite foi de intimismo. “Escrevi teu nome no vento”, “As Pedras da minha rua”, “Senhora da Nazaré” ou “Chuva no Mar”, esta última com música da brasileira Marisa Monte, mostraram uma Carminho com o canto na alma, deixando o público totalmente rendido à sua arte. Mas foi com “As Minhas Penas”, um fado de D. António da Câmara e Carlos da Maia, que a fadista cantou “a cappella” já no “período de desconto”, que o Cineteatro “veio abaixo”. À emoção contida na voz nua de Carminho, respondeu o público com a maior ovação da noite. O momento mais alto dum concerto memorável!




CONCERTO: Angelite Vozes Búlgaras + António Zambujo
Centro de Artes de Águeda
10 Dez 2017 | Dom | 21:30


Por muito que possamos ver, ouvir ou sentir, sempre haverão momentos capazes de nos surpreender e de nos proporcionar experiências únicas, daquelas que, por certo, não se irão apagar nunca da nossa memória. E se o Concerto que o agrupamento “Angelite Vozes Búlgaras” deu no Centro de Artes de Águeda é disso a prova provada, gostaria de destacar um momento preciso do Concerto, “aquele” momento que se constituiu numa verdadeira experiência de vida.

O intervalo aproximava-se e o excepcional naipe de vinte vozes “a capella”, todas elas mulheres, interpretava “Veliko Slavoslovie” (em português “Grande Música de Louvor”), do compositor e director de coros búlgaro Apostol Nikolaev-Stroumski. É um peça que se enquadra na tradição ortodoxa e cuja beleza e pureza nos deixa completamente despojados perante Deus. Um hino de “glória aos céus, pela paz na terra e virtude aos homens”, um momento de elevação, inspirador, celestial. É precisamente durante a interpretação desta peça que a tempestade “Ana” se abate sobre Águeda com inusitada violência. Uma quebra de energia faz disparar duas luzes de emergência sobre a plateia, deixando o palco na penumbra. Suspensos do que se vai seguir, os espectadores estão completamente rendidos ao momento. É que, mesmo sem luz e sem sistema de som, o coro prossegue, imperturbável, fazendo com que as vozes se sobreponham ao rugido do vento. É um momento arrepiante, que nos reduz à nossa pequenez, esmagados que somos pelo poder da música e pela força dos elementos. Um momento único, daqueles que importa lembrar todos os dias porque nos mostra o quão maravilhoso é o dom da vida e aquilo que ela nos oferece.

Foi um Concerto tão rico, tão repleto de emoções, que quase poderia contar uma história a propósito de cada uma das 20 peças interpretadas. As primeiras músicas, de inspiração natalícia, podem encontrar-se em “Angel's Christmas”, álbum de 2008 da Jaro Records. Seguiram-se peças da tradição cristã nas quais, para além da divinal “Veliko Slavoslovie”, se incluem “Blagosloven Isi, Gospodi”, “Tebe Poem” e “Sviatii Boje”, do álbum “Mercy For the Living”, também de 2008. A segunda parte foi toda ela composta por canções de raiz tradicional e popular, uma das quais, “Tapan Bie”, foi cantada em simultâneo com “Chamateia”, uma canção popular dos Açores, interpretada por António Zambujo. É difícil conceber maior harmonia entre duas músicas distintas, que se conjugaram de forma perfeita e das quais resultou outro momento vocal único. “Damba”, uma música alegre sobre a reunião das abelhas no Inverno, “Polegnala e Toudora”, “Dragana I Slavei” ou “Mechmetio”, a música que encerrou o programa, são outros momentos de rara beleza e que fazem deste um dos mais extraordinários Concertos a que tive o privilégio de assistir.




CONCERTO: Gisela João
Cine-Teatro de Estarreja
04 Nov 2017 | sab | 21:30


Vou contar-vos uma história | Que não me sai da memória (…)”. Escrito nos anos 80 por Carlos Paião para a voz de Amália Rodrigues, “O Senhor Extraterrestre”, agora “repescado” por Gisela João, foi um dos momentos altos do Concerto que a artista de Barcelos ofereceu a todos quantos com ela puderam partilhar o tempo dum serão no bonito Cine-Teatro de Estarreja. Com um alinhamento que percorreu “Nua”, o seu mais recente trabalho, intercalado com temas do seu primeiro álbum, nomeadamente a divertida “Mariquinhas”, o concerto viu a cantora despojar-se uma vez mais de complexos e deixar a pele em palco perante uma plateia rendida.

