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segunda-feira, 3 de junho de 2024

CONCERTO: Aaron Parks Trio



CONCERTO: Aaron Parks Trio
Campus Jazz 2024
Centro Cultural de Ílhavo
29 Mai 2024 | qua | 21:30


Estamos habituados a que um trio como o de Aaron Parks funcione na base de um sistema hierárquico liderado pelo piano. Mas não foi isso que vimos em Ílhavo, o contrabaixo e a bateria a imporem-se e a assumirem igual relevância. Alternando entre si os papéis de solistas e acompanhantes, Aaron Parks, Kanoa Mendenhall e Cornelia Nilsson tiveram para oferecer setenta e cinco minutos de Jazz que privilegiou uma linha “smooth” e fez da harmonia a sua bandeira. Ponto alto da 4ª edição do Campus Jazz, festival organizado pelo Centro de Estudos de Jazz / Universidade de Aveiro, o concerto assentou em três extraordinários instrumentista que, para além do talento individual, mostraram uma afinidade musical verdadeiramente incomum num trio reunido expressamente para esta noite. Das suas colegas de palco, diria Aaron Parks tratar-se de duas intérpretes que muito admira, referindo-se a elas de maneira elogiosa: “Kanoa [contrabaixo] toca de forma pensada, fundamentada, intuitiva e cheia de surpresas; Cornelia [bateria] toca de forma alegre, divertida, subtil e com um swing profundo”.

Parecendo buscar a inspiração num jazz de cariz minimal, onde se pressentem influências orientais, “Where Are You Going” abriu da melhor forma o concerto. Parks e companhia mostraram, desde logo, estar mais interessados em trabalhar variações, improvisando em ambiente de liberdade e garantindo a individualidade de cada elemento. Também é aqui que Cornelia Nilsson começa a impor-se como uma baterista de excepção, levando-me a pensar com os meus botões que “todos os bateristas deviam ser mulheres”. Não se trata de uma ideia sexista - felizmente são muitos os bateristas do género masculino absolutamente geniais -, mas a delicadeza, sentido de oportunidade e contenção das intervenções da dinamarquesa foram uma constante e marcaram de forma intensa este concerto. Talvez caiba acrescentar que “Where Are You Going” como que dialoga com “Where Do You Go?”, o primeiro álbum de Cornelia Nilsson em nome próprio e que conta, entre os músicos convidados, justamente com Aaron Parks, no piano.

O tema seguinte reforçou a noção de intimismo que se anunciou desde o início, espalhando pela sala o perfume de “Let’s Fall In Love”, standard incontornável escrito e musicado por Harold Arlen e Ted Koehler e que foi imortalizado nas vozes de, entre outros, Nat King Cole e Frank Sinatra, Louis Armstrong e Ella Fitzgerald. Seguiram-se “Brewing This” e “Unravel”, o primeiro convidando-nos a abraçar os ritmos quentes do Caribe e o segundo parecendo invocar uma floresta de sons, expressos de forma detalhada, equilibrada e elegante. “Old Music” voltou a mergulhar o público nos ambientes clássicos do jazz, um pouco à semelhança de “Cartoon Element” (anagrama de Ornette Coleman e homenagem ao extraordinário saxofonista e compositor), o tema seguinte, no qual o contrabaixo de Mendenhall enceta um longo e eloquente diálogo com o piano de Parks. “The Storyteller” foi mais um momento profundamente intimista e tudo terminou, sem direito a “encore” (“já tocámos muito”, diria Parks como que a lembrar que a Jam Session com o quarteto de Andreia Santos já decorria no exterior do Auditório), com um tema do qual não retive o nome (“Grandpa”, seria?) e que foi, pela sua sensibilidade e harmonia, o final perfeito de uma noite de eleição.

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