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sexta-feira, 31 de maio de 2024

TEATRO: "Quis Saber Quem Sou"



TEATRO: “Quis Saber Quem Sou”
Concepção, texto e encenação | Pedro Penim
Direcção musical | Filipe Sambado
Cenografia | Joana Sousa
Figurinos | Luís Carvalho
Interpretação | Ana Pereira. Bárbara Branco, Eliseu Ferreira, Francisco Gil Mata, Inês Marques, Jéssica Ferreira, Joana Bernardo, Joana Brito Silva, Manuel Coelho, Manuel Encarnação, Pedro Madeira Lopes, Rafael Ferreira, Rute Rocha Ferreira, Vasco Seromenho
Produção | Teatro Nacional D. Maria II
120 Minutos | Maiores de 12 anos
Teatro Aveirense
25 Mai 2024 | sab | 21:30


“Tempo extraordinário e contraditório, este que vivemos. Deveríamos estar em clima de celebração, mas existe desalento, numa relação muito directa com o facto de que as conquistas da nossa revolução, 50 anos passados, estão agora, senão permanentemente, ameaçadas”. As palavras de Pedro Penim, numa entrevista conduzida por Maria João Guardão [AQUI], ajudam a explicar o porquê desta peça, a urgência de voltar às palavras de ordem de há cinco décadas, às cantigas como armas, e de divulgar esse riquíssimo cancioneiro, passando-o a outras gerações. Por isso vemos em cena uma conjugação de pedidos de socorro a essa constelação de poetas, de compositores, de autores, para que possam servir de guia e de inspiração, num período que parece mais invernal do que primaveril. Ao longo de duas horas, de “Acordai” a “Grândola Vila Morena”, desfilarão à nossa frente neste concerto teatral um conjunto de canções emblemáticas de Fausto Bordalo Dias e Sérgio Godinho, José Mário Branco e Adriano Correia de Oliveira, Zeca Afonso e GAC - Vozes na Luta, a par de outras, igualmente intemporais, de Belchior, Les Poppys ou Woody Guthrie.

Reflexão sobre o tempo presente, “Quis Saber Quem Sou” começa por remeter para o primeiro verso da canção “E Depois do Adeus”, na voz de Paulo de Carvalho, frase de cariz revolucionário da democracia portuguesa, ouvida cinco minutos antes das onze da noite de 24 de abril de 1974 nas ondas dos Emissores Associados. Foi ela quem sinalizou o arranque da Revolução dos Cravos, transformando uma canção de amor num símbolo de liberdade. É, justamente, com uma reflexão sobre um dos seus versos mais emblemáticos, que tem início a peça, num extraordinário monólogo de Vasco Seromenho, um actor surdo que se dirige aos espectadores em linguagem gestual, colocando a tónica na surpresa, na integração e na democratização do próprio teatro, numa certa ideia de revolução (de um actor e de uma comunidade). Por isso o espectáculo nos fala de liberdade, da possibilidade de conquistar espaço através daquilo que fazemos. Porque apesar de este ser um teatro altamente politizado e afirmativo, o gesto não deixa de ser artístico, propondo uma reflexão sobre o momento que vivemos e perguntando-se para onde nos estamos a dirigir enquanto Nação.

Arte por excelência do “aqui e agora”, o teatro impõe-se no que importa contrariar de uma certa ideia de fado, de destino, que nos ata e condena. De uma maneira mais formal, esta disposição concretiza-se nas citações às configurações da tragédia grega, sobretudo através da utilização de um coro de jovens actores que traz para o espaço do teatro, para o anfiteatro, uma discussão proposta por um colectivo. Um coro novo, no sentido etário, feito de intérpretes entre os 16 e os 20 anos, ilustres representantes da geração que, neste momento, tem mais coisas a dizer e a fazer, mas que se encontra, inevitavelmente, distanciada deste cancioneiro e destas palavras de Abril. Daí essa duplicidade de, por um lado, Pedro Penim colocar no centro da acção o pensamento desta geração Z, mas ao mesmo tempo incitá-la a não perder o vínculo com este legado, sabendo que é essa a sua génese. E os espectadores, “actores” de outros palcos, de outras gerações, qual o seu papel na peça? Se os mais novos os ouviram cantar, gargantas ao rubro, “que força é essa amigo”, “a liberdade está a passar por aqui”, “ouvem-se já os clamores”, saberão o quão tatuado na alma está “o dia inicial inteiro e limpo”. Vitória, pá… finalmente, pá… conseguimos, pá… é agora ou nunca, pá… dá cá um abraço, pá… porreiro, pá!


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