Na intensidade da presença e na força da voz, Gisela João tanto mergulha nas raízes do fado, como faz apelo a sua origem minhota em Malhões, Viras, Bailaricos Saloios ou Noites de São João. É por isso que os seus concertos são um manancial de emoções à flor da pele, onde cada tema é uma festa, cada interpretação um arrepio. Um Concerto fantástico, ora extrovertido e bem disposto, ora intimista e sofrido, ao encontro daquela que é a alma e a razão de ser português, no que tem de mais íntimo. Da folia ao choro, da carícia à saudade. Fabuloso!




CONCERTO: Big Band Estarrejazz c/ Paula Morelenbaum & Ralf Schmid

Cine Teatro de Estarreja

14 out | sab | 21:30


Oh, What a Night!... No encerramento da 12ª edição do Estarrejazz'2017, o Cine-Teatro de Estarreja acolheu um concerto memorável a muitos títulos. Com um conjunto de jovens carregados de energia e virtuosismo, a Big Band Estarrejazz pôs em palco todo o seu potencial e talento, arrancando merecidos aplausos quer nos momentos iniciais, “a solo”, quer depois, no suporte à estrela da noite, a carioca Paula Morelenbaum. João Mortágua e Paulo Bandeira foram apenas alguns dos nomes consagrados que integraram a formação nesta noite mágica, com Carlos Azevedo a dirigir e a mostrar, ao mais alto nível, os seus dotes de entertainer.

Juntando a doçura melancólica da sua voz ao virtuosismo do pianista e arranjador Ralf Schmid, Paula Morelenbaum prestou uma sentida homenagem a Tom Jobim, com quem trabalhou ao longo de uma década, embalando o público com temas tão marcantes como “Blackbird”, “Chovendo na Roseira” ou “Águas de Março”. Na noite "tropical" de Estarreja, ela voltou a lembrar-nos que "Bossa Nova é mais um olhar que um beijo, mais uma ternura que uma paixão, mais um recado que uma mensagem, mais a solidão de uma rua de Ipanema que a agitação comercial de Copacabana". Claramente, um dos grandes concertos do ano. Sê-lo-ía em qualquer parte do mundo, mas foi em Estarreja e ainda bem. O fim da picada!




CONCERTO: Lavoisier

NOVO | Mostra da Nova Música Portuguesa

Casa do Povo de Ovar

04 Out | qua | 23:00


Os Lavoisier estiveram em Ovar na noite de ontem para apresentar o seu mais recente trabalho. Diante duma plateia completamente rendida, Patrícia Relvas e Roberto Afonso desfiaram “É Teu”, mesclando, de forma sublime, tradição e experimentalismo, modernidade e convenção e sublinhando, ao longo do concerto, o amor que dedicam ao cancioneiro português.

Juntando a intensidade da palavra à energia do gesto, a forte presença dos Lavoisier em cima do palco fica como uma das marcas da passagem do grupo pelo Salão da Casa do Povo, mas é no bom gosto dos temas e na harmonia vocal que reside a sua grande quota de encanto. É impossível ficar indiferente a temas como “Eu não me entendo”, com música de José Mário Branco, “Estátua”, um poema de Judith Teixeira musicado pelos Lavoisier e, sobretudo, “Opinião”, com letra e música do grupo e a escolha, mais ou menos óbvia, para “single” deste seu novo trabalho - imagens de sons feitas que, na sua simplicidade e beleza, envolvem os sentidos e convidam ao sonho.

O Concerto surge no âmbito da terceira edição do NOVO | Mostra da Nova Música Portuguesa, iniciativa da Antena Vareira Rádio Avfm que, até 07 de Outubro, se propõe “divulgar, valorizar e sobretudo promover a nova Música Portuguesa”. A escolha dos Lavoisier revelou-se, nesta medida, uma aposta ganha, traduzindo-se numa sucessão de momentos musicais de excelência. Fica no ar a certeza que este grupo continuará a mostrar-se e a crescer, recolhendo o estímulo necessário para levar por diante um projeto que merece ser escutado com atenção e acarinhado. Um projeto ancorado numa forte paixão pela música e que nos mostra, claramente, que também aqui “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.”




CONCERTO: “Galandum Galundaina”

Café-Concerto do Cine-Teatro de Estarreja

29 Set | Sex | 22:00


Indo ió la sierra arriba, delantre de mia piara.” Agarrado a uma sanfona (afinada ou por afinar?), Paulo Preto dava assim o mote para um serão de festa no pequenino mas aconchegante espaço do Café-Concerto do Cine-Teatro de Estarreja. Na abertura de mais uma edição do Outonalidades, a cultura mirandesa saltou das vozes e dos instrumentos dos Galandum Galundaina para uma plateia atenta e entusiasmada, fazendo-se ouvir e sentir nalguns dos seus aspetos mais genuínos.

