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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

LIVRO: "Luanda, Lisboa, Paraíso"



Luanda, Lisboa, Paraíso”,
de Djaimilia Pereira de Almeida
Edição | Clara Capitão
Ed. Companhia das Letras, Outubro 2018


Impõe-se começar esta recensão crítica a “Luanda, Lisboa, Paraíso”, dizendo que a sua leitura é de tal forma absorvente e dela se retira tanto prazer que o livro entra directamente para a restrita galeria dos livros da minha vida. Desde logo, pela ternura duma história que trata, com enorme pudor e delicadeza, a vida simples de pessoas simples. Depois, pela prosa visualmente rica, intensa e muito bela, realçando as emoções que se desprendem de cada gesto, de cada frase. E finalmente pela generosidade e sensibilidade do olhar de Djaimilia Pereira de Almeida, compondo personagens duma enorme riqueza interior, contrastando ironicamente com a miséria extrema em que vivem.

O livro conta a história de Cartola e do seu filho, Aquiles, nascido com uma malformação no calcanhar. Confiados na ajuda de um ortopedista, ambos deixam Luanda assim que o rapaz atinge os quinze anos, tendo Lisboa como a “terra prometida”, onde Aquiles encontrará certamente a cura. As coisas, contudo, não irão correr conforme esperado, e a cidade branca é também aquela onde Cartola e Aquiles irão descobrir-se pai e filho na desventura. Até que num vale emoldurado por um pinhal, nas margens da cidade mil vezes sonhada pelo velho Cartola, encontram abrigo e fazem um amigo.

Parábola intemporal duma sociedade polarizada entre “feios, porcos e maus” e “lindos, limpos e bonzinhos”, este é um livro que, de forma poética, evoca o quanto de conformismo e de fatalismo pode haver na condição do ser pobre. Num país com dois milhões de pobres a convocarem a nossa vergonha colectiva, “Luanda, Lisboa, Paraíso” revela-nos de que matéria são feitos os sonhos dos que tão pouco têm, ao mesmo tempo que pesa a coragem que é necessária para levantar tudo em volta uma e outra vez e nos diz, de forma palpável, o quão relativo o tempo se faz, na felicidade ou na dor. Hino à amizade, vibrante e comovente, o livro é sobretudo uma admirável evocação daquilo que, distinguindo-nos, nos torna mais próximos e solidários.

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