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domingo, 23 de janeiro de 2022

TERTÚLIA: "Conversas às 5 - Disto & Daquilo" | Bento Amaral



TERTÚLIA: “Conversas às 5 - Disto e Daquilo”,
com Bento Amaral
Moderação | Joaquim Margarido
Auditório do Centro de Reabilitação do Norte
20 jan 2022 | qui | 17:00


Ao encontro de novos temas e de “mundos” mais diversificados, as habituais Tertúlias “Conversas às 5” promovidas pelo Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia / Espinho e que, desde o passado mês de Abril, vêm decorrendo no Auditório do Centro de Reabilitação do Norte, inauguraram na passada quinta-feira uma nova série intitulada “Disto & Daquilo”. O convidado desta primeira sessão foi o Engenheiro Bento Amaral, Director dos Serviços Técnicos e de Certificação do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto desde 2013 e um homem com um percurso de vida a todos os títulos extraordinário e verdadeiramente inspirador, nomeadamente porque um acidente de praia, aos 25 anos, o deixou tetraplégico. Curiosamente, viria a ser no mar que alguns dos seus grandes sonhos se concretizariam graças, nomeadamente, à conquista do título mundial de vela adaptada em 2005 e à participação nas Paralimpíadas de Pequim três anos mais tarde.

Em 2013, Bento Amaral viria a publicar “Sobreviver”, um livro que passa em revista os momentos mais marcantes da sua vida a partir do drama que alterou por completo o seu mundo, deixando-o numa situação de enorme dependência física contra a qual sempre lutou. Assente em passagens do livro, a primeira parte desta tertúlia trouxe-nos um conjunto de testemunhos que, para além da sua clareza, permitiram perceber “essa liberdade interior e essa capacidade de aceitação sem mágoas nem revoltas, sem se amargurar com as causas das coisas, nem aqueles porquês que, fatalmente, ficam sem resposta e quem pertencem à esfera dos grandes mistérios da vida”, como escreveu Laurinda Alves no prefácio do livro citado. Mostrando-se grato à vida por tudo aquilo que lhe tem oferecido, Bento Amaral confessa ter posto no livro um sentido do dever, reflectindo sobre aspectos transversais às pessoas que passam por momentos difíceis numa cama de hospital e apontando um conjunto precioso de sugestões.

“O maior instrumento para o auto-conhecimento é o sofrimento”. Ao citar Enrique Rojas, Bento Amaral colocou a plateia em sobressalto, deixando perceber que aceitamos as coisas boas sem as questionar e questionamos as coisas más sem as aceitar. Se algum de nós ganhasse o Euromilhões, não questionaria os porquês e aceitava o dinheiro, ao passo que se alguém tiver uma lesão medular por causa de um acidente de praia pergunta ‘porquê eu’ sem o aceitar. E, todavia, é muito mais provável que nos aconteça um drama desta natureza para o qual ninguém está preparado do que ganharmos o Euromilhões”, disse. Dando como exemplo a beleza de um céu estrelado que não se alcança, ou porque o astro-rei o “esconde” ou porque o céu se cobre de nuvens, Bento Amaral lembrou que “a maior parte das vezes estamos preocupados com pequenas coisas sem percebermos a beleza da nossa vida”. E remata: “Já pensaram que têm um recurso que eu não tenho, que é a mobilidade física. De que é que nos estamos a queixar? A vida que temos é belíssima, é espectacular. Depende da forma de olharmos para ela.”

Adoptando o livro como um guião, o moderador abordou o capítulo “O Hospital da Prelada - um novo mundo”, tirando partido da presença na sala de um conjunto significativo de pessoas que preencheram os seis meses de permanência de Bento Amaral naquela unidade hospitalar. Foi grato recordar as pessoas, os momentos mais ou menos caricatos e a certeza de que “o hospital é um bom local para se treinar a arte da paciência”. Da mesma forma, foi particularmente interessante a interacção do público, com uma intervenção assertiva e esclarecedora do Dr. Rúben de Almeida, médico fisiatra que acompanhou Bento Amaral nesses momentos cruciais e que lembrou os primeiros passos do Serviço de Medicina Física e de Reabilitação do Hospital da Prelada, ao mesmo tempo contextualizando o internamento de Bento Amaral que considerou “um doente muito fácil de reabilitar, dada a sua inteligência enorme e positivismo”.

Na segunda metade desta tertúlia, o assunto “vinhos” assumiu natural preponderância, com Bento Amaral a passar em revista um percurso que se inicia com o curso de Engenharia Alimentar e um “Erasmus” em Bordéus e chega aos nossos dias com uma dos mais prestigiantes posições no mundo dos vinhos. Das memórias olfactivas e gustativas de infância ao ambiente que nos rodeia, Bento Amaral falou de um mundo que combina a racionalidade com os sentidos e que classifica como “uma paixão”. Entre certezas e intuições, falou-se da importância dos copos no “peso do vinho”, da dificuldade em perceber qual a altura certa para beber um vinho com alguma idade, das harmonizações entre o vinho e a comida. Olhou-se com atenção esse orgão sensorial por excelência que é a língua, onde se descobrem cinco sabores - ácido, doce, salgado, amargo e umani, um sabor identificado por Ikeda em 1906, que significa “saboroso” e que é a principal razão por sermos apaixonados pela gastronomia. Reflectiu-se sobre as provas de vinho, a sua variedade e complexidade, as grandes surpresas e a “quase impossibilidade de chegarmos a um supermercado e, por quatro euros, encontrarmos um topo de gama”.

A conversa chega ao fim, não sem antes o público ter visto a sua curiosidade satisfeita em matéria de novas tendências, nomeadamente os vinhos biológicos, a relação qualidade-preço dos vinhos, a melhor forma de os conservar e também o melhor vinho para acompanhar Pão-de-Ló de Ovar. O remate foi dado com a leitura de um excerto do posfácio do livro “Sobreviver”, da autoria de Maria do Carmo Themudo Amaral, esposa do convidado, que diz o seguinte: “Tenho o privilégio de testemunhar todos os dias a presença de Jesus vivo, ressuscitado, no homem que tenho a alegria e a graça de ter comigo até que a morte nos separe. O bento é um ser humano maravilhoso e único. É um milagre da Vida que Deus me pôs no caminho! Só posso estar agradecida!” Este sentimento espalhou-se ao Auditório e tomou conta das conversas no final. Todos se mostraram gratos pela dádiva da partilha e pelos exemplos enriqueceres de uma vida plena como a de Bento Amaral. Obrigado, Bento!

[Fotos: António Jamba e Vítor Lopes]

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