Num estilo muito próprio, o grupo – composto, para além de Paulo Preto, pelos irmãos Paulo e Alexandre Meirinhos e ainda por João Pratas – percorreu uma boa parte do seu repertório, dando uma particular atenção ao seu mais recente álbum, “Quatrada” (2015), embora recuperando muitas das músicas que integram “Galandum Galundaina”, álbum editado há oito anos e que se assumiu, então e sempre, como uma marca da maturidade deste grupo. “Para Namorar Morena”, “Siga a Malta” ou “Canedo”, conviveram assim com os anteriores “L Pandeiro”, “Coquelhada Marralheira” ou “Burgalesa”, num desfiar de temas e sonoridades muito particulares, marcadas pela boa disposição dos quatro elementos do grupo. Já nos encores, “Nós Tenemos Muitos Nabos” e “Fraile Cornudo”, temas emblemáticos dos dois álbuns mencionados, encerraram em apoteose uma noite memorável.

Se é verdade que a língua própria – o Mirandês -, a música e os seus instrumentos, as manifestações festivas, a gastronomia e muitos outros aspetos particulares, conferem a Miranda do Douro e ao Nordeste Transmontano uma cultura e uma identidade que merece ser acarinhada, guardada e vivida, não é menos verdade que os Galandum Galundaina, lídimos embaixadores desta mesma identidade e cultura, são dignos da maior atenção e carinho. No espaço intimista do Café-Concerto do CTE, quiseram que o espectador se sentisse como em sua casa, cantaram e tocaram e contaram as suas histórias. Quiseram mostrar um “cachico” daquilo que são, do que falam, do que fazem, do que bebem, arrancando sucessivos aplausos e gargalhadas na assistência.
Para além duma ida a Miranda (para a abertura de dois pipos de vinho, pesado com 17 graus), ficou a promessa dum regresso a Estarreja para novo concerto a encerrar com outra música. Adivinham qual? “Bebe Bino”, pois claro!




CONCERTO: Rão Kyao
Praça Francisco Barbosa, Estarreja
03 jun | sab | 22:00


Atravessou a planície, ceifou na eira, celebrou o vinho, rumou ao Sul e disse "venham mais cinco". O ritmo e a "voz" quente das flautas de Rão Kyao conseguiram vencer a noite ventosa e fria de Estarreja. Todos os aplausos são poucos para esta atuação memorável!




CONCERTO: Tito Paris

Arraial da Barrinha Esmoriz 2017
Praia de Esmoriz
01 jul | Sab | 22:00



A Minha Pátria é a Língua Portuguesa”, disse Fernando Pessoa, e Tito Paris voltou a prová-lo esta noite, de forma sublime, na Praia de Esmoriz. Ante uma plateia entusiasmada, o músico cabo-verdiano uniou as pontas da lusofonia, revisitando, na voz e no ritmo, Angola e Moçambique, Portugal e Cabo Verde, Francisco Xavier da Cruz (B.Leza) e Cesária Évora, Mindelo e Esmoriz. Concerto memorável graças, também, a um naipe de intérpretes de grande nível. Grande noite com Tito Paris!




CONCERTO: Vitor Ramil
Azzelij 2017
Escola de Artes e Ofícios | Ovar
25 mai | qui | 22:00


A encerrar o primeiro dia do Azzelij 2017, o cantor e compositor brasileiro Vitor Ramil esteve em Ovar para apresentar “Délibáb”. Ramil fez-se acompanhar em palco por Carlos Moscardini (violão), oferecendo ao público um conjunto de milongas, em português e em castelhano, baseadas em poemas de João Da Cunha Vargas (1900-1980) e Jorge Luis Borges (1899-1986).

Délibáb” significa “miragem” ou, mais precisamente, "ilusão do sul", sendo uma palavra que vem do húngaro "déli" (do sul) mais "báb" (de bába: ilusão). Segundo o próprio Ramil "o délibáb é um fenómeno extraordinário da planície húngara, tão semelhante às planícies do sul do nosso continente. Único em seu género, este tipo de espelhismo transporta paisagens muito distantes a horizontes quase desérticos, reproduzindo ante os olhos maravilhados do observador, em dias de calor, o desenvolvimento de cenas distantes."

Escutar Vitor Ramil é flutuar sobre as extensões do Rio Grande do Sul, tocar o Uruguai e a Argentina e perceber os traços comuns à cultura gaúcha. É mergulhar na riqueza da língua, na tapera e no chimarrão, no cochicho e na querência. É experimentar uma “miragem”, onde a música projeta imagens remotas na urbanidade dos tempos de agora. E como não ficar maravilhado diante desta “ilusão do sul”, ainda que seja só um “délibáb”?

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