“Luanda, Lisboa, Paraíso”,
de Djaimilia Pereira de Almeida
Edição | Clara Capitão
Ed. Companhia das Letras, Outubro
2018
Impõe-se começar esta recensão crítica a “Luanda, Lisboa, Paraíso”, dizendo que a sua leitura
é de tal forma absorvente e dela se retira tanto prazer que o livro
entra directamente para a restrita galeria dos livros da minha vida.
Desde logo, pela ternura duma história que trata, com enorme pudor e
delicadeza, a vida simples de pessoas simples. Depois, pela prosa
visualmente rica, intensa e muito bela, realçando as emoções que
se desprendem de cada gesto, de cada frase. E finalmente pela
generosidade e sensibilidade do olhar de Djaimilia Pereira de
Almeida, compondo personagens duma enorme riqueza interior,
contrastando ironicamente com a miséria extrema em que vivem.
O livro conta a história de Cartola e
do seu filho, Aquiles, nascido com uma malformação no calcanhar.
Confiados na ajuda de um ortopedista, ambos deixam Luanda assim que o
rapaz atinge os quinze anos, tendo Lisboa como a “terra prometida”,
onde Aquiles encontrará certamente a cura. As coisas, contudo, não irão
correr conforme esperado, e a cidade branca é também aquela onde
Cartola e Aquiles irão descobrir-se pai e filho na desventura. Até
que num vale emoldurado por um pinhal, nas margens da cidade mil
vezes sonhada pelo velho Cartola, encontram abrigo e fazem um amigo.
Parábola intemporal duma sociedade
polarizada entre “feios, porcos e maus” e “lindos, limpos e
bonzinhos”, este é um livro que, de forma poética, evoca o quanto
de conformismo e de fatalismo pode haver na condição do ser pobre.
Num país com dois milhões de pobres a convocarem a nossa vergonha
colectiva, “Luanda, Lisboa, Paraíso” revela-nos de que matéria são
feitos os sonhos dos que tão pouco têm, ao mesmo tempo que pesa a coragem que é necessária para levantar tudo em volta uma e outra vez e nos
diz, de forma palpável, o quão relativo o tempo se faz, na
felicidade ou na dor. Hino à amizade, vibrante e comovente, o livro é sobretudo uma admirável evocação daquilo que,
distinguindo-nos, nos torna mais próximos e solidários.
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