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quarta-feira, 29 de maio de 2024

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “O Meu Testemunho: Rutura e Reparação”



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “O Meu Testemunho: Rutura e Reparação”,
de Donna Bassin
MIRA FORUM
27 Abr > 08 Jun 2024


Donna Bassin esteve no nosso país durante a celebração dos 50 anos da revolução que, nas suas palavras, “libertou Portugal do ditador Salazar”. Tratou-se de um regresso, motivado pela inauguração da exposição “O Meu Testemunho: Rutura e Reparação”, a qual pode ser apreciada no MIRA FORUM até ao dia 08 de Junho. Conjunto de imagens que importa ver sem preconceitos nem rótulos, a mostra reflecte sobre os tempos sombrios e de ruptura que vivemos, tempos marcados pelas agressões constantes às nossas democracias, ao nosso planeta, à nossa saúde mental. Impressas com tinta pigmentada em papel de arquivo, as fotografias são rasgadas para materializar as feridas que possam representar o sofrimento individual e colectivo para, posteriormente, virem a ser “curadas”. Os rasgos são cobertos com papel de arroz e remendados com pontos desordenados de fio dourado, uma intervenção inspirada no ‘kintsugi’, técnica ancestral japonesa que, de forma metafórica, honra a aceitação da lesão como parte da vida do objecto, integrando as experiências na sua nova forma.

Será, porventura, uma feliz coincidência, mas termos a possibilidade de ver, na mesma cidade e ao mesmo tempo, duas exposições tão impactantes, cruas e impressivas, e cuja temática se revela tão próxima, é algo único e imperdível. Uma das exposições é “Despojos de Guerra”, de Leonel de Castro, sobre a qual falei recentemente AQUI no blogue. Quanto a “O Meu Testemunho: Rutura e Reparação”, o trabalho de Donna Bassin é parte integrante das suas pesquisas enquanto arte-terapeuta, psicóloga clínica, psicanalista, cineasta e fotógrafa. É professora-adjunta e assistente clínica no programa de pós-doutoramento da Universidade de Nova Iorque em Psicoterapia e Psicanálise, onde leciona “Luto como transformação: a borda criativa do luto raumático e normal”. Nesta série de fotografias, manualmente modificadas, as “práticas” do consultório fundem-se com a arte de fotografar, criando imagens que convidam o olhar do público a cruzar-se com olhar dos modelos num mesmo plano de intencionalidade e empatia.

Através da pose, da gestualidade, do olhar e dos adereços ocasionais, os retratados encontram as suas narrativas, recuperam poder de acção e convidam o observador a olhá-los em toda a sua humanidade. Embora a bandeira americana tenha adquirido uma complexa simbologia, alguns retratados recuperaram-na e reinventaram-na para expressarem o desafio e a esperança pelo regresso da democracia. Como conjunto fotográfico, o fundo de veludo preto constante em todas as imagens e a iluminação ‘chiaroscuro’ unem o indivíduo ao colectivo. “No futuro, haverá reparação”, diz a autora, mas as cicatrizes, essas, permanecerão, para que nos lembremos da desumanidade e da injustiça para com aqueles que foram considerados invisíveis e sem direito à sua subjectividade, devido à sua raça, sexualidade, identidade de género, idade, etnia e/ou deficiência. Cicatrizes como símbolo das perdas que importa reconhecer, “para que façamos o luto e o transformemos, no sentido de ocorrer a mudança”.

[Texto baseado na Folha de Sala que acompanha a exposição. Portfólio na página da artista, em https://donnabassin.com/Portfolio/My-Own-Witness:-Rupture-and-Repair/]